"Não é crime uma cervejinha com os amigos", diz irmão de vítima de chacina em SP
Valdir Pereira de Souza, 42, havia aberto a própria marcenaria há menos de um mês. Tinha dois filhos pequenos e morava com a mãe. Luiz Fernando Ramos, 39, era coordenador de segurança privada. Tinha um filho de dez anos, com quem ia a um clube na região onde morava, e, são-paulino assíduo, fazia questão de levar a irmã caçula para ver os jogos do time no estádio. Em comum: nenhum dos dois tinha passagens pela polícia e os dois gostavam de tomar uma cerveja no bar do bairro.
A descrição foi feita nesta quarta-feira (5), ao UOL, por familiares dos dois rapazes. Eles foram assassinados em uma das duas chacinas registradas na madrugada em São Paulo --no caso, a do Jaçanã (zona norte), região que já havia visto outra chacina há menos de seis meses e na véspera do Natal.
Pelo menos dez pessoas morreram e três ficaram feridas nas duas ações registradas na noite desta terça-feira (4) na capital paulista. No Jaçanã, sete pessoas morreram. Já no Campo Limpo, zona sul, foram três vítimas.
Fontes da polícia informaram, sob sigilo, e com base em buscas no sistema de informação do governo estadual (Prodesp), que, dos dez mortos, apenas um possuía antecedentes criminais --Adriano dos Anjos Silva, 39, por uso e porte de droga, morto no Jaçanã. Procurada sobre isso, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo ainda não se pronunciou.
"Meu irmão tinha ido ao bar porque havia feito um serviço ao dono de lá e receberia um adiantamento para pagar o aluguel. Estava feliz, tinha aberto a própria marcenaria há menos de um mês, tinha aprendido o ofício com nosso pai, e nunca teve qualquer passagem pela polícia", afirmou o promotor de vendas Wanderson de Souza, 35.
Souza falou com a reportagem na entrada do IML (Instituto Médico Legal) central de São Paulo. Lá, além do irmão, estão outras cinco vítimas da chacina --uma das quais, amigo de infância do promotor de vendas.
"Escutei os tiros da minha casa e fechei a janela, com medo de alguma bala perdida. Quando ouvi outro irmão nosso gritando o nome do Valdir, saí correndo", relatou, para completar: "As pessoas, nessas horas, costumam perguntar: 'mas por que [a vítima] estava no bar, e não em casa? Moça, quem mora na periferia não tem opção de lazer. Trabalha sete dias na semana. Não é nenhum crime tomar uma cervejinha com os amigos no bar", desabafou.
Acredita que o crime será elucidado? "Jamais, porque os culpados desses crimes dificilmente são descobertos. Justiça, só a de Deus, mesmo", encerrou.
Vítima estava "em dia de folga com os amigos", diz irmã
A desempregada Rafaela Ramos dos Santos, 29, também contou que o irmão, Luis Fernando, "não tinha situação nenhuma com a polícia, nunca teve".
"Meu irmão estava no dia de folga dele tomando uma com os amigos no bar, onde comiam feijoada aos sábados. Ele e todos os outros que estavam lá eram trabalhadores. Ele era a pessoa errada na hora errada", afirmou.
Segundo a irmã da vítima, "dificilmente" o crime será elucidado. "Não costumo acreditar na polícia. E a única pessoa que poderia me dizer quem fez isso está lá dentro do IML. E ainda deixou um filho, pais, irmãos. Vou ter que explicar para minha mãe o que está se passando -- não caiu a ficha dela, ainda", relatou.
Às 13h20, ainda não havia previsão de liberação dos corpos do IML.
A chacina na zona norte foi registrada no 73º Distrito Policial (Jaçanã), e a da zona sul, no 89º DP (Jardim Taboão). Ambos os crimes serão investigados pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
SSP não vê ligação com ação de policiais
Em entrevista à rádio CBN, o secretário estadual de segurança, Mágino Alves, afirmou que não há, por ora, indícios de participação de PMs nas duas chacinas.
"A diversidade de calibre armas de cápsulas encontradas --calibre 45 no Jaçanã e calibre 380 e 9mm no Campo Limpo --indicam que não é o mesmo tipo de armamento usado por policiais. Não vamos descartar nenhuma possibilidade, mas não há nada que indique [a participação desses agentes] nesses crimes", disse.
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