Topo

Cedae engaveta há 10 anos obra que evitaria crise da água no Rio

Foto aérea mostra poluição da água em ponto de captação na ETA do Rio Guandu na Baixada Fluminense - Divulgação/Comitê Guandu
Foto aérea mostra poluição da água em ponto de captação na ETA do Rio Guandu na Baixada Fluminense Imagem: Divulgação/Comitê Guandu

Igor Mello

Do UOL, no Rio

19/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A Cedae tem há dez anos o projeto para uma obra que evitaria a presença massiva de giosmina na água
  • Orçada em R$ 33 milhões, a obra evitaria a chegada de esgoto à lagoa de captação da Cedae
  • Uma empreiteira foi contratada para a obra em 2013, mas a Cedae cancelou o contrato
  • Diariamente, 56 milhões de litros de esgoto são despejados em dois rios afluentes do Guandu na baixada
  • Em 8 meses, esses rios recebem em esgoto o equivalente a 'rompimento de Brumadinho'

A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), empresa pública responsável pelo saneamento básico do Rio de Janeiro, protela desde 2009 a execução de uma obra emergencial que evitaria a crise no abastecimento do Grande Rio.

O projeto, orçado à época em cerca de R$ 33 milhões, reduziria a chegada de esgoto no lago onde ocorre a captação de água na ETA (Estação de Tratamento de Água) Guandu, localizada no rio de mesmo nome, no limite entre os municípios de Nova Iguaçu e Seropédica, na Baixada Fluminense.

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a presença de esgoto nos mananciais que abastecem a estação é a principal causa para a proliferação de cianobactérias responsáveis pela liberação da geosmina —substância que deixa gosto e odor terrosos na água. Atualmente, cerca de 9 milhões de pessoas no Rio e em outras sete cidades da região metropolitana consomem a água produzida pela ETA Guandu.

O projeto, chamado oficialmente de "Obras de proteção da tomada d'água da Cedae no Rio Guandu", foi incluído no Plano Estratégico de Recurso Hídricos das Bacias Hidrográficas dos Rios Guandu, da Guarda e Guandu Mirim, de 2006. Em 2009, foram concluídos os estudos de impacto ambiental para a realização da obra —considerada emergencial àquela altura.

O projeto consistia na "construção de um dique associado a estruturas hidráulicas de desvio", que impediriam a chegada do esgoto dos afluentes do Rio Guandu à lagoa de captação de água para a estação. A obra, contudo, não substitui a necessidade de tratamento do esgoto.

A Cedae só concluiu a licitação da obra em 2013, contratando a empreiteira Construtora Metropolitana S/A para os trabalhos. Segundo ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal) do Rio em 2018, o contrato foi interrompido em março de 2015. A justificativa foi que, entre 2011 e 2015, a atualização dos valores da obra levaria a uma acréscimo de R$ 50 milhões no orçamento original —maior do que seria permitido pela Lei de Licitações.

De acordo com o MPF, a obra estava inserida em um lote de projetos do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), o Saneamento para Todos, com recursos federais da ordem de R$ 557,99 milhões.

O UOL procurou o governo do estado e a Cedae para questionar por que a obra não saiu do papel e quais eram os planos para garantir o saneamento básico da bacia do Rio Guandu, mas não obteve resposta.

Em 8 meses, rios do Guandu recebem em esgoto o equivalente a 'rompimento de Brumadinho'

No limite entre Seropédica e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a água do Rio Guandu chega ao ponto de captação da estação de tratamento da Cedae tão turva que não é possível sondar mais que alguns centímetros em seu leito.

A coloração, assim como a presença de geosmina, não é natural, ao contrário do que afirmam as autoridades fluminenses. Segundo nota técnica elaborada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) divulgada na última quarta-feira (15), "a geosmina, um composto orgânico volátil, é produzida por algumas bactérias heterotróficas ou cianobactérias, que crescem em abundância em ambientes aquáticos com altas concentrações de nutrientes, especialmente em mananciais que recebem esgotos não tratados".

A situação reflete o crônico problema de saneamento básico na Baixada Fluminense e, em especial, nos municípios cortados pelo Rio Guandu e seus afluentes, como Nova Iguaçu, Seropédica e Queimados. Dos três, só Nova Iguaçu tem algum tratamento de esgoto —0,1% de tudo que produz. Os demais não tratam nenhum esgoto.

Como consequência, os rios Queimados e Ipiranga —afluentes do Guandu que cortam a baixada— recebem diariamente 1,1 tonelada de matéria orgânica proveniente de esgoto. Isso equivale a 56 milhões de litros de esgoto por dia.

Em menos de oito meses, os dois rios recebem em esgoto o equivalente ao volume do material despejado no rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), estimado em 12,7 milhões de metros cúbicos.

Esgoto é "adubo" de algas, diz especialista

De acordo com Juliana Fernandes, doutora em recursos hídricos e diretora de contratos de gestão da Agevap (Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia do Rio Paraíba do Sul), entidade responsável por nove comitês de bacia do estado do Rio, o despejo de esgoto serve como uma espécie de adubo para a proliferação das algas, da mesma forma que propicia o crescimento de plantas em terra firme.

"A poluição gera essa problemática. Para as cianobactérias, que vivem naturalmente em ambiente aquático, é preciso de nutrientes para sobreviver. Normalmente nitrogênio e fósforo, assim como qualquer planta na nossa casa. Esses nutrientes estão presentes no esgoto doméstico", explica.

"A grande questão é que, quando se aumenta essa quantidade de nutrientes, as cianobactérias se proliferam mais, ampliando o impacto nesse ambiente aquático."

Segundo ela, o uso de carvão ativado, como anunciado pela Cedae, deve resolver momentaneamente a presença massiva de geosmina. Contudo, só a despoluição da bacia do Rio Guandu evitará novas ocorrências desse tipo.

"Nós temos que aproveitar um cenário crítico como esse para criar estratégias que atinjam a causa do problema. Se não, ano que vem pode acontecer de novo. O que deveria ser feito, de acordo com o plano de bacia, são os projetos de esgotamento sanitário dos municípios da região", avalia.

O ambientalista Sergio Ricardo, coordenador do Movimento Baía Viva, diz que o nível de poluição nos mananciais chega a prejudicar a captação de água, sobretudo em momentos onde há fortes chuvas na região.

Estudo feito pelo movimento e entregue ao MPF e ao MP-RJ (Ministério Público do Rio) aponta que, entre 2000 e 2010, a Estação de Tratamento de Água do Rio Guandu foi paralisada parcialmente 22 vezes por conta do grande aporte de sedimentos e poluição em sua área de captação.

Sergio Ricardo critica o fato de a Cedae não ter tomado nenhuma medida para resolver a questão da geosmina na água.

"Foi confirmado pela própria Cedae que, em 2004, esse problema já havia ocorrido. E agora descobrimos que, 15 anos depois, nenhuma medida foi tomada. Não atuaram para resolver as causas do problema e nem incluíram a geosmina no monitoramento", diz, lembrando que isso já é feito por estados como São Paulo e Minas Gerais.

Quais os planos do governo Wilson Witzel

Anteontem, o governador Wilson Witzel (PSC) anunciou um plano de concessão do saneamento de 64 municípios fluminenses que ainda são responsabilidade da Cedae. O projeto visa arrecadar R$ 32 bilhões.

O plano é que a cidade do Rio e os demais municípios fluminenses sejam divididos em quatro blocos a serem concedidos a grupos privados. Eles terão que atender metas de universalização do fornecimento de água e da ampliação da rede de coleta de esgoto em suas áreas de atuação. A medida, porém, precisa ser aprovada pela Câmara de Vereadores de cada uma das cidades afetadas.

Witzel já havia afirmado na semana passada que só com esses recursos seria possível despoluir o Rio Guandu —projeto que precisaria de um investimento da ordem R$ 1,4 bilhão, segundo o Plano Estratégico de Recursos Hídricos da bacia.

Questionado pelo UOL sobre os planos de obras para a bacia do Guandu, encarada como o centro da crise da água, o governo Witzel citou a previsão de investimento a partir da adoção do modelo de concessão da Cedae.

Também informou que estão previstos mais de R$ 700 milhões em investimentos da Cedae na modernização da ETA Guandu até 2022 —mais de R$ 120 milhões desse total a serem investidos neste ano.

O governo fluminense ressalvou ainda que a coleta e o tratamento de esgoto são de gestão municipal.