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Análise: Sem mudança, tendência é explosão de rebeliões nos presídios

Maria Carolina Trevisan

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/03/2020 16h14

Não é à toa que, ao serem informados que seriam suspensas as saídas temporárias por conta da pandemia de coronavírus, cerca de 1.000 detentos fugiram e outros milhares se rebelaram, nesta segunda (16), em São Paulo.

A tendência é que a reação se acentue em todo o país se essas medidas não forem adotadas com mais cautela e abarquem a dimensão humanitária que é preciso assumir por parte dos governantes, legislativo e sistema de Justiça.

"Quando você suspende a saída, você está tomando uma decisão cujo ônus é integralmente dos presos", afirma a professora Camila Nunes Dias, da UFABC, e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

"A saída e a visita são as coisas mais importantes para o preso. Tomar essa medida com uma canetada, é óbvio que iria gerar uma tensão enorme. Proibir a saída é aparentemente muito simples, mas tem consequências, especialmente para essa população que já tem violados tantos direitos. É muita carga sobre eles."

Quem está confinado no sistema prisional brasileiro sobrevive em aglomerações permanentes, falta de acesso à saúde, risco de contrair tuberculose 28 vezes maior do que na população em geral, alimentação precária, falta de água potável, ambiente sujo e pouco ventilado. Estão nessas condições mais de 800 mil pessoas. Todas sob custódia do Estado.

O impacto da contaminação por coronavírus nos presídios brasileiros não só poderia colapsar todo o sistema de saúde mas colocaria em risco de morte todos os presos, além dos milhares de trabalhadores que atuam nesses locais, incluindo a polícia e agentes penitenciários.

Além disso, há um pano de fundo ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC) que torna tudo mais delicado no que se refere ao estado de São Paulo.

As lideranças da facção estão encarceradas em presídios federais, fora do estado, por determinação do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), em concordância com o governo de São Paulo. Isso mexeu no equilíbrio delicado que havia no sistema prisional paulista.

Detentos fogem de presídio em Mongaguá, no interior de São Paulo - Reprodução/Youtube - Reprodução/Youtube
Detentos fogem de presídio em Mongaguá, no interior de São Paulo
Imagem: Reprodução/Youtube

Há também denúncias de maus tratos, de cerceamento de visitas e prolongamento do tempo estipulado para permanência no sistema federal. Tudo isso aumentou as tensões.

"Isso tudo é a pressão aumentando. A suspensão da saída, como uma decisão unilateral, piorou tudo. Não é assim que se resolvem as questões com o sistema prisional, que tem um equilíbrio precário", afirma Camila Nunes Dias, também autora de "A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil" com o pesquisador Bruno Paes Manso, da editora Todavia.

Os presos são cidadãos sob custódia do Estado. Para conter a pandemia, as rebeliões e fugas - além da sanha punitivista que gira a engrenagem do encarceramento em massa mas não resolve o problema - o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou nesta terça uma série de recomendações aos tribunais de Justiça e magistrados, assinadas pelo presidente da entidade e do Supremo, Dias Toffoli.

São medidas "em cara?ter excepcional e exclusivamente durante o peri?odo de restric?a?o sanita?ria, como forma de reduzir os riscos epidemiolo?gicos e em observa?ncia ao contexto local de disseminac?a?o do vi?rus, considerar a pandemia de Covid-19".

Policiais em frente a presídio de Tremembé após fuga de detentos, em São Paulo - ROOSEVELT CASSIO - ROOSEVELT CASSIO
Policiais em frente a presídio de Tremembé após fuga de detentos, em São Paulo
Imagem: ROOSEVELT CASSIO

A grande maioria das ações sugeridas são no sentido de desencarcerar pessoas como gestantes, idosos, com doenc?as cro?nicas, imunossupressoras, respirato?rias e outras comorbidades preexistentes "que possam conduzir a um agravamento do estado geral de sau?de a partir do conta?gio, com especial atenc?a?o para diabetes, tuberculose, doenc?as renais, HIV e coinfecc?o?es". Também podem ter acesso a essas medidas quem ainda não foi submetido a julgamento (presos provisórios) e que não tenha cometido crime violento ou com grave ameaça.

O CNJ recomenda, ainda, a prisão domiciliar para quem está no regime aberto ou semiaberto e para quem esteja preso por descumprir pensão alimentícia. Também devem permanecer no regime domiciliar aqueles suspeitos de ter contraído o Covid-19.

O órgão também indica que audiências devem ser feitas por videoconferência, quando possível e verificadas as condições de saúde da pessoa que participará da audiência de custódia. Há outras como exame de corpo de delito documentado com fotos e realizado por profissionais da saúde para evitar casos de maus tratos e torturas.

O documento também regula os protocolos a serem seguidos no caso do preso ter sintomas que podem ser de coronavírus, como o uso de máscaras cirúrgicas, comunicação às autoridades, deslocamento para unidades de saúde, aumento da frequencia da limpeza e higienização de estruturas metálicas e algemas, uso de álcool em gel, fornecimento de remédios, alimentação adequada e água, além de realização de triagens e exames. Informações sobre e a pandemia também devem ser compartilhadas com toda a população carcerária.

Em relação às visitas, o CNJ foi cauteloso. Recomenda a comunicação prévia ao juízo competente, ao defensor, familiares e visitantes se houver alteração no regime de visitas; que o ambiente para as visitas seja higienizado e máscaras sejam oferecidas; e a proibição de visitas com sintomas de contaminação por Convid-19.

No caso do direito às saídas temporárias, o que gerou as fugas e rebeliões no estado de São Paulo, o conselho recomenda que numa eventual contingência ou, em último caso, suspensão da saída temporária, o benefício precisa ser assegurado em outra data após o término da restrição sanitária.