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Facções têm elementos no poder, diz novo chefe de grupo do MP contra organizações criminosas

Procurador-geral do MP-AL é novo líder de grupo de combate a organizações criminosas - MP-AL
Procurador-geral do MP-AL é novo líder de grupo de combate a organizações criminosas Imagem: MP-AL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

05/09/2018 11h31

O Brasil demorou a agir, viu a tragédia se instalar e agora encara o problema das facções criminosas. A opinião é do novo presidente do GNCOC (Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas), Alfredo Gaspar de Mendonça. Para ele, não há dúvidas de que a inércia do Estado fez com que esses grupos se infiltrassem no poder "em todos os locais" e dominassem presídios e comunidades pobres.

Alfredo Gaspar é procurador-geral do Ministério Público de Alagoas, onde também foi secretário de Segurança Pública e ajudou a reduzir os homicídios do estado entre 2015 e 2016. Em entrevista ao UOL, no dia de sua posse como presidente do GNCOC -- na última quinta (30) --, Gaspar afirmou que o controle das facções passa pela retomada dos presídios pelo Estado, pela oferta de políticas públicas de oportunidade nas comunidades pobres e em leis mais duras. "A nossa legislação tem de tratar as exceções como exceções", pontua.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor assume uma função que deve ter como foco combater as facções criminosas. Como o Brasil pode agir para resolver esse problema?

Nós não podemos fugir da realidade. Temos uma população carcerária acima de 700 mil presos, e o Estado não consegue dar regramento a essas pessoas dentro do sistema. Então, esses presos, muitas vezes, dependem das facções para permanecer vivos, para ajudar a família, para contratar advogados.

Diante dessa ausência do Estado, criamos essas facções indiretamente, colocando as pessoas no sistema prisional e não dando continuidade a todas as outras necessidades delas dentro do sistema.

O certo é que o Rio de Janeiro é um exemplo gravíssimo. O Ceará também está mostrando isso. O Acre está com esse problema. E vários outros têm sofrido as consequências diretas das facções criminosas. Esse tipo de criminalidade que faz a cooptação do jovem com baixa escolaridade, que geralmente está nas periferias, e que têm a facção como instrumento de poder --porque se sente parte de uma estrutura que impõe terror e medo.

Como a instituição Ministério Público (MP) pode atuar?

O GNCOC já tem uma temática de estudo sobre isso há muito tempo, já vem desmanchando, denunciando e dando caminhos para que as facções criminosas não fiquem mais fortes do que já são e, ao mesmo tempo, para que elas percam a força perante a sociedade.

O Estado precisa ter uma estrutura mais forte para efetivar a punição, ao mesmo tempo em que o Estado tem de ser mais inteligente e não permitir que essas facções se fortaleçam diante da inércia do próprio órgão estatal. E como o Estado pode prever isso? Com a união de forças.

Presídios pelo Brasil - Luiz Silveira/Agência CNJ - Luiz Silveira/Agência CNJ
Facções brigam por rotas de tráfico de drogas e pelo domínio dos presídios
Imagem: Luiz Silveira/Agência CNJ

PCC e CV são exemplos de como houve esse domínio pelo país. Essa nacionalização torna o problema mais difícil que grupos locais?

Tive a oportunidade de combater facções, e sei que o grau de comunicação do sistema penitenciário para fora permite essa expansividade. São telefonemas, conferências, ordens. Um sistema sem regra é fadado ao insucesso, deixando a capilarização dessa forma.

Essas facções (PCC e CV) cresceram, fruto da inércia do Estado, dentro do sistema prisional.

Com essa realidade, que ninguém aguenta mais, somente agora estamos fazendo um plano unificado da segurança pública --que o Brasil nunca teve. Imagine chegar a mais de 60 mil assassinatos por ano e não ter um plano nacional? O Brasil deixou a tragédia se instalar para correr atrás do prejuízo. É fácil você identificar os cabeças? É! O Brasil já tem isso mapeado.

Agora, você veja: um cabeça desse, que tem centenas de crimes, que todo dia continua mandando praticar crimes... O sistema criminal brasileiro é ineficiente e carente de uma regulação legal forte para retirar do convívio social definitivamente, e assim impedir a comunicação desse tipo de pessoa.

Você vê Marcola, Beira-Mar e companhia deveriam estar definitivamente isolados de um convívio social. Essas pessoas não têm mais recuperação. O peso do Estado na punição legal dever ser sentido diante de regramentos fortes e concretos.

Muitos juristas falam que o problema não é lei, mas sim fazer cumprir a que já existe. O senhor não concorda?

Claro que não, até porque a nossa lei é muito branda. Você veja aí um criminoso de alta periculosidade, que causa a destruição de famílias em massa, que comanda organizações criminosas e provoca verdadeiras tragédias. A nossa legislação não permite um isolamento perpétuo e contínuo, que permaneça mais de 30 anos preso. A nossa legislação tem de tratar as exceções como exceções. O Brasil avançou no arcabouço jurídico de combate a organizações criminosas, mas temos que tratar os grandes líderes com uma legislação mais dura.

E como há essa comunicação entre Estados?

Fazem conferência diariamente, se comunicam simultaneamente, de forma hierárquica. Isso é uma realidade que precisa definitivamente ser enfrentada.

O que o senhor recomenda ao próximo presidente contra essas facções?

Preocupo-me quando vejo as propostas nos debates, e não vi nenhuma concreta para o enfrentamento das organizações criminosas em todas as suas vertentes.

O que o Brasil precisa é dar continuidade ao que está sendo feito de maneira correta, e corrigir os rumos daquilo que não foi devidamente pensado. O que não se pode é, a cada quatro anos, ter uma nova metodologia de combate a organização criminosa e uma nova forma de pensar.

Política de segurança pública exige manutenção, é política de Estado. De uma coisa, tenho certeza: sem a participação efetiva do MP, do Poder Judiciário, sem a união das estruturas de fiscalização e policiais, nós não chegaremos a local nenhum.

O problema é grave! Temos focos dessas facções que já era para o Brasil estar totalmente em alerta, como é o caso do Rio, que tem uma população sitiada. Isso pode tranquilamente se espalhar pelo país.

Já está se espalhando, não?

Acho que pode piorar muito. É por isso que estamos trabalhando conjuntamente em ações eficientes para que o crime organizado não imponha ao país o que impõe, por exemplo, ao México, onde a realidade é de tragédia. E, ali, é um país aqui da América Latina, com muitas particularidades que o Brasil tem.

Não tenho a menor dúvida de que está na hora de o Brasil tratar a segurança pública como prioridade. Isso vai salvar vidas e deixar um recado bem claro a essa facções: com o Estado, o bandido não pode. Não tem como tratar de outra forma.

O Estado não pode negociar com o criminoso, o Estado não pode ceder ao criminoso, e o Estado não pode se conformar com o domínio de áreas do criminoso. O Estado tem de tomar essas áreas, estar presente, e não apenas com a segurança pública, mas com as outras políticas.

Que exemplos o senhor acha que o Brasil pode seguir? A Colômbia teve uma ação interessante nesse sentido, dá pra se espelhar?

O Brasil está situado numa região geográfica que tem uma fronteira gigantesca. A Colômbia, que se pese ter conseguido melhorar seus índices de violência, exporta para nós uma quantidade considerável de entorpecentes. E, infelizmente, isso causa desgraça social na nossa nação.

A cultura da paz, de influenciar no sistema educacional, de acolhimento dessas comunidades carentes, de intervenção nas áreas mais pobres, deu muito certo lá, e levou o Estado a essas comunidades, passando a copiar o traficante. Ou seja, o Estado viu que era o traficante quem dava os benefícios e passou a conceder esses benefícios. Isso funcionou lá, e funcionaria também aqui. Toda vez que o Estado intervir, a segurança será imediatamente beneficiada.

O que não adianta é o Brasil dizer que isso é a fórmula e nunca começar a fazer. O Rio implantou uma fórmula das comunidades pacificadas, mas não entrou com as outras áreas. Aconteceu que, imediatamente, perdeu o controle dessas áreas.

No México, existe um grau de corrupção muito grande da estrutura de punição. O Brasil precisa cuidar de seu mecanismo para evitar agentes infiltrados, como o México tem. Não se pode deixar um espaço territorial dominado por facções, como o México tem, onde eles determinam tudo na região. O México deixou a indústria do tráfico ser uma das maiores e se transformar em conglomerados, que beneficiam determinados elementos e os deixam com muito dinheiro --e, com isso, conseguiram manipular a ação estatal.

O Brasil não está nesse patamar, não tem as facções com o poder que o México tem, mas a gente pode ter o México como espelho para que não seja nosso futuro. O Brasil pode até copiar ações de sucesso, mas precisa também ter sua fórmula.

As fronteiras abertas, como tanto citam, ajudam essas facções?

Ela é muito importante, mas nossa obrigação é não jogar para a plateia. Pelo tamanho da fronteira, pela nossa extensão territorial, pelas dificuldades e particularidades, sabemos que é impossível fazer essa vigilância diuturna. Estamos numa condição geográfica privilegiada para muitos fatores, mas prejudicial em relação a outros.

Estamos na América do Sul, que tem vários países produtores de entorpecentes, e temos uma fronteira seca e marítima gigante. Nós temos que ter mecanismos eficientes entre muros, como nós precisamos pensar de forma globalizada. Nesse momento, estamos precisando olhar para dentro sem perder de vista o que vem de fora.

As facções já estão dentro do poder no Brasil?

Acredito que, por tudo que estamos descobrindo, tudo que estamos passando, por tudo que já está apurado, claro que temos elementos no poder em todos os locais. Isso é uma certeza. Aí, você pergunta: são todos oriundos de facções? Não! As pessoas foram cooptadas por elas. Basta ver a quantidade de advogados presos por se tornarem colaboradores, membros das facções.

Já enraizou pelo poder então?

Eu poderia dizer que é um mal que tem que matar pela raiz, que o Brasil não pode deixar germinar. É um mal que está no começo, e não podemos deixar crescer.

Em relação a integrar a estrutura do poder, eu não tenho a menor dúvida. Falando de facções que nasceram no sistema prisional, não de organizações formadas por políticos. Então, nós temos aqui, ali, um vereador, um político, executivo, que tenha essa ligação. Mas não temos um Brasil dominado politicamente dessa forma, não temos as estruturas de poder dominadas por ela, mas precisamos nos precaver de forma mais concreta.

A operação Echelon apontou em torno de 400 homicídios pelo país mandados pelo PCC. Seriam as facções as maiores responsáveis hoje pelos assassinatos no país?

Não tenho a menor dúvida. Onde a facção bota a mão, quer tomar o poder, quer se estabelecer ou quer dar o recado. Vira uma verdadeira tragédia em termos de número de homicídios.

As facções são perversas, não têm respeito à vida em absolutamente nada. Nós detectamos isso com facilidade. O número de homicídios alarmante do jeito que está é fruto da ausência do Estado e da política das facções em mandar matar.

E como mexer para uma investigação deixar de ser tão ineficaz?

Precisamos de menos burocracia e mais resultado. O Brasil tem 63 mil assassinatos e, desses, quantos saíram com resultado concreto com descoberta de autoria? Você vai descobrir que é uma parcela significativamente menor do que a que aponta.

A investigação precisa desburocratizar, ser mais rápida, precisa de uma legislação mais eficiente. O Código Penal trata da investigação como coisa de antigamente. Isso precisa mudar. A fórmula? O Brasil ainda não descobriu, mas vai ter de encontrar rapidamente. O Congresso tem de enfrentar essa questão.

O Norte e o Nordeste se tornaram os campeões de violência homicida. As facções são responsáveis por isso?

As facções tem uma participação direta nisso, mas o Norte e o Nordeste se tornaram o quintal do crime organizado que veio do Centro-Sul. E, aqui, se encontrou muita gente desempregada, muito jovem sem direção, que viu nas facções uma parcela de poder. A reboque, o Norte e Nordeste foram os maiores depositários do crack. O que o mercado do Centro-Sul não consumia, porque não era bom, mandaram para cá. Ele foi uma mola propulsora.

Foram as facções que trouxeram o crack?

Eu posso dizer que quem levou foi o crime organizado, não só facção A, B ou C. Foi algo que gerou muito lucro, e as facções tiveram uma participação fundamental.

O que o GNCOC e o país podem fazer para resolver esse problema das facções?

O MP já tem uma longa experiência no sistema criminal com a lei, mas participando das ações de combate. Temos um mapeamento das facções no Brasil inteiro, temos uma parceria muito boa com as instituições policiais. O MP tem a responsabilidade de trabalhar conjuntamente para buscar uma legislação mais eficiente, um sistema penitenciário em que o Estado mande, uma uniformização que permita a agilidade, a dispensa de burocracia, e culminar na punição. Todos precisam estar juntos, desde lá da ponta, para produzir resposta para o cidadão.

O cidadão já não aguenta mais! É hora de uma intervenção conjunta. Sabemos o tamanho da tragédia.