Após prisão de bispo, papa Francisco nomeia interventor para diocese de Formosa (GO)
Após a prisão do bispo de Formosa (GO), José Ronaldo Ribeiro, suspeito de desviar recursos e bens da Igreja Católica, o papa Francisco nomeou nesta quarta-feira (21) um interventor para a diocese formada por 33 igrejas distribuídas em 20 paróquias.
"A Nunciatura Apostólica no Brasil comunicou na manhã desta quarta-feira [21] que o papa Francisco nomeou o arcebispo de Uberaba [MG], dom Paulo Mendes Peixoto, Administrador Apostólico, [com] sede plena da diocese de Formosa [GO]", informou a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil).
Na prática, o bispo foi afastado de suas funções. "Essa decisão significa que o papa Francisco nomeou um interventor e afastou dom José Ronaldo de seu bispado. Ele perdeu, inclusive, o direito de residência oficial. Agora para todos os fins quem responde pela diocese de Formosa é dom Paulo", afirmou o promotor de Justiça Douglas Chegury, responsável pela Operação Caifás, que levou dom José Ronaldo à prisão temporária.
Operação Caifás
O bispo de Formosa (GO), o vigário-geral e outros quatro padres foram presos na segunda-feira (19) suspeitos de desvio anual de R$ 1 milhão da diocese do interior de Goiás, aponta investigação do MP (Ministério Público) do Estado. Considerando os anos de 2016 e 2017, os desvios podem ter chegado a R$ 2 milhões.
Parte do dinheiro foi usada, segundo a investigação, na compra de uma fazenda de gado e uma casa lotérica na cidade de Posse, também no interior de Goiás. As propriedades foram colocadas em nomes de "laranjas". Os investigados são suspeitos dos crimes de associação criminosa, apropriação indébita e falsidade ideológica.
Policiais civis cumpriram 13 mandados de prisão e dez de busca e apreensão nas cidades de Formosa, Posse e Planaltina. Entre os locais de busca encontra-se um mosteiro, além das casas dos suspeitos. Segundo o Evangelho, Caifás --nome dado à operação-- foi o sacerdote que entregou Jesus Cristo a Pôncio Pilatos.
Polícia acha dinheiro escondido em guarda-roupa de vigário
Ao cumprirem um dos mandados de busca e apreensão, policiais civis encontraram R$ 95 mil escondidos sob o fundo falso do guarda-roupa do monsenhor Epitácio Cardozo Pereira, em sua casa na cidade de Planaltina (GO). Pereira, que está entre os presos, é vigário-geral de Formosa (GO), cargo que corresponde ao segundo na hierarquia da diocese. No total, a polícia apreendeu R$ 135 mil, considerando também os valores encontrados nas casas de outros investigados.
Ao ser confrontado pelos agentes, o vigário-geral negou que o dinheiro pertencesse a ele. "Esse dinheiro não é meu, é da diocese." As notas estavam acondicionadas em plástico. Policiais também encontraram uma caixa aberta com cédulas e moedas. "Esse é o dinheiro da coleta", afirmou o vigário-geral.
Também foram apreendidos aparelhos eletrônicos, notas promissórias e documentos contábeis da diocese. Contas bancárias dos suspeitos foram bloqueadas por decisão da Justiça goiana.
Investigação começou com denúncias de fiéis
A investigação foi iniciada em 2015 pelo MP-GO a pedido de 30 "leigos católicos apostólicos" que denunciaram irregularidades e uso indevido de bens da Igreja Católica por parte da direção da Cúria Diocesana de Formosa.
"A região da diocese engloba 33 igrejas em 20 paróquias. Por ano, são arrecadados cerca de R$ 17 milhões por meio de dízimos, doações e faturamento de festas realizadas por fiéis, além de taxas aplicadas para cerimônias de batismo e casamento", informou Chegury.
"Deste total, cerca de 10% era repassado à Cúria Diocesana, o órgão máximo da diocese. A investigação descobriu que parte desse dinheiro era desviado pelo bispo e outros padres em benefício próprio", diz o promotor.
A apuração descobriu, por meio quebra de sigilos telefônicos e bancários dos investigados, que somente um dos padres tinha saldo de R$ 400 mil em sua conta bancária. "Carros da arquidiocese também eram desviados em proveito próprio dos investigados", afirma Chegury.
Bispo negou irregularidades
Estão presos, além do bispo e do vigário-geral, os padres Moacyr Santana, Mário Vieira de Brito e Waldson José de Melo.
"De modo mais incisivo, são inúmeros os diálogos transcritos a partir das interceptações telefônicas que apontam a possibilidade de que os clérigos José Ronaldo, Epitácio, Moacyr, Mário e Waldson estejam a desviar vultuosas quantias que podem ter servido para aquisição de uma propriedade rural no município de Posse com criação de gado e de uma casa lotérica [também em Pose], além de pagamento de despesas de cunho exclusivamente pessoal do bispo arcadas pela instituição", afirma o juiz da 2ª Vara Criminal de Formosa, Fernando Oliveira Samuel, em sua decisão que decreta a prisão temporária dos investigados. De acordo com a legislação, a prisão temporária vale por cinco dias.
Quando vieram a público as denúncias dos fiéis, o bispo José Ronaldo Ribeiro negou que tivesse cometido irregularidades.
"Não tem nada de impropriedade. Não toco nos repasses financeiros das paróquias que são destinados à manutenção das necessidades da diocese, casa do clero, seminário, estrutura da cúria e funcionários, por exemplo”, disse o bispo.
O advogado da diocese de Formosa, Edimundo da Silva Borges Júnior, afirmou que não havia tido acesso aos autos do inquérito. Por essa razão, não comentou as suspeitas que recaem sobre a cúpula da diocese. Ele também figura entre os investigados da operação.
Pressão sobre testemunhas
Quando as denúncias dos fiéis vieram à tona, o bispo Ribeiro convocou um padre de sua confiança, que tinha as funções de juiz eclesiástico, com o objetivo de intimidar testemunhas, afirma o MP-GO.
"Esse juiz eclesiástico pressionou os padres para que nada fosse relevado e eles jurassem fidelidade ao padre. O bispo e o juiz eclesiástico, com a ajuda de um advogado, elaboraram um relatório falso no qual se afirma que as despesas da arquidiocese eram menores do que de fato são", diz o promotor Chegury.
O esquema contava ainda com a ajuda de funcionários da arquidiocese que providenciavam falsa documentação para dar respaldo aos desvios.
"Consta que Darcivan da Conceição, em declarações dele próprio aos promotores de Justiça, seria o contador da Cúria e conhece os problemas ligados à regularidade dessas finanças e, mesmo tendo a plena ciência de incoerências, aprovava essas contas anualmente", afirma o juiz Samuel.
"Nelas [as contas], Darcivan disse por várias vezes que o resultado contábil alcançava saldo positivo --ou seja, os documentos apontavam sobras de recursos na Cúria e em algumas paróquias--, mas que os responsáveis diziam não ter esse valor [estaria zerado]. Então, ele providenciava a documentação necessária para dar respaldo nas finanças [por meio de "declaração"], mesmo ciente de que formalmente não era esta a realidade contábil", acrescenta o magistrado.
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