PM paulista "empresta" 1.195 homens para fazer segurança de autoridades e prédios públicos
Ao todo, a PM (Polícia Militar) de São Paulo tem 1.195 agentes retirados de batalhões para atuar na segurança de autoridades e prédios públicos em dez órgãos estaduais e municipais. Entre os locais que recebem o policiamento estão a prefeitura, a Câmara Municipal de São Paulo, o Tribunal de Justiça e o Palácio do Governo.
Em decreto assinado em novembro, foram emprestados pelo governo do Estado à Prefeitura de São Paulo 38 PMs. Desse total, quatro policiais ficarão responsáveis para escoltar o último ex-prefeito e seus familiares por um ano após a saída da prefeitura, segundo decreto publicado pelo prefeito João Doria (PSDB) no início deste mês.
Ao todo, a prefeitura tem à disposição, hoje, um coronel, um major, quatro capitães e 32 praças (cinco subtenentes ou sargento; e 27 cabos ou soldados).
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que não vai se manifestar sobre a decisão de Doria, mas que não haverá “em hipótese alguma” aumento no número de policiais cedidos para a prefeitura, “devendo aquela unidade da PM, no exercício da sua autonomia de distribuição de seus quadros, realizar todas as suas tarefas”.
Doria é um dos pré-candidatos tucanos ao governo do Estado. Caso ele seja o escolhido do PSDB para a disputa, será beneficiado a partir do mês que vem com a escolta de PMs durante a campanha eleitoral. Doria afirmou que vai devolver aos cofres públicos o dinheiro que será gasto em sua escolta pessoal quando deixar a prefeitura, sem sinalizar quando isso acontecerá.
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Os 1.195 policiais representam 1,2% do total de 93.802 PMs que atuam administrativamente e nas ruas do Estado de São Paulo. No entanto, o número de policiais emprestados para esses órgãos é maior do que a tropa de elite da corporação, por exemplo. A Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) conta com cerca de 700 homens, em serviços de rua e operacionais.
Juíza vê indício de desvio de função
Para a juíza Ivana David, da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), é possível avaliar que há pelo menos "o início de um desvio de função ou desvio de finalidade" com o decreto publicado pelo prefeito.
"A PM é do governador. Então, a lei autoriza o governador a fazer esses empréstimos para a prefeitura e outros órgãos. O prefeito não pode pegar os PMs que estão lá para cuidar do patrimônio da cidade e fazer uso pessoal", disse.
No TJ-SP, onde Ivana trabalha, há 294 policiais militares na mesma condição, sendo 11 oficiais e 283 praças. Mas a juíza diz que, caso ela utilizasse os PMs para escolta pessoal, isso configuraria improbidade administrativa.
"É como se eu, juíza, pudesse pegar dois PMs do TJ para fazerem a minha escolta pessoal. Juiz não tem escolta pessoal. Só quando ameaçado e provado que está ameaçado. E ainda pelo tempo da ameaça. Depois, não fica com escolta pessoal", argumentou a magistrada.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública também afirmou que os policiais deslocados para órgãos públicos exercem “atividades de interesse da manutenção da ordem pública, cabendo salientar que a maior delas, a do Tribunal de Justiça, é a responsável pela escolta interna de presos nos Fóruns, inclusive no maior deles, o Complexo Judiciário da Barra Funda”.
"População teria mais benefício com esses PMs na rua"
Para o professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rafael Alcadipani, que pesquisa a atuação das polícias paulistas, a população teria benefício maior se esses PMs estivessem na rua.
"Isso mostra a ponta do iceberg de uma relação nada republicana que os políticos e as autoridades constituem com as polícias que, no limite, acaba por fazer com que as polícias trabalhem para a autoridade de plantão e deixem a população de lado", diz Alcadipani.
O especialista citou o decreto de Doria como uma "medida descabida" e afirma que ela ocorreu em um "momento péssimo". "Não existe precedente no mundo, que eu saiba, em cidades sérias, em que um ex-prefeito tem esse tipo de segurança pago pelo Estado. Não faz sentido retirar polícia da rua para proteger autoridade", afirma o professor.
A diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) Samira Bueno acredita que o decreto tem como interesse beneficiar "o empresário Doria, não o prefeito Doria". Ainda, segundo ela, a segurança de um ex-chefe do executivo municipal deveria ser tratada pela GCM (Guarda Civil Metropolitana).
"Me parece que a necessidade de segurança diz mais respeito à vida dele de empresário e ao patrimônio que ele tem. O cobertor da PM é muito curto. Você já tem um número expressivo de policiais que ficam emprestados a órgãos municipais e do governo do Estado", analisou.
Samira comparou a obrigatoriedade de escolta de PMs a ex-prefeito a outras leis em vigor. Para ex-presidentes, o benefício é vitalício, enquanto para governadores vale por quatro anos após a saída do cargo. No âmbito estadual e federal, a proteção é individual.
"Mais grave do que reivindicar para si, como futuro ex-prefeito, a segurança particular sendo provisionada pelos cofres públicos, é que o benefício se estende à família dele. Me parece estranho que outros prefeitos não tenham reivindicado e que Doria se coloque agora como precisado de uma medida como essa", afirmou Samira.
"Para que futuros prefeitos não tenham medo de agir"
Doria, que declarou ter patrimônio de R$ 180 milhões na eleições de 2016, se negou, na última terça-feira (6), a responder perguntas feitas sobre o tema durante um evento público. Pelo menos duas ações já questionam o decreto na Justiça. Na manhã desta quarta-feira (7), ele publicou um vídeo em sua conta no Twitter em que diz que recebeu ameaças.
O prefeito disse que devolverá os recursos aos cofres públicos, como já faz com seu salário. Além disso, o prefeito disse ainda que ajudou a prender traficantes na sua gestão e que recebeu "várias ameaças". Ele afirmou que o decreto é importante para que os próximos prefeitos da capital tenham coragem de combater a criminalidade.
Segundo o secretário municipal Julio Semeghini (Governo), o decreto foi uma recomendação da PM e teve o aval da Procuradoria do Município. No entanto, a PM negou que tenha feito a recomendação.
Em nota, a prefeitura afirmou que o decreto municipal segue os decretos das esferas federal e estadual.
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