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Procuradora do RS culpa vítimas da Kiss por estarem bêbadas e revolta familiares

Fachada da boate Kiss, onde um incêndio em 2013 matou 242 pessoas - Reprodução
Fachada da boate Kiss, onde um incêndio em 2013 matou 242 pessoas Imagem: Reprodução

Lucas Azevedo

Do UOL, em Porto Alegre

25/02/2017 21h49

Uma procuradora de Santa Maria (RS) causou revolta em familiares das vítimas do incêndio na boate Kiss, que matou 242 pessoas em janeiro de 2013, ao sugerir que a embriaguez de algumas das vítimas colaborou para as suas mortes.

No documento, que contesta na Justiça um pedido de indenização por danos morais feito pela família de um dos jovens mortos na tragédia, a procuradora Mirela Marquezan ressalta: "Certamente diferentes fatores contribuíram para esta diferença de condutas e desfechos, sendo, um deles, o estado de sobriedade ou de embriaguez de cada um dos frequentadores do estabelecimento, fato que deve ser bem analisado em cada caso concreto".
 
O trecho foi tornado público pelo advogado Luiz Fernando Scherer Smaniotto, representante de alguns familiares de vítimas.

A procuradora diz na contestação: "Apesar da comoção generalizada e luto coletivo ocorridos com a tragédia da boate Kiss, e mesmo podendo parecer insensível mencionar a possibilidade de ocorrência de culpa das próprias vítimas; não há como ignorar o fato de que diversas pessoas que estavam em frente ao palco, onde começou o incêndio, conseguiram sair do local; ao passo que outras tantas, que estavam muito mais próximas à porta de saída, não abandonaram o recinto".

A citação causou indignação nos familiares de mortos e sobreviventes. "Quero saber em qual técnica ela se baseou para escrever isso. Primeiro, ela não é médica. Segundo, não é bombeiro para saber se as pessoas podiam ou não sair da boate. Ela não tem conhecimento técnico para usar esse argumento", afirma o presidente da AVTSM (Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria), Sérgio Silva.
 
Silva afirma que já tem uma reunião marcada com o novo prefeito da cidade, Jorge Pozzobom (PSDB), na qual tratará do assunto. Além disso, diz que entrará na Justiça contra a procuradora. "Meu filho estava na porta da boate, estava com o meu carro e não tinha uma gota de álcool no sangue, conforme a perícia no corpo. Qual argumento da procuradora para isso? Eu, como pai, gostaria que ele estivesse bêbado e drogado, para morrer numa boa, sem noção da realidade, e não sofrendo como aconteceu."
 
A reportagem tentou, neste sábado (25), contato com a procuradora Mirela Marquezan, mas não obteve sucesso. Entretanto, ainda nessa sexta, a Prefeitura de Santa Maria emitiu nota, explicando que "as condutas adotadas foram opções técnicas feitas pelas chefias institucionais que geriam o município na época". E prosseguiu: "A prefeitura foi renovada nas urnas e todos, inclusive as diretamente envolvidas com essa lamentável tragédia, são testemunhas da grande vontade de mudar que tem impulsionado a nossa dedicação diária às causas do município".
 
Mais adiante, a administração destaca: "A nós, hoje, cabe acarinhar e acalantar essas pessoas que se sentiam órfãs frente ao poder municipal em um dos momentos mais difíceis que um ser humano é capaz de enfrentar. O que realmente importa é que essas pessoas saibam que podem contar conosco para ajudar, para compreender e, principalmente, para aprender. Esse é o nosso compromisso, isso é renovar".