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Ele era preso, mas não um verme, diz irmã de morto por coronavírus

Álvaro Henrique do Nascimento Sousa morre por coronavírus - Arquivo pessoal
Álvaro Henrique do Nascimento Sousa morre por coronavírus Imagem: Arquivo pessoal

Jéssica Nascimento

Colaboração para o UOL, em Brasília

21/05/2020 12h39

Álvaro Henrique do Nascimento Sousa, de 32 anos, foi o primeiro detento a morrer pela covid-19, no Distrito Federal. Segundo a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), ele ficou internado por 14 dias no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e morreu na última terça-feira (19).

A família alega que ele demorou a ser levado para a unidade e que não foi informada sobre o estado de saúde. "Ele era preso, mas não um verme", disse Sarita Nascimento, irmã da vítima, em entrevista ao UOL. A Sesipe e a secretaria da Saúde do Distrito Federal negam a informação.

Sousa foi transferido da Penitenciária da Papuda para o Hran em 3 de maio. De acordo com a Sesipe, ele tinha HIV e tuberculose e já havia sido internado quando teve teste positivo para o novo coronavírus. A Secretaria de Segurança Pública lamentou a morte. A família alega que não sabia das comorbidades de Sousa.

Sarita diz que viu o irmão pela última vez em dezembro do ano passado e que desde que as visitas foram suspensas na Papuda, em 12 de março deste ano, não tinha notícias dele.

"Não é porque ele está preso, que não deveria ser tratado. Ele recebeu o diagnóstico de covid-19 em abril e não em maio. Por que deram o tratamento só quando não adiantava nada? Por que foi pra emergência só quando não tinha mais o que fazer? Fora que não fomos avisados de nada. Meu irmão tinha 80 kg. Quando morreu, tinha 53 kg. A Sesipe falava que ele estava em um quadro estável, mas não era. Era muito grave", desabafa a cabeleireira.

Em 11 de maio, segundo a irmã, a Sesipe informou para a família que Sousa estava sedado e intubado. Ela lamenta não ter se despedido e afirma que ele não recebeu tratamento adequado enquanto esteve na cadeia.

"Não fizeram uma chamada de vídeo para a gente se despedir. Não tiveram empatia, sabe? Uma médica do Hran me disse que os presos eram tratados de forma errônea no presídio, sem cuidado adequado. Tenho certeza que, na cadeia, meu irmão não recebeu alimentação e muito menos medicação. Ele morreu a míngua. Só levaram meu irmão no hospital porque ele não estava respirando. Não é porquê ele é um preso que ele deveria ter tratado como um verme", alega Sarita.

Secretarias rebatem família

Em nota, a Sesipe contesta as informações e diz que a família recebia informações diárias do quadro clínico desde o início da internação do preso. Até agora, 555 presos e 203 policiais penais foram diagnosticados com coronavírus nos presídios do Distrito Federal.

"Desde que os primeiros casos de contaminação pelo coronavírus foram detectados no Distrito Federal, a SSP/DF (Secretaria de Segurança Pública), por meio da Sesipe, tem adotado uma série de medidas para resguardar reeducandos e policiais penais. O trabalho de prevenção e de enfrentamento à Covid-19 no sistema prisional é realizado de forma alinhada com a Secretaria de Saúde (SES), a Vara de Execuções Penais (VEP/TJDFT) e o Ministério Público do Distrito Federal MPDFT)", diz a nota.

A Sesipe também informou que a comorbidade foi identificada durante a internação do detento. Porém, o órgão não respondeu sobre a falta de informação alegada pela família.

Procurada pelo UOL, a Secretaria de Saúde esclarece que, dentro do Hran, os pacientes recebem toda a assistência necessária ao quadro de saúde que apresentam.

Alvaro Henrique caixão lacrado - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Caixão lacrado com corpo de Alvaro é velado no Distrito Federal
Imagem: Arquivo pessoal

Ameaça de processo

Agora, a família fala em processar o Distrito Federal, já que Sousa foi contaminado pelo vírus enquanto estava na cadeia. "Vamos processar o estado porque não pude me despedir dele e porque ele foi cuidado como deveria. Só o vi pra reconhecer o corpo, depois de meses. Estamos com o coração destroçado. Ele não viu a família pela última vez e ainda teve a imagem manchada. A Sesipe não deveria ter divulgado o HIV. Nós nem sabemos se ele realmente tinha essa doença. No atestado de óbito aparece apenas covid-19", afirma a irmã da vítima.

No mesmo hospital, o policial penal Francisco Pires de Souza, internado no dia 28 de abril, morreu devido à covid-19 no último domingo (17). Ele trabalhava na Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I), no Complexo Penitenciário da Papuda, a mesma unidade na qual o detento morto ontem cumpria pena por roubo desde 2012.

TJDFT lamenta morte

Em nota, o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) prestou condolências à família de Álvaro Sousa. Segundo o texto, o interno cumpria pena total de 26 anos de reclusão em regime inicial fechado, com previsão de progressão ao regime semiaberto em julho de 2021.

"A Vara de Execuções Penais esclarece que toda pessoa que ingressa no sistema prisional do DF passa por acolhimento e triagem inicial, realizada pela equipe de saúdeprisional, para a avaliação e oferta adequada dos cuidados em saúde, sendo que em relação a ele não foi registrada nenhuma doença pré-existente em nenhuma das vezes em que foi preso, tampouco foi por ele declinada", afirma.

O texto ainda esclarece que, enquanto estava no sistema prisional, foram adotadas todas as precauções para evitar a contaminação pela covid-19, bem como prestado imediato atendimento médico devido, mas que houve a contaminação e a morte. "Diante disso, a Vara de Execuções Penais do DF se solidariza com os amigos e familiares enlutados", diz a nota.

O TJDFT também esclareceu que não houve registro anterior de queixa de saúde do detento. Ele passou mal no dia 4 de maio e foi levado ao posto de saúde do presídio. De lá, foi encaminhado para o Hran. "O preso teve um único atendimento odontológico, em dezembro do ano passado", informa.

Caixão lacrado na despedida

Sousa foi enterrado ontem no cemitério de Taguatinga. Os parentes de Álvaro Henrique, que pagaram o enterro, não realizaram velório e ficaram separados por um vidro. O caixão estava lacrado e foi colocado no chão, sob madeiras.

"O estado deveria pagar o enterro pois meu irmão contraiu a covid-19 no presídio. Foi falta de cuidado e principalmente socorro", diz Sarita.