Número de mortos pela polícia no Rio cresce 120% em 5 anos e beira época pré-UPP
Após passar por uma queda drástica a partir de 2007, ano anterior à implantação da primeira UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), o número de mortos pela polícia no Estado do Rio de Janeiro voltou a crescer. Nos últimos cinco anos, o número de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial aumentou 120%, e já beira os tempos pré-Polícia Pacificadora, principal projeto de segurança pública do Estado.
Em 2016, 920 pessoas foram mortas pela polícia contra 645 em 2015 e 416 em 2013, quando atingiu o patamar mais baixo nos últimos dez anos. Em 2007, 1330 pessoas foram mortas pela polícia no Estado. No ano seguinte, o governo inaugurou a primeira das 38 UPPs do Rio, no morro Santa Marta, em Botafogo, na zona sul da cidade.
As mortes cometidas pela polícia fluminense em 2016 representam ainda, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), 15% do total das 6.248 mortes violentas registradas no Estado em todo ano passado.
Em janeiro desse ano, último mês com estatísticas disponíveis, foram registrados 98 homicídios decorrentes de intervenções policiais, quase o dobro que o do mesmo período do ano passado (53). Foi a maior marca para o mês de janeiro desde 2008 --quando foram registradas 109 ocorrências.
Em paralelo, o número de policiais mortos em serviço também cresceu, chegando ao seu maior patamar nos últimos dez anos. Foram 40 em 2016, contra 26 em 2015 e 18 no ano anterior.
Segundo o sociólogo e professor do Departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense), Daniel Misse, é difícil precisar se a queda no número de mortes e o seu posterior aumento estão diretamente relacionados às UPPs ou a políticas de metas e bônus adotados pelo Estado e hoje deixados de lado por conta da grave crise econômica enfrentada pelo Estado.
A situação do Estado, no entanto, tem afetado a política de pacificação. Consequentemente, o tráfico tem recrudescido e voltaram a ser comuns confrontos entre policiais e criminosos em áreas ocupadas. "A UPP tem se distanciado muito dos moradores, gerando uma ocupação do espaço por antigos traficantes, ainda de forma pulverizada. Os tiroteios retornaram às favelas, mesmo as tidas como modelo", afirma Misse.
"[A UPP] é um programa muito problemático, não surge como um objetivo claro, como política pública, mas com o objetivo de ocupação de território. Mas é possível ocupar territórios militarmente para sempre?", questiona, ao lembrar que o projeto se baseia em uma grande quantidade de policiais por favelas não necessariamente acompanhada pela entrada de outros serviços do Estado nestes locais.
Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro por dez anos, José Mariano Beltrame deixou o cargo em outubro reclamando, entre outros pontos, da falta de apoio ao projeto. "O que a UPP fez foi desafiar o Estado e mostrar lugares onde há uma série de problemas de cidadania. A verdade é que hoje a Polícia Militar e a Polícia Civil se veem remando sozinhas", afirmou em entrevista à Globo News pouco antes de deixar a secretaria.
Questionada sobre o grande número de mortes cometidas por policiais e a atual situação das UPPs no Estado, a Secretaria de Segurança admitiu o aumento no número de mortes cometidas por policiais nos últimos anos, mas não comentou o atual momento do projeto.
De acordo com o órgão, o Estado tem como "prioridade a preservação da vida, a convivência pacífica e a redução de índices de criminalidade no Estado" e "desde 2007 investe no processo de pacificação nas comunidades". A secretaria citou ainda o afastamento de 2.100 PMs da corporação pelas corregedorias por desvios de conduta e abuso de autoridade.
Para a organização Human Rights Watch, que lançou em julho o relatório "O Bom Policial Tem Medo: Os Custos da Violência Policial no Rio de Janeiro", os números endossam "o entendimento das autoridades de que execuções extrajudiciais são bastante comuns" no Estado.
"O número de mortos por ação policial é muito maior do que o número de baixas na polícia, fazendo com que seja difícil acreditar que todas estas mortes ocorreram em situações em que a polícia estava sendo atacada", diz o relatório. Para cada policial assassinado no Rio de Janeiro em 2016, outras 23 pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais.
Posição corroborada pela Anistia Internacional, que considera que a situação da Segurança Pública no Rio não protege moradores nem policiais. "As operações policiais no Rio de Janeiro seguem um padrão de alta letalidade, deixando centenas de pessoas mortas todos os anos, inclusive policiais no exercício de suas funções", afirma a organização.
"Em geral, são operações altamente militarizadas, que seguem uma lógica de guerra (neste caso, guerra às drogas), que enxerga as áreas de favelas e periferias como territórios de exceção de direitos e que resultam em inúmeros outros abusos além das execuções, tais como invasão de domicílio, agressão física e verbal, e cerceamento do direito de ir e vir."
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