Por trás dos números, o drama dos parentes à espera dos corpos em Manaus
Após seis dias de ansiedade, Diana Pinheiro, mãe do detento Roney Pinheiro, recebeu o corpo do filho de 32 anos no último final de semana após seis dias de espera. A identificação foi feita por meio de um exame de DNA. Ela conta que no dia 1º de janeiro, dia do massacre que que terminou com a morte de 56 pessoas no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), maior presídio do Estado, foi sozinha visitar o filho de ônibus. Quando chegou na penitenciária, o encontrou lendo a bíblia.
Diana disse que, no domingo, decidiu sair mais cedo do Compaj para chegar em casa ainda de dia. Antes, porém, fez café para Roney e leu um trecho da bíblia para ele. O filho contou a ela que queria ouvir louvores e que isso aliviava a alma. A mãe diz ter prometido comprar um som e levar na próxima visita. “Ele aceitou Jesus há cinco meses. Era bom. Tinha mudado. Quando sai, me deu três fortes abraços”, contou.
Apesar da morte trágica, a mãe de Roney disse estar com o coração menos sobrecarregado porque o filho havia melhorado e aceitado o evangelho de Jesus antes de ser morto.
Questionada se tinha esperança de que as prisões pudessem melhorar após o massacre, Diana respondeu: “Eles [autoridades] não estão nem aí. Não tomam providências. As cadeias estão abandonadas. Os presos ficam à mercê de algo assim. Meu filho é prova de que as pessoas podem melhorar. Ele estava estudando lá dentro”, disse.
Também no pátio do IML (instituto Médico Legal), a irmã do detento que aparece na selfie junto com o fugitivo Brayan Bremer, famosos no Facebook ao postarem foto durante a fuga de domingo, demonstrava aflição. Ela contou que desde o massacre não dorme e nem come direito. Há três anos não via o irmão e desde domingo diz sonhar com ele todas as noites. “Ele fugiu, mas não sei se está vivo ou morto. Por isso, vim ao IML”, disse.
Duas primas do detento Anderson de Souza Lima, 22, que pediram para não serem identificadas, disseram que, ao saberem no domingo (1) da rebelião, respiraram aliviadas porque o primo havia recebido a liberação temporária para passar as festas de final de ano com a família. Seis dias após a rebelião, porém, estavam no IML aguardando para reconhecer o corpo de Anderson que, segundo amigos informaram a elas, se envolveu numa briga antes de se reapresentar ao presídio e teria morrido.
“Ele ia voltar, pediu para levar apenas uma rede e duas mudas de roupa. Disse que nesses momentos não se podia dormir muito lá. Só rezei e disse que se Deus tinha livrado ele de uma coisa dessas, ia continuar livrando. Vi o sofrimento dessas mães que perderam os filhos dessa forma. Só Deus para confortar essas pessoas”, disse ao afirmar que seria muito pior se o primo tivesse morrido na mesma condição dos presos do Compaj.
Insegurança e preconceito
Do outro lado da cidade, na Cadeia Pública Vidal Pessoas, centro de Manaus, algumas mulheres permaneciam de vigília, próximas às grades da penitenciária que passou a abrigar detentos com risco de vida nos outros presídios da cidade e onde mais quatro presos foram mortos nesse domingo.
A mulher de um dos detentos que está na prisão e que não quis se identificar disse que desde segunda-feira passa o dia em frente à cadeia. Ela disse que nos dias anteriores levou alimentos, mas não conseguiu entregar ao marido e que aguardava as coisas se acalmarem para que as visitas fossem liberadas. “Aqui tem muito rato. Eles fizeram um barulho porque queriam ficar nas celas. Parece que conseguiram”, disse.
Ela contou que não sente segurança no local porque não vê muita polícia ao redor da Vidal Pessoa e que várias vezes ao dia ouve xingamentos de pessoas que passam de carro ou de ônibus na rua. “Eles gritam que os presos têm mais é que morrer e as famílias também. A gente se assusta, não sabe se é ameaça, se é preconceito. A gente não tem culpa do que eles fizeram, mas é da nossa família. Não se pode abandonar”, disse.
Segundo o governo do Amazonas, 50 corpos de presos mortos no Compaj já foram liberados até a noite de domingo.
O secretário de Estado de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, afirmou que dos 60 presos mortos nas rebeliões do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) e UPP (Unidade Prisional do Puraquequara) 59 já foram identificados.
O diretor do Departamento de Polícia Técnico-Científica do Amazonas (DPTC-AM), Jefferson Mendes, afirmou que 50 corpos foram entregues às famílias. Ele explicou que a demora para liberação dos últimos ocorre em função do estado de mutilação que exigiu exame de DNA.
“A gente teve condições de dizer que cada cabeça, perna, braços, rim, fígado e coração entregue com os corpos são das pessoas que entregamos. Em alguns casos, essas partes foram retiradas dos corpos. O procedimento que tomamos são 100% seguro”, afirmou.
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