Por que não divulgar nome de suspeito de estuprar sobrinha é respeito à lei
O Brasil se indignou com a notícia da gravidez de uma menina de 10 anos após ter sido estuprada. Seguiu-se um aborto, legal, aprovado pela Justiça. O caso foi acompanhado de protestos e inflamou as redes sociais por punições severas a esse tipo de crime.
Mas por que a polícia não divulgou o nome do tio nem imagens até agora? Há pelo menos duas explicações para isso, ambas previstas em lei. Uma no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e outra numa lei recente.
A Lei de Abuso de Autoridade entrou em vigor em janeiro deste ano. O delegado-geral da Polícia Civil do Espírito Santo, José Darcy Arruda, inclusive a mencionou na entrevista à imprensa ontem. "A imagem [dele] nós protegemos em razão da Lei de Abuso de Autoridade. Nós não divulgamos as imagens. Pode ser que ele tinha um Facebook, mas essas imagens não partiram de dentro da polícia, porque a gente cumpre o que determina a lei", afirmou.
Pela lei, é considerado crime culpar alguém antes de a investigação ser concluída e ser formalizada a acusação. No caso específico ocorrido no Espírito Santo, o Ministério Público apresentou a denúncia ontem.
Isso bastaria para o nome dele ser divulgado? Não. Processos envolvendo crianças são colocados sob sigilo, então apenas constam as iniciais dos nomes dos envolvidos, explica o professor de direito penal Guilherme Rodrigues Abrão, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e sócio do escritório Cabanellos Advocacia. "Não há limite de tempo para que haja divulgação do nome dele por ser um crime sexual e se tratar de uma vítima menor de idade. Salvo se houver vazamento, mas, se for descoberto quem fez isso, pode ocorrer punição."
Para minimizar a possibilidade de vazar os nomes, a própria movimentação do processo físico na Justiça tem restrições. "Apenas um servidor que trabalha no cartório tem acesso aos autos", diz Abrão.
Há dois outros trechos na Lei de Abuso de Autoridade que embasam a decisão de não expor o tio. Segundo a legislação, o preso não pode ser constrangido "mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência" a ter o seu corpo —ou parte dele— exibido à curiosidade pública e ser submetido a "situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei".
Também não se pode divulgar gravação sem relação "com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado", diz o artigo 28 da legislação.
A promotora de Justiça Andrea Machado, que atua em Porto Alegre, afirma que, para o abuso de autoridade ocorrer, é preciso que seja comprovada a intenção de prejudicar alguém ou ter benefício próprio. "Ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal", segundo o artigo 1º da lei. Como é uma legislação recente, as polícias estão tendo cautela na divulgação de determinadas informações.
"Não há crime de abuso de autoridade por identificar o suspeito. É preciso que se tenha a intenção de prejudicar ou tirar proveito próprio. O que a gente percebe é uma prudência da polícia para proteger ambos, tanto a menina quanto o tio", diz Andrea.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) proíbe exposição da identidade de crianças e adolescentes. Entretanto, não há restrições à divulgação do nome do agressor no estatuto, salvo quando ele também for menor de idade.
Para a promotora, não revelar a identidade ou imagens do tio acaba protegendo a menina. "Sem dúvida, ele sendo identificado, as pessoas vão olhar, vão saber que pode ser ela. Nesse caso, primeiro temos que pensar na proteção da menor. Para ela é sempre muito traumático. Depois, na proteção do acusado, que não foi condenado e o Estado tem o dever de protegê-lo", afirma a promotora.
A professora de direito da criança e do adolescente da PUC-RS Maria Regina Fay de Azambuja teme que a divulgação dos nomes possa expor mais a menina. "Se forem revelados os nomes, as pessoas vão tentar se aproximar do local onde ela mora e vão fazer manifestação, como aconteceu no hospital [onde ela fez o aborto]."
O defensor público Valdir Vieira, que coordena a área de direito penal no órgão capixaba, observou que a exposição do tio pode aumentar o estigma da criança, que teve que fazer um aborto. "O processo é sigiloso. Há um limite do razoável para que não exista uma superexploração que traga ainda mais prejuízos à vítima", disse Vieira para a Folha. A situação poderia se agravar pelo fato da família residir em São Mateus, cidade de 130 mil habitantes, no qual não seria difícil descobrir onde a família mora.
Por que tratar o tio como suspeito?
O próprio uso da expressão "suspeito" também levantou questionamentos. A palavra é utilizada quando a investigação ainda está na fase policial. Quando o inquérito é concluído, ele é indiciado e o Ministério Público tem cinco dias para se manifestar.
Com a apresentação da denúncia pelo MP, ele passa a ser chamado de acusado. Quando a Justiça aceitar a denúncia, o tio passa a ser considerado réu. No momento em que ele for sentenciado, pode ser chamado de condenado.
Segundo a promotora, as diferentes nomenclaturas pretendem atender ao princípio da presunção da inocência, presente no artigo 5 da Constituição. Ou seja, não se pode culpar uma pessoa antes que ocorra, de fato, a condenação judicial.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.