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Um mês sem Marielle: investigação está demorando? O que se sabe sobre o assassinato?

O deputado Marcelo Freixo disse que a repercussão do assassinato foi mundial - Taís Vilela/UOL - Taís Vilela/UOL
O deputado Marcelo Freixo disse que a repercussão do assassinato foi mundial
Imagem: Taís Vilela/UOL

Hanrrikson de Andrade, Luis Kawaguti e Marina Lang

Do UOL e colaboração para o UOL, no Rio

14/04/2018 04h00

Um mês após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) em uma emboscada no centro do Rio de Janeiro, a Polícia Civil não prendeu suspeitos nem divulgou evidências reunidas durante a investigação do crime, que corre sob sigilo. A principal linha de investigação é que a morte da vereadora foi motivada por sua atuação política.

Várias manifestações foram convocadas para este sábado em homenagem a Marielle e ao motorista Anderson Gomes, morto a tiros junto com a vereadora. A Anistia Internacional aproveitou a data para afirmar que "as autoridades devem priorizar a resolução" do caso.

A Polícia Civil argumenta que o sigilo é fundamental para o bom andamento da investigação e compara o trabalho a outros casos complexos, como os assassinatos da juíza Patrícia Acioli, em 2011, e do pedreiro Amarildo Dias de Souza, em 2013 - que demoraram cerca de dois meses para serem finalizados.

O UOL ouviu especialistas e políticos e preparou uma lista do que se sabe sobre o crime até agora:

Quem matou Marielle e Anderson, e por quê?

Até agora, não se apontou nenhuma identidade dos assassinos ou do mandante do crime. A única circunstância que foi esclarecida é que se trata de um crime político. Marielle exercia uma atuação contundente na Câmara e nas ruas ao denunciar abusos de policiais e lutar contra o racismo e pelos direitos das mulheres.

De acordo com o secretário de Estado de Segurança Pública, general Richard Nunes, foram descartadas possíveis motivações pessoais ou uma suposta retaliação de funcionários do gabinete de Marielle. "O que eu posso dizer é que as investigações avançam permanentemente", disse em entrevista exclusiva ao UOL, publicada na última segunda-feira (9).

Nos bastidores da polícia, uma das linhas de apuração é o possível envolvimento de milicianos, que são membros de organizações paramilitares formadas por ex-policiais e criminosos que controlam favelas do Rio vendendo "proteção" ao estilo da máfia e cobrando por serviços como TV a cabo, transporte e gás.

A Câmara de Vereadores também está sendo investigada. Outras hipóteses já levantadas foram a suposta participação de policiais militares e a possibilidade de o crime ter sido uma "resposta" à intervenção federal no Estado.

Rosto da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada no dia 14 de março, estampa lambe-lambe na rua da Consolação, centro de São Paulo. O crime ainda não foi solucionado - Cris Faga/Fox Press Photo/Estadão Conteúdo - Cris Faga/Fox Press Photo/Estadão Conteúdo
Rosto da vereadora Marielle Franco estampa lambe-lambe na rua da Consolação, centro de São Paulo.
Imagem: Cris Faga/Fox Press Photo/Estadão Conteúdo

Quais são as provas ou principais indícios?

A polícia obteve imagens das câmeras de segurança que mostram Marielle sendo vigiada por um carro Cobalt prata enquanto participava do evento “Jovens Negras Movendo Estruturas” na Casa das Pretas, na Lapa, na região central do Rio.

Os executores do crime não saíram do carro e utilizaram películas escuras nos vidros, o que indica que os assassinos tinham conhecimento de que havia câmeras de segurança na região.

Em seguida, o carro de Marielle foi perseguido pelo Cobalt prata. Quem deu os tiros, de acordo com relatos colhidos pelo jornal O Globo, foi um homem que estava no banco de trás do veículo perseguidor. Uma testemunha disse que viu o braço do atirador para fora do carro, e declarou que ele era negro.

Ainda de acordo com as testemunhas, a rajada da pistola de cano longo foi abafada --o que indica o possível uso de um silenciador. Foram 13 tiros disparados, quatro dos quais atingiram a cabeça de Marielle.

Cápsulas de pistola calibre 9mm foram deixadas para trás pelos assassinos, algumas delas do lote UZZ 18, extraviado da Polícia Federal e relacionado a outros crimes, como a maior chacina de São Paulo, onde 23 pessoas foram mortas por policiais militares e um guarda civil. 

Quantas pessoas foram ouvidas?

O caso está sob sigilo absoluto, mas, de acordo com correligionários de Marielle, em média seis a sete pessoas têm prestado depoimento na polícia diariamente. Por essa estimativa não confirmada pela polícia, mais de cem pessoas podem ter sido ouvidas. Ao menos oito equipes da Polícia Civil estariam concentradas no caso.

Vereadores também estiveram na delegacia para prestar depoimento: Renato Cinco, Leonel Brizola Neto e Babá, todos do PSOL; Italo Ciba (Avante); Zico Bacana e Marcello Siciliano, do PHS; e Jair da Mendes Gomes (PMN). Os parlamentares Jones Moura (PSD) e a Val Ceasa (PEN) são aguardados.

Qual o prazo de encerramento das investigações?

Não existe prazo delimitado para conclusão das investigações. Estabelecê-lo, inclusive, poderia prejudicar o andamento do inquérito ou mesmo frustrar a sociedade em relação à resolução do assassinato, segundo fontes da Polícia Civil relataram à reportagem.

Duas fontes disseram ao UOL que os assassinatos de Marielle e Anderson são o caso mais complexo da história da polícia fluminense. A premeditação do crime e o profissionalismo dos executores são fatores que sustentam essa percepção. O inquérito já possui ao menos 300 páginas.

A impressão é compartilhada pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), padrinho político de Marielle.

“A complexidade do caso é tamanha que ele não vai ser solucionado em menos de 60 dias. Não é o tempo da nossa angústia. Estou em contato permanente com os delegados, sabemos que está avançando. Defendo que o caso não deve sair da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil”, declarou ao UOL.

Para Orlando Zaccone, delegado da Polícia Civil que recentemente anunciou candidatura a deputado estadual pelo mesmo partido de Marielle, um mês é pouco tempo para uma investigação dessa magnitude. “A sofisticação na investigação [deste caso], em termos humanos e tecnológicos, é muito maior do que a média”, opina.

Em média, quanto tempo a polícia do Rio demora para esclarecer um crime?

Outros crimes que ficaram famosos e concentraram esforços da Polícia Civil do Rio levaram mais tempo para ser solucionados que os 30 dias de investigação já decorridos desde a morte de Marielle.

A investigação do assassinato da juíza Patrícia Acioli por um grupo de policiais militares corruptos que ela julgava, em 2011, levou quase 50 dias para ser concluída.

Em 2013, o caso Amarildo Dias de Souza, o pedreiro desaparecido na favela da Rocinha cuja morte deflagrou protestos em todo o Brasil, também levou pouco menos de 60 dias para ser concluído.

Apesar das comparações, não é possível elaborar uma média de tempo “razoável” para a solução de um assassinato, segundo policiais ouvidos anonimamente pela reportagem. “Cada crime tem seu próprio tempo de resolução”, afirmou uma fonte especialista em investigações de assassinatos de autoria desconhecida.

"Dentro de uma média histórica, o tempo decorrido do crime até agora, aquilo que foi feito em termos de verificação, corresponde perfeitamente ao que foi feito em outros que foram elucidados anteriormente", afirmou o secretário da Segurança Pública, Richard Nunes.

Quais as consequências políticas?

Embora o inquérito corra dentro do tempo de normalidade, Jacqueline Muniz, professora do Departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) e membro do Fórum Nacional de Segurança Pública, não poupa críticas à intervenção federal, decretada pelo presidente Michel Temer em março.

“A dificuldade de apresentar a elucidação do caso após 30 dias demonstra que a intervenção federal pouco contribuiu de modo a possibilitar o avanço das investigações em menos tempo, a despeito da promessa de que se ia colocar os meios de inteligência e de informação das Forças Armadas a serviço da segurança”, declarou.

Militares ligados à intervenção disseram ao UOL que o caso é bastante grave e sensível, tanto pelo aspecto político como midiático. Sua solução pode ajudar na melhoria da sensação geral de segurança no Estado e mostrar aos criminosos que eles serão responsabilizados por seus atos, dois dos objetivos do Exército e do governo federal.

Na esfera política municipal, o vereador Tarcísio Motta (PSOL) disse que o crime gera insegurança entre os parlamentares. Segundo ele, medidas foram tomadas para preservar os vereadores do partido após o assassinato – sem detalhar, contudo, quais foram elas por questões de segurança.

Para Freixo, os assassinatos de Marielle e Anderson trazem à tona um debate institucional. “Quem sai ameaçada é a democracia brasileira. O Brasil não pode se situar como México ou Colômbia [pela questão de assassinatos políticos]. Não é problema do PSOL ou da esquerda, é um problema de quem quer viver numa democracia”, afirmou.