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Concurso de beleza em presídio paulista resgata autoestima e sonhos de detentas

Concurso de beleza na Penitenciária Feminina de Vila Branca, em Ribeirão Preto (SP) - Caio Daniel/Divulgação/SAP
Concurso de beleza na Penitenciária Feminina de Vila Branca, em Ribeirão Preto (SP) Imagem: Caio Daniel/Divulgação/SAP

Eduardo Schiavoni

Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (SP)

20/08/2017 04h00Atualizada em 22/08/2017 14h51

O sorriso tenso marca a expressão das candidatas. Perfiladas à espera do resultado em uma área longe da passarela, oito das 31 concorrentes tiveram o gostinho de voltar ao palco para receber a saudação da plateia. Após serem ovacionadas, retornaram o camarim à espera do resultado final: quem seria a eleita, a rainha da beleza? Até que a tensão virou alívio e felicidade.

A cena não ocorreu em suntuosos salões nem teve o glamour dos grandes concursos de beleza. Foi registrada na Penitenciária Feminina de Vila Branca, em Ribeirão Preto, e as candidatas eram detentas do sistema prisional paulista.

“A gente sabe que amanhã a vida volta ao normal. Mas o importante é viver esse dia de sonho para provar que a vida é mais do que as grades de uma prisão”, conta Karina Massa, 36, eleita a Miss Simpatia do Torneio. Bem-humorada, ela fez questão de repetir o chavão de que “ganhar não é importante”. “Até porque eu não ganhei, né?”, diz ela, entre risadas contagiantes.

Karina e as outras 29 candidatas perderam o prêmio principal para Mayara Cristina Gomes da Silva, 24. Mas tiveram outras pequenas conquistas.

A penitenciária feminina de Ribeirão Preto abriga 310 detentas, das quais 80 se inscreveram para participar do desfile. Uma pré-seleção foi feita e 31 foram escolhidas. A estrutura de suporte ao concurso – prêmios, equipamento de som, palco, roupas e produtos de beleza - foi obtida a partir de parcerias da penitenciária com a sociedade civil.

Por mais de dois meses, as presas se prepararam até a chegada do grande dia. “A gente cuidava dos cabelos, passava creme, cuidava da pele. O assunto era o concurso”, conta a detenta Maria Carolina Callegari, 23, presa por tráfico de drogas há três anos. Ela, que também desfilou, tem mais 11 anos a cumprir antes de deixar a cadeia.

A organização do evento ficou a cargo da CRC Modelos, e voluntários da Igreja Universal do Reino de Deus se responsabilizaram por conseguir os produtos e arrumarem as presas. No total, o investimento ficou na casa dos R$ 5.000.  “Nosso trabalho é dar as condições para que elas possam ter esse dia especial. Ficamos muito orgulhosos de participar”, conta o pastor Pedro Paulo, responsável local pela Universal dos Presídios.

A diretora da cadeia, Juliana Preti Santiago, aprovou a ação. “Desde que anunciamos o concurso, não tivemos ocorrências significativas. O comportamento melhorou e a autoestima delas também”, conta.

A vencedora

Dona de olhos verdes cativantes e muita espontaneidade ao falar, a presa mais bela, Mayara Cristina Gomes da Silva, conta que seguiu uma rotina rígida de treinamento. “Depois que me inscrevi, malhei todos os dias, depois de terminado o serviço do presídio”, conta ela, que está presa há dois anos e nove meses e tem mais nove anos a cumprir.

Como a grande maioria das mulheres presas, foi condenada por tráfico de drogas. “Quando a casa caiu, eu estava com mais gente. Não tem o que dizer, eu sou culpada mesmo”, conta.

Mayara Cristina Gomes da Silva (c) recebe prêmio de rainha da beleza em concurso promovido na Penitenciária Feminina de Vila Branca, em Ribeirão Preto (SP) - Caio Daniel/Divulgação/SAP - Caio Daniel/Divulgação/SAP
Mayara Cristina Gomes da Silva (c) recebe prêmio de rainha da beleza
Imagem: Caio Daniel/Divulgação/SAP

Extrovertida, não hesita em falar sobre a dificuldade de pensar em beleza atrás das grades. “Senhor, aqui [a beleza] não conta nada. A maior parte das meninas esquece a vaidade. Mas eu sempre me cuido, tenho meus truques”, conta ela. “E, além disso, a água fria faz bem para o cabelo. Olha como está bonito”, brinca, mostrando os cabelos castanhos e lisos, que conserva em um corte pouco acima da cintura.

Ela afirma que o concurso foi fundamental para que ela vislumbrasse possibilidades fora da cadeia. “Eu não penso em desfilar, em ser modelo, em nada disso. Na cadeia, descobri que quero ser enfermeira. Tive a chance de dividir as celas pelas quais passei com muitas mulheres mais velhas, que precisaram de cuidados”, conta.

Tráfico no passado

A reportagem do UOL conversou com dez presas que participaram do concurso. As perguntas feitas tiveram as mais variadas respostas. São mulheres vindas de várias cidades, de raças diferentes, com diferentes níveis de instrução e sonhos de vida. Mas um ponto unia todas: o motivo por estarem na cadeia era o tráfico de drogas.

Concurso de beleza na Penitenciária Feminina de Vila Branca, em Ribeirão Preto (SP) - Eduardo Schiavoni/UOL - Eduardo Schiavoni/UOL
Imagem: Eduardo Schiavoni/UOL

Dentre elas, oito acabaram atrás das grades por conta dos parceiros. “O que mais tem aqui é tráfico. Especialmente as meninas que são levadas ao crime pelos parceiros”, conta a diretora Juliana.

Presa há seis meses e condenada a cinco anos, Stella de Freitas Camilo Alves, 29, é uma das que personalizam esse perfil. Ela foi escolhida como princesa no concurso, mas não pretende seguir carreira quando sair. Ela conta que, ao ser presa, tomou a decisão de voltar a estudar e que não cogita a possibilidade de voltar a traficar.

Cursando o primeiro ano do Ensino Médio, ela quer se formar e, quem sabe, fazer faculdade. “Eu sou costureira, tenho minha profissão, mas também quero estudar. Só preciso decidir o que”, diz ela, momentos antes de deixar o salão e se preparar para o desfile.

A diretora Juliana, por sua vez, espera que a possibilidade de terem um dia especial e vislumbrarem possibilidades fora da cadeia modifique a vida dessas mulheres. “Sabemos que é complicado, mas essa recuperação de autoestima tem um papel fundamental e pode mudar vidas. Tomara que isso efetivamente ocorra quando elas deixarem o sistema prisional”, finaliza.