Cedae engaveta há 10 anos obra que evitaria crise da água no Rio
Resumo da notícia
- A Cedae tem há dez anos o projeto para uma obra que evitaria a presença massiva de giosmina na água
- Orçada em R$ 33 milhões, a obra evitaria a chegada de esgoto à lagoa de captação da Cedae
- Uma empreiteira foi contratada para a obra em 2013, mas a Cedae cancelou o contrato
- Diariamente, 56 milhões de litros de esgoto são despejados em dois rios afluentes do Guandu na baixada
- Em 8 meses, esses rios recebem em esgoto o equivalente a 'rompimento de Brumadinho'
A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), empresa pública responsável pelo saneamento básico do Rio de Janeiro, protela desde 2009 a execução de uma obra emergencial que evitaria a crise no abastecimento do Grande Rio.
O projeto, orçado à época em cerca de R$ 33 milhões, reduziria a chegada de esgoto no lago onde ocorre a captação de água na ETA (Estação de Tratamento de Água) Guandu, localizada no rio de mesmo nome, no limite entre os municípios de Nova Iguaçu e Seropédica, na Baixada Fluminense.
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a presença de esgoto nos mananciais que abastecem a estação é a principal causa para a proliferação de cianobactérias responsáveis pela liberação da geosmina —substância que deixa gosto e odor terrosos na água. Atualmente, cerca de 9 milhões de pessoas no Rio e em outras sete cidades da região metropolitana consomem a água produzida pela ETA Guandu.
O projeto, chamado oficialmente de "Obras de proteção da tomada d'água da Cedae no Rio Guandu", foi incluído no Plano Estratégico de Recurso Hídricos das Bacias Hidrográficas dos Rios Guandu, da Guarda e Guandu Mirim, de 2006. Em 2009, foram concluídos os estudos de impacto ambiental para a realização da obra —considerada emergencial àquela altura.
O projeto consistia na "construção de um dique associado a estruturas hidráulicas de desvio", que impediriam a chegada do esgoto dos afluentes do Rio Guandu à lagoa de captação de água para a estação. A obra, contudo, não substitui a necessidade de tratamento do esgoto.
A Cedae só concluiu a licitação da obra em 2013, contratando a empreiteira Construtora Metropolitana S/A para os trabalhos. Segundo ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal) do Rio em 2018, o contrato foi interrompido em março de 2015. A justificativa foi que, entre 2011 e 2015, a atualização dos valores da obra levaria a uma acréscimo de R$ 50 milhões no orçamento original —maior do que seria permitido pela Lei de Licitações.
De acordo com o MPF, a obra estava inserida em um lote de projetos do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), o Saneamento para Todos, com recursos federais da ordem de R$ 557,99 milhões.
O UOL procurou o governo do estado e a Cedae para questionar por que a obra não saiu do papel e quais eram os planos para garantir o saneamento básico da bacia do Rio Guandu, mas não obteve resposta.
Em 8 meses, rios do Guandu recebem em esgoto o equivalente a 'rompimento de Brumadinho'
No limite entre Seropédica e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a água do Rio Guandu chega ao ponto de captação da estação de tratamento da Cedae tão turva que não é possível sondar mais que alguns centímetros em seu leito.
A coloração, assim como a presença de geosmina, não é natural, ao contrário do que afirmam as autoridades fluminenses. Segundo nota técnica elaborada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) divulgada na última quarta-feira (15), "a geosmina, um composto orgânico volátil, é produzida por algumas bactérias heterotróficas ou cianobactérias, que crescem em abundância em ambientes aquáticos com altas concentrações de nutrientes, especialmente em mananciais que recebem esgotos não tratados".
A situação reflete o crônico problema de saneamento básico na Baixada Fluminense e, em especial, nos municípios cortados pelo Rio Guandu e seus afluentes, como Nova Iguaçu, Seropédica e Queimados. Dos três, só Nova Iguaçu tem algum tratamento de esgoto —0,1% de tudo que produz. Os demais não tratam nenhum esgoto.
Como consequência, os rios Queimados e Ipiranga —afluentes do Guandu que cortam a baixada— recebem diariamente 1,1 tonelada de matéria orgânica proveniente de esgoto. Isso equivale a 56 milhões de litros de esgoto por dia.
Em menos de oito meses, os dois rios recebem em esgoto o equivalente ao volume do material despejado no rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), estimado em 12,7 milhões de metros cúbicos.
Esgoto é "adubo" de algas, diz especialista
De acordo com Juliana Fernandes, doutora em recursos hídricos e diretora de contratos de gestão da Agevap (Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia do Rio Paraíba do Sul), entidade responsável por nove comitês de bacia do estado do Rio, o despejo de esgoto serve como uma espécie de adubo para a proliferação das algas, da mesma forma que propicia o crescimento de plantas em terra firme.
"A poluição gera essa problemática. Para as cianobactérias, que vivem naturalmente em ambiente aquático, é preciso de nutrientes para sobreviver. Normalmente nitrogênio e fósforo, assim como qualquer planta na nossa casa. Esses nutrientes estão presentes no esgoto doméstico", explica.
"A grande questão é que, quando se aumenta essa quantidade de nutrientes, as cianobactérias se proliferam mais, ampliando o impacto nesse ambiente aquático."
Segundo ela, o uso de carvão ativado, como anunciado pela Cedae, deve resolver momentaneamente a presença massiva de geosmina. Contudo, só a despoluição da bacia do Rio Guandu evitará novas ocorrências desse tipo.
"Nós temos que aproveitar um cenário crítico como esse para criar estratégias que atinjam a causa do problema. Se não, ano que vem pode acontecer de novo. O que deveria ser feito, de acordo com o plano de bacia, são os projetos de esgotamento sanitário dos municípios da região", avalia.
O ambientalista Sergio Ricardo, coordenador do Movimento Baía Viva, diz que o nível de poluição nos mananciais chega a prejudicar a captação de água, sobretudo em momentos onde há fortes chuvas na região.
Estudo feito pelo movimento e entregue ao MPF e ao MP-RJ (Ministério Público do Rio) aponta que, entre 2000 e 2010, a Estação de Tratamento de Água do Rio Guandu foi paralisada parcialmente 22 vezes por conta do grande aporte de sedimentos e poluição em sua área de captação.
Sergio Ricardo critica o fato de a Cedae não ter tomado nenhuma medida para resolver a questão da geosmina na água.
"Foi confirmado pela própria Cedae que, em 2004, esse problema já havia ocorrido. E agora descobrimos que, 15 anos depois, nenhuma medida foi tomada. Não atuaram para resolver as causas do problema e nem incluíram a geosmina no monitoramento", diz, lembrando que isso já é feito por estados como São Paulo e Minas Gerais.
Quais os planos do governo Wilson Witzel
Anteontem, o governador Wilson Witzel (PSC) anunciou um plano de concessão do saneamento de 64 municípios fluminenses que ainda são responsabilidade da Cedae. O projeto visa arrecadar R$ 32 bilhões.
O plano é que a cidade do Rio e os demais municípios fluminenses sejam divididos em quatro blocos a serem concedidos a grupos privados. Eles terão que atender metas de universalização do fornecimento de água e da ampliação da rede de coleta de esgoto em suas áreas de atuação. A medida, porém, precisa ser aprovada pela Câmara de Vereadores de cada uma das cidades afetadas.
Witzel já havia afirmado na semana passada que só com esses recursos seria possível despoluir o Rio Guandu —projeto que precisaria de um investimento da ordem R$ 1,4 bilhão, segundo o Plano Estratégico de Recursos Hídricos da bacia.
Questionado pelo UOL sobre os planos de obras para a bacia do Guandu, encarada como o centro da crise da água, o governo Witzel citou a previsão de investimento a partir da adoção do modelo de concessão da Cedae.
Também informou que estão previstos mais de R$ 700 milhões em investimentos da Cedae na modernização da ETA Guandu até 2022 —mais de R$ 120 milhões desse total a serem investidos neste ano.
O governo fluminense ressalvou ainda que a coleta e o tratamento de esgoto são de gestão municipal.
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