Brasil copia erros dos EUA no pacote anticrime, diz advogada americana
"Ninguém deve se inspirar em medidas que causaram encarceramento em massa". A opinião é da advogada norte-americana Rebecca Shaeffer, representante para as Américas da ONG Fair Trials, sobre o chamado pacote anticrime defendido pelo ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).
A Fair Trials é uma ONG de origem britânica que trabalha por "julgamentos justos" -- tradução do nome em inglês. E Rebecca, que esteve no Senado brasileiro para audiência sobre um dos itens do pacote, que foi desmembrado no Congresso em seis projetos de lei, avalia que algumas propostas podem reproduzir aqui problemas do Judiciário dos Estados Unidos.
Entre outros pontos, o pacote apresentado por Moro prevê:
- elevar penas no caso de crimes com arma de fogo
- impedir o livramento condicional para integrantes de facções criminosas
- mudar regras para o confisco de produto do crime para que órgãos de segurança pública possam usar bens apreendidos.
- permitir a prisão de condenados em segunda instância --esse item está em debate
Sistema em crise
A advogada classifica de "alarmante" o fato de que o Brasil tenha se "inspirado" no modelo norte-americano de Justiça criminal. "É bem reconhecido nos EUA, em todo o espectro ideológico, que nosso sistema de Justiça criminal está em crise", disse.
Na visão da líder do Fair Trails, em vez de enfrentar os problemas reais de segurança pública no Brasil, as medidas do pacote anticrime aumentam o "antagonismo entre a polícia e as comunidades urbanas", além de "enfraquecer os direitos do indivíduo em conflito com o Estado e minar a transparência e a confiabilidade dos órgãos do estado, incluindo a polícia, promotores públicos e tribunais".
"Esse fenômeno [do encarceramento em massa] é o rosto da desigualdade e do racismo na América e no interior do país. Estamos desesperadamente procurando reformá-lo. Aprenda com os nossos erros, não os repita."
"Não vejo como isso irá resultar em um Brasil mais seguro", afirmou em entrevista ao UOL.
Benefícios para quem confessar crime
Uma das críticas pontuais que Rebecca fez ao conjunto de propostas de Moro é em relação ao chamado plea bargain --uma espécie de acordo com a concessão de alguns benefícios para acusados que confessarem crimes. Em projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, esse trecho foi retirado pelo grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime, mas o tema ainda pode ser incorporado futuramente.
O plea bargain foi inspirado justamente na legislação norte-americana e, na prática, consiste em uma confissão judicial --o acusado aceita formalmente a culpa-- em troca de uma punição menor e sem que o caso seja levado a julgamento. Moro defende que esse instrumento é fundamental para desafogar o Judiciário.
Rebecca afirma que, em vez de seguir o exemplo de alguns países europeus que adotaram legislações eficientes de plea bargain, o Brasil estaria disposto a copiar a abordagem norte-americana típica da costa oeste daquele país --onde 98% dos casos nunca vão a julgamento e muitos inocentes de declaram culpados por temerem sentenças longas.
Lá, de acordo com a advogada, a barganha "facilitou a mais alta taxa de encarceramento do mundo, mais que o dobro da taxa do Brasil". Segundo os dados do Infopen, cuja última atualização é de junho de 2016, a taxa de ocupação nos presídios brasileiros era de 197% --na ocasião, existiam 726.721 detentos no país.
"Da forma como foi redigido, o plea bargain pode levar a um aumento da população carcerária, uma mudança na balança de poder entre promotores e juízes, e sentenças arbitrárias e irregulares para os réus", diz ela.
O pacote anticrime apresentado à Câmara tem três projetos, que modificam 14 leis, entre elas o Código Penal e o Código de Processo Penal. Os textos do Senado, que também tem três projetos, reproduzem o conteúdo original dos projetos enviados à Câmara pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
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