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Em meio à crise da água, PEC de Witzel tira até R$ 370 mi de saneamento

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) -
O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC)

Igor Mello

Do UOL, no Rio

18/01/2020 04h00Atualizada em 18/01/2020 15h41

Dias antes da crise de abastecimento de água no Rio de Janeiro começar, o governador Wilson Witzel (PSC) conseguiu aprovar na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) uma emenda constitucional que deve retirar mais de R$ 370 milhões em investimentos nas áreas de saneamento básico e segurança hídrica somente neste ano.

Cerca de 9 milhões de pessoas na capital e em sete cidades da região metropolitana consomem diariamente água processada pela ETA (Estação de Tratamento de Água) Guandu, que capta água no rio de mesmo nome.

De acordo com a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), empresa pública responsável pelo abastecimento no estado, a água tem chegado aos consumidores com giosmina, uma substância orgânica produzida por cianobactérias que se proliferaram no local de captação.

As autoridades afirmam que o composto é responsável pelo forte gosto e odor terrosos na água —motivo de reclamação da população, que tem esgotado os estoques de água mineral nos mercados da cidade. Ressaltam, porém, que a giosmina não é tóxica, apesar de muitas pessoas estarem procurando unidades de saúde com problemas gastrointestinais.

A promulgação da emenda ocorreu no dia 19 de dezembro do ano passado. A medida autoriza a desvinculação das verbas de diversos fundos temáticos do estado do Rio, permitindo que Witzel use os recursos nas áreas que julgar prioritárias.

Dois deles têm aplicação obrigatória em investimentos em saneamento básico e segurança hídrica —as chamadas "verbas carimbadas": o Fecam (Fundo Estadual de Conservação Ambiental), que teve 50% dos recursos desvinculados, e o Fundrhi (Fundo Estadual de Recursos Hídricos), em que a desvinculação foi de 30%.

Segundo a Constituição estadual, o Fecam recebe 5% dos royalties do petróleo arrecadados pelo Rio. De acordo com o orçamento aprovado pela Alerj, o Fecam deve arrecadar R$ 705 milhões em 2020, a serem usados em investimentos em saneamento e conservação ambiental. Com a mudança, Witzel pode retirar até R$ 352,6 milhões do fundo. O montante corresponde a quase 21% de tudo que o estado planejou gastar nas duas áreas neste ano, cujas despesas chegam a R$ 1,7 bilhão.

Já o Fundrhi arrecadou no ano passado aproximadamente R$ 65 milhões, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Fazenda do Rio. O fundo tem por objetivo garantir o "financiamento para implementação dos instrumentos de gestão de recursos hídricos". Entre eles, está a operacionalização dos comitês de bacia, como o que opera na área do Rio Guandu.

A assessoria de Wilson Witzel confirmou que prevê aplicar R$ 350 milhões do Fecam em ações voltadas ao meio ambiente —o valor equivale justamente aos 50% dos recursos desvinculados. Para a gestão Witzel, "a desvinculação de recursos dos fundos permite que o governo tenha mais agilidade e eficiência na aplicação de recursos". O governo fluminense informou ainda que receita estimada para o Fundrhi neste ano é de R$ 68,52 milhões.

Witzel disse na última quinta-feira (16) ao jornal O Globo que apenas com o leilão da Cedae —que passará a adotar o modelo de concessão nos 64 municípios ainda atendidos pela empresa pública— será possível despoluir a bacia do Rio Guandu.

Ontem, o governador anunciou que pretende arrecadar R$ 32 bilhões com a concessão da Cedae. O plano é que a cidade do Rio e os demais municípios fluminenses sejam divididos em quatro blocos a serem concedidos a grupos privados. Eles terão que atender metas de universalização do fornecimento de água e da ampliação da rede de coleta de esgoto em suas áreas de atuação.

Ponto de captação da estação de tratamento do Guandu mostra poluição de rio na Baixada Fluminense - Divulgação/Comitê Guandu - Divulgação/Comitê Guandu
Foto aérea de ponto de captação da estação de tratamento do Guandu mostra poluição de rio na baixada
Imagem: Divulgação/Comitê Guandu

Redução de verbas piora cenário, diz especialista

Para Juliana Fernandes, doutora em recursos hídricos e diretora de contratos de gestão da Agevap (Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia do Rio Paraíba do Sul), entidade responsável por nove comitês de bacia do estado do Rio, a redução de verbas vai piorar ainda mais um cenário que já é de recursos insuficientes para conter a poluição na bacia do Rio Guandu.

"Com certeza impacta. Se a gente for parar para olhar o tamanho do problema em termos de dinheiro, estamos falando em bilhões [para resolver os problemas de saneamento na bacia]. Os recursos arrecadados são muito menores do que os necessários, mas conseguem alavancar projetos, dar contrapartidas", afirma, citando como exemplo uma estação de tratamento de esgoto financiada com recursos do Fundrhi em Piraí, a um custo de R$ 15 milhões.

Ainda segundo Juliana, embora a coleta e o tratamento do esgoto sejam atribuições das prefeituras, é preciso aporte de recursos e suporte técnico da União e do governo do estado —o que fica prejudicado com a redução de verbas.

"Uma coisa que a gente pode considerar é que o tratamento do esgoto doméstico, de acordo com a legislação federal, é atribuição dos municípios. Eles têm responsabilidade por todo o saneamento. Só que logicamente a gente sabe que existem fragilidades nos municípios, tanto técnica quanto financeiras, e precisam de suporte dos governos federal e estadual", lembra.

O ambientalista Sergio Ricardo, coordenador do Movimento Baía Viva, destaca que o estado do Rio vive um cenário "dramático", que o coloca em situação de vulnerabilidade hídrica.

"Estamos diante de uma crise estrutural que vem se arrastando há muito tempo", diz.

Ele ainda critica o fato de que os níveis de giosmina não são monitorados pela Cedae. Segundo ele, estados como São Paulo e Minas Gerais fazem esse controle.

"Entre 2003 e 2019, o estado do Rio de Janeiro deixou de investir em dinheiro carimbado para saneamento básico R$ 11 bilhões. Os técnicos da Cedae constataram a presença de geosmina há 15 anos e nenhuma medida foi tomada. Não atuaram para resolver o problema e não incluíram a substância no monitoramento", critica.