Fuga da folia, mutirão, nomeações polêmicas e mais: os 100 dias de Crivella à frente do Rio em 5 atos
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), completa nesta segunda-feira (10) cem dias à frente da administração municipal. Pouco mais de três meses se passaram desde que ele tomou posse na Câmara Municipal, em 1º de janeiro, com discurso que prometia foco na saúde, corte de gastos e reestruturação da máquina administrativa.
Nesse período, Crivella tirou do papel o mutirão de cirurgias em hospitais municipais, que ele havia prometido durante a campanha eleitoral, mas também tomou decisões controversas — como a nomeação do próprio filho, Marcelinho, barrada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
O UOL conversou com especialistas a respeito de vários temas e elegeu cinco fatos que marcam a gestão Crivella nos primeiros cem dias de governo. Confira a seguir.
Cirurgias nos fins de semana
Uma das primeiras medidas anunciadas por Crivella foi um mutirão de cirurgias para reduzir a longa espera de pacientes em hospitais do município.
A força-tarefa realizou, desde janeiro, 500 cirurgias. Para zerar a fila, no entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. Hoje, 154 mil pacientes aguardam algum tipo de intervenção cirúrgica; são 14 mil a mais do que o registrado em janeiro. Enquanto isso, o volume total de cirurgias realizadas na rede aumentou 7,24% no primeiro trimestre de 2017 em comparação com o mesmo período do ano passado.
A ideia, de acordo com o governo, consiste em ampliar a oferta na rede, instituindo o chamado terceiro turno e operando pacientes em dias e horários alternativos, o que, na prática, significa operar nos fins de semana.
Para o diretor da Federação Nacional dos Médicos, Jorge Darze, a medida é válida como ação emergencial, já que a fila de pacientes à espera de cirurgia não para de crescer. Mas, ele não concorda com a ideia de transformar o mutirão em política pública permanente.
"Não temos hoje número suficiente de profissionais na rede para viabilizar esse projeto [mutirão de cirurgias] de forma definitiva. A ideia é bem-vinda nesse primeiro momento, mas não pode virar política pública permanente."
Para Darze, na área da saúde, o principal feito da gestão Crivella foi dar início às negociações para um plano de cargos e salários. "Já foi instituída uma mesa de negociação para debater o plano e ele já assumiu compromisso de enviar o assunto para a Câmara. Existe uma minuta do plano, inclusive, considerando o Orçamento para 2018."
Sumiço no Carnaval
Durante o Carnaval, Crivella não compareceu ao sambódromo para acompanhar os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial. O chefe do Executivo carioca foi criticado por se manter distante da principal festa da cidade. Nas redes sociais, ele publicou um vídeo em que dizia que não sabia sambar, mas sabia trabalhar.
Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal e, durante o período em que foi missionário, transformou-se em liderança entre os evangélicos.
Na opinião do historiador e especialista em cultura popular carioca Luiz Antônio Simas, a decisão do prefeito pode ter sido resultante de um "cálculo político". "Talvez ele tenha avaliado que o público dele tem muito mais repúdio pela festa do que se sente atraído por ela. É um cálculo político, cujo resultado a gente só vai saber com o tempo", disse.
Crivella também não seguiu a tradição de entregar a chave da cidade ao Rei Momo, um ritual simbólico repetido todos os anos, na sexta-feira anterior ao Carnaval. Com o gesto, é declarada oficialmente aberta a folia carioca. Nem ele nem a Riotur, órgão municipal responsável por organizar as festividades, se pronunciou sobre o fato.
Simas afirmou ainda que, do "ponto de vista simbólico", a presença do prefeito nos eventos relacionados ao Carnaval, sobretudo nos desfiles das escolas de samba, é "crucial para a cultura do Rio".
"Independentemente da questão religiosa ou de gostar ou não, ele é o prefeito da cidade. Há todo um simbolismo do Carnaval e isso é fundamental para a cidade, pois envolve suas lutas populares, envolve a inclusão das camadas afrodescendentes em um país com passado escravocrata muito marcante. Ver o prefeito reconhecer a legitimidade do Carnaval é importante."
Obras e serviços paralisados
Crivella assumiu a prefeitura com a promessa de reavaliar contratos firmados pela antiga gestão com prestadores de serviço e realizar cortes de despesas. A postura austera tinha a finalidade de desafogar os cofres do município, mas também criou problemas para o governo. Algumas obras e serviços não foram retomados nos primeiros três meses do ano, como o corredor do BRT TransBrasil, na zona norte, o teleférico do Morro da Providência, na zona portuária, e o Parque Radical de Deodoro, na zona oeste.
Logo após tomar posse, Crivella determinou, por exemplo, que a Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação apresentasse relatório sobre as obras da TransBrasil e um plano de conclusão do projeto até o fim deste ano. Esse BRT (Bus Rapid Transit) é um corredor de ônibus expresso prometido para a Olimpíada de 2016, mas que está com sua construção paralisada desde 2016. Nada ocorreu em três meses.
Até o início de fevereiro, a obra orçada em R$ 1,4 bilhão estava 47% pronta e 53% paga. As empresas responsáveis pelo projeto pediam mais R$ 85 milhões para reiniciar os trabalhos.
Na última sexta-feira (7), durante evento realizado pela prefeitura para comemorar os cem dias da gestão, o titular da pasta de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação, Indio da Costa (PSD), afirmou que as obras da TransBrasil serão retomadas na segunda-feira (10). Segundo ele, o projeto deve ser concluído até junho de 2018.
Para o ex-conselheiro do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio) Antônio Eulálio, o atraso na retomada das obras está vinculado à escassez de recursos por parte do município, mas também tem a ver com falta de nomeações técnicas na gestão pública.
"É muito cedo ainda, mas há, de fato, um problema no caixa do governo. Eu sinto que o Crivella ainda está tateando para ver como agir. O corredor em si está praticamente pronto, mas faltam muitos detalhes de acabamento", disse.
"É importante ressaltar que o atraso na conclusão dessa obra também é fruto da falta de continuidade administrativa. Muitos cargos que deveriam ser de quadros técnicos, pessoas de carreira, acabam sendo preenchidos com indicações políticas. O que acontece nesse caso? Muda o governo, muda tudo. Essa transição acaba criando um ônus", completou.
De olho na segurança, atribuição do Estado
Uma participação mais ativa da Prefeitura do Rio no debate sobre a segurança pública também marcou o começo da gestão Crivella. Historicamente, o município sempre esteve distante desse tema, que é de responsabilidade do Estado. A Guarda Municipal, por exemplo, limitava-se a uma atuação restrita à defesa patrimonial, com raras exceções — como a repressão ao comércio ambulante.
Desde que assumiu, Crivella tem buscado redirecionar o foco da Guarda Municipal para a contenção de delitos. Esse processo vem sendo conduzido pelo secretário de Ordem Pública, Paulo Amêndola, que é coronel da Polícia Militar e criador da divisão de elite da corporação, o Bope (Batalhão de Operações Especiais).
A prefeitura criou, por exemplo, um plano para combater arrastões nas praias da zona sul carioca. Além do patrulhamento de rotina da PM, a Guarda passou a intensificar ações na orla e no entorno das praias. O efetivo nas ruas do centro da cidade, onde há grande incidência de roubos e furtos, foi reforçado.
Crivella criou um gabinete de gestão, que reúne integrantes da prefeitura e de órgãos e instituições que atuam na segurança pública (polícias Civil, Militar e Federal, Forças Armadas, Polícia Rodoviária Federal e outros). A ideia é promover diálogo constante e reuniões periódicas a fim de estabelecer um padrão de atuação. No primeiro encontro, Crivella pediu que a PM passe a avisar antes o governo sobre operações policiais realizadas em áreas com escolas.
O pedido ocorreu depois que a estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, 13, foi baleada e morta durante aula de educação física no colégio Jornalista Daniel Piza, em Irajá, zona norte carioca. O caso teve grande repercussão, pois havia uma operação contra o tráfico de drogas no entorno do colégio. Um laudo da Polícia Civil indica que um dos disparos que vitimaram Maria Eduarda saiu da arma de um policial militar.
Para o pesquisador João Trajano de Lima Sento-Sé, membro do LAV (Laboratório de Análise da Violência), da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a participação da prefeitura na segurança pública é "bem-vinda", desde que os papéis estejam bem definidos.
"O município pode ajudar na formulação de estratégias. A aproximação com os outros Poderes, Estado e União, é muito positiva. Mas os papéis, vocações e atribuições precisam ser definidos e respeitados. A prefeitura tem muito a contribuir na parte da prevenção e na criação de programas de redução da violência, iniciativas sociais e de suporte escolar", disse.
Sento-Sé disse ainda que a prefeitura não pode "pensar como polícia", sobretudo no que diz respeito à atuação da Guarda Municipal. Para ele, isso seria "a repetição de um modelo fracassado". "Fazer da Guarda Municipal uma versão municipal da Polícia Militar seria um erro. Eu vejo isso com muita apreensão e ceticismo. Não podemos simplesmente duplicar o erro, a PM já está impregnada em uma estrutura de violência, de corrupção e de desrespeito às leis", opinou.
Polêmicas na esfera administrativa
Crivella fez em seus primeiros cem dias como prefeito nomeações que geraram polêmica, como a do próprio filho, Marcelinho, que só não assumiu a Casa Civil do município porque o STF (Supremo Tribunal Federal) barrou a escolha. Em seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello considerou que havia prática de nepotismo.
Crivella também foi duramente criticado após a indicação do advogado Arthur Fuks, que defendeu em sua página no Facebook a morte de presidiários e prisão perpétua para crianças. Ele havia sido escolhido para comandar a Subsecretaria de Inclusão Produtiva, mas a nomeação foi revogada depois que as mensagens foram divulgadas na imprensa e geraram uma saia justa para o prefeito.
Já o delegado da Polícia Federal Bráulio do Carmo seria responsável pela fiscalização das vans no Rio, mas também foi demitido antes mesmo de assumir. Uma reportagem revelou que ele era réu em processo criminal em Cuiabá por ter, em 2011, ferido uma pessoa após dar tiros a esmo.
Em janeiro, o prefeito anulou a nomeação do professor e engenheiro Paulo Cezar Ribeiro para o comando da CET-Rio. Em declaração à imprensa, Crivella alegou que o acadêmico teria sido diagnosticado com uma doença grave, mas a justificativa foi posteriormente negada por Ribeiro em entrevista ao jornal "O Globo". O engenheiro teria sido preterido porque solicitou que a prefeitura cobrisse seu salário como professor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio).
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