Como alertas de frio previram neve em SP e -12ºC no Sul, mas voltaram atrás
A sexta-feira 28 de junho começou com um alerta de reviravolta nas temperaturas: o inverno morno dos primeiros dias da estação daria lugar a temperaturas que colocariam a massa polar entre as mais fortes da história, com temperatura entre -4ºC e -1ºC para a capital paulista e de até -12ºC para as serras gaúchas e catarinenses.
As sugestões eram corroboradas por três dos principais modelos de previsão de tempo: GFS (Global Forecast System), CMS (Canadian Meteorological Center) e ECMWF (European Centre for Medium-Range Weather Forecasts).
Parecia algo monstruoso. Aí continuou grande, mas não tão assustador quanto antes. Agora, o quão impressionante ele será está em aberto.
A onda de frio que começou a entrar no Brasil nesta quarta-feira (3) é um ótimo exemplo de como o trabalho dos meteorologistas pode ser bem mais complicado do que imaginam os leigos.
A massa de ar polar que finalmente traz temperaturas dignas de inverno para boa parte do país começou a "frequentar" os modelos de previsão do tempo ainda em meados de junho. O modelo, na verdade: de início, apenas o americano GFS insistia em um evento significativo para o início do mês seguinte.
Para se ter uma ideia de o que tais projeções significavam, a menor temperatura oficialmente registrada em São Paulo é de -2,1ºC em 2 de agosto de 1955. Depois disto, só chegou perto de negativar em 10 de julho de 1994, quando a estação do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou 0,8°C. Ou seja: existia uma chance de os paulistanos sentirem, no próximo final de semana, o maior frio oficialmente registrado.
E as sugestões de eventos extremos não pararam aí. O CMC veio com temperaturas negativas até para a região de Belo Horizonte e sul de Goiás em rodada de 29 de junho, e as projeções de neve se mostravam mais incríveis a cada rodada. Pelas projeções do fim de semana passado, ela cairia em amplas áreas dos três estados do Sul e, pasmem, até no sul de Minas. E olha que esta previsão específica veio do "conservador" modelo europeu.
No domingo, o site inglês Metcheck, que usa um modelo de previsão própria, chegava a dar chuva misturada à neve para a capital paulista. Algo totalmente fora da curva, mas só de um instituto ter ousado fazer tal previsão já mostrava a força do que estaria a caminho.
Modelo americano mostra primeiro
O GFS e o europeu ECMWF são os dois modelos de previsão do tempo mais usados no mundo. Cada um tem sua maneira própria de calcular o comportamento da atmosfera. Os amantes do frio já teriam bons motivos para acreditar numa bela erupção polar, não fosse por um detalhe: o GFS é como aquele amigo ou parente um tanto volúvel e instável. É bom não acreditar piamente no que ele diz sem que outro o corrobore.
O outro, no caso, era o modelo europeu, que insistia exatamente no oposto: enquanto o GFS congelava o Brasil, o ECMWF mostrava então bloqueio atmosférico e temperatura muito acima da média para quase todo o Centro-Sul brasileiro.
Cada modelo é atualizado algumas vezes ao dia, e seguiram-se várias rodadas sem que se pudesse saber quem venceria a "batalha" das previsões: o instável GFS ou o ECMWF, mais confiável, porém às vezes conservador nas previsões de frio.
A esquizofrenia começou a terminar por volta do dia 26 de junho, quando o modelo europeu finalmente "se rendeu" ao irmão americano e começou a indicar que sim, uma bela massa de ar frio chegaria ao país. Outros modelos, como o canadense CMC, entraram na roda, e rodada após rodada passaram a indicar, juntos, não apenas uma onda de frio: algo potencialmente histórico para a meteorologia brasileira poderia estar prestes a acontecer.
Poderia porque a meteorologia não é uma ciência exata. Claro que cada modelo faz cálculos em busca da previsão mais exata possível, mas ainda não dá para exigir que acertem em 100% o prognóstico. Além disso, há a questão tempo: quanto mais longe da data do evento, menor a confiabilidade.
Modelos "mudam de ideia"
Segunda-feira (1), porém, quando alguns institutos já anunciavam uma onda de frio histórica, a "dança dos modelos" deixou tudo muito confuso. Todos voltaram atrás e passaram a indicar menos frio. O GFS, pioneiro em apontar a incursão polar, revelou toda sua volatilidade: das temperaturas mínimas próximas a zero que em certo momento sugerira para a capital paulista, passou então a projetar até 9ºC pelo site Windy.
De abrangente, a neve no Sul do país passou a se limitar a pequenos trechos de serra. Como o modelo europeu foi menos drástico na diminuição do frio, o resultado foi que, dependendo do site que você acessasse, a temperatura mínima em São Paulo para o próximo sábado (6) poderia ser de 2°C ou de 8°C.
Uma tabela do GFS com gráficos de diferentes projeções de temperatura mínima em Belo Horizonte para o próximo final de semana variava de 1,6°C a 13°C. Ou seja: impossível saber se estávamos diante de um frio histórico ou apenas "comum" para esta época do ano.
Em um fórum da internet dedicado aos amantes do frio, o Brasil Abaixo de Zero, a mudança trouxe tanta frustração que um membro escreveu que temia pelo futuro da poderosa massa polar: caso os modelos continuassem a enfraquecê-la, se transformaria num "peido polar". O termo é usado lá para massas "fraquinhas" de ar frio.
Neve em São Paulo?
Não há registro oficial de neve paulistana. Durante muito tempo, acreditou-se que isso ocorrera em 25 de junho de 1918. Hoje, é consenso que o meteorologista José Nunes Belford Mattos cometeu um engano em suas anotações feitas na avenida Paulista: fazia -3,2°C no momento da suposta neve. A medição não foi confirmada por institutos de meteorologia. Mas o céu estava claro, sem nuvens, e portanto não poderia ter nevado. O que Mattos provavelmente viu foi sublimação do nevoeiro, que passou do estado gasoso direto para o sólido.
Já a possibilidade de neve para a serra da Mantiqueira também pode parecer estapafúrdia, mas não é. No domingo, o site Foreca indicava neve para Campos do Jordão também no sábado (6). Embora raríssimos, há registros do fenômeno na cidade em 1928, 1933, 1942 e 1964.
Uma busca na internet revela tais registros, em fotos e trechos de jornais da época. O mesmo vale para junho de 1985, quando nevou, com grande acumulação, no Parque Nacional do Itatiaia, na divisa de RJ com MG.
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