Morte de mulheres é "verdadeira derrota" para o Brasil, diz ONG Human Rights Watch
Leis específicas de combate à violência contra a mulher, no Brasil, ainda não representam garantia de punição aos agressores, tampouco de políticas públicas efetivas e preventivas quanto a esses casos na área de segurança. A avaliação é de representantes da ONG Human Rights Watch no Brasil e foi feita nesta quinta-feira (18), em São Paulo, durante apresentação do relatório anual da entidade --uma das principais vozes na defesa dos direitos humanos no mundo.
No caso do Brasil, o documento apontou que casos crônicos de violações aos direitos humanos persistem. A violência contra a mulher, ao lado da ação violenta das polícias e da situação nos presídios, são exemplos de destaque.
O pesquisador sênior da entidade no Brasil, César Muñoz, coordenador do relatório, considerou que ainda são altos os números que revelam mortes de brasileiras em razão do gênero. Só em 2016, por exemplo, ano-base para o levantamento, mais de 4.600 mulheres foram assassinadas no país por razões atreladas à própria condição de serem mulheres, sobretudo em casos de violência doméstica.
Desse total, destacou o relatório, o Ministério Público apresentou denúncia em ao menos 2.904 casos – alguns Estados não disponibilizaram ou forneceram dados parciais –de suposto feminicídio. Definido por lei desde 2015, o feminicídio é agravante do homicídio ao considerar que a vítima foi morta "por razões da condição de sexo feminino".
“A morte de tantas mulheres é uma verdadeira derrota para o Brasil, uma vez que grande parte desses casos poderia ter sido prevenida. São revoltantes esses números”, considerou o pesquisador.
Leis positivas, ações insuficientes
Além da lei do feminicídio, Muñoz citou como resposta positiva do Estado brasileiro no combate à violência de gênero a lei Maria da Pena, com foco na violência doméstica e prestes a completar 12 anos. Mesmo assim, ressalvou o pesquisador, dispositivos da Maria da Penha ainda carecem de implementação ou de efetividade na aplicação.
“Nossa pesquisa identificou deficiências na investigação desses casos de violência doméstica e de feminicídio, crime este que é decorrente de anos seguidos de prática violenta com a qual o Estado brasileiro não parece ainda estar preparado para lidar”, declarou Muñoz.
Como exemplos, o pesquisador citou as delegacias especializadas da mulher insuficientes de recursos e com uma operação que, não raro, prejudica as denúncias, uma vez que as unidades fecham durante a noite e aos finais de semana e ainda se concentram em capitais e grandes cidades.
"Política de segurança não é feminina", lamenta diretora
“Os resultados do nosso relatório demonstram que a violência contra a mulher persiste como um problema muito sério. Acho que houve um compromisso do Estado brasileiro por meio de edição das duas leis, no entanto, a política pública de segurança não é feminina, porque não leva a questão de gênero como um de seus temas centrais, como deveria”, classificou a diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Canineu.
Para a a diretora, o número de mulheres mortas em razão do gênero “é muito relevante” e precisa ser analisado fora do contexto geral de homicídios. “São coisas diferentes, uma vez que, no crime de homicídio, em geral, não tem a identificação imediata do autor, como ocorre, com mais frequência, no feminicídio. Tem-se essa possiblidade de investigação, tem-se o compromisso institucional, mas as políticas públicas ainda não foram desenvolvidas a ter a questão gênero como central na punição a essa violência”, argumentou.
Indagada sobre o senso comum que considera, não raro, que, se há lei específica para assassinatos de mulheres, deveria haver também para o de homens, Maria Laura define: desnaturalizar esse tipo de pensamento depende de o Estado se comprometer a fazer campanhas de prevenção a esses crimes e, por meio de dados, educar.
“A ignorância em relação à existência desses dados tão graves reforça que a lei Maria da Penha não foi cumprida em uma questão fundamental: a educação. É preciso que educação em gênero seja incluída nos currículos escolares”, defendeu a diretora. “A criança e o adolescente de hoje precisam estar preparados para entender direitos fundamentais e, com isso, se tornarem adultos capazes de compreender que feminicídio é uma questão central e multiprejudicial à grande parte da população brasileira, que é a feminina”, concluiu.
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