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SP planeja expansão de prisões, mas corta verba para saúde de presos

Preso com os pés em janela de penitênciária de Guarulhos (SP) - Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Preso com os pés em janela de penitênciária de Guarulhos (SP) Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Waleska Borges

Colaboração para o UOL, do Rio

05/11/2020 04h00Atualizada em 05/11/2020 14h25

O governo de São Paulo planeja destinar mais dinheiro para ampliar as vagas no sistema prisional, ao mesmo tempo em que pretende reduzir a verba para custear a saúde dentro do cárcere, mostram dados da Lei Orçamentária Anual para 2021.

A análise foi feita pela Plataforma Justa, que monitora o Judiciário brasileiro, e a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, organização da sociedade civil. Para as entidades, a aposta do estado é no encarceramento em massa.

Procurada, a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) questiona o levantamento e afirma que, "paralelamente ao aumento no número de vagas, a pasta tem investido em parcerias com outras secretarias, fundações e instituições da sociedade civil, buscando a reintegração social de reeducandos, egressos e familiares, além da implementação das penas alternativas à prisão".

Corte de R$ 11,3 milhões

De acordo com a Plataforma Justa, a proposta orçamentária do governo paulista para o ano que vem prevê redução de investimentos em políticas de saúde do sistema prisional em relação ao orçamento de 2020. O corte é de 3,4%, ou R$ 11,3 milhões.

Enquanto isso, o plano é aumentar em 72% o volume destinado à abertura de vagas, chegando a R$ 23,9 milhões.

O estado prevê R$ 907 milhões para assistência social, R$ 962 milhões para habitação, R$ 504 milhões para saneamento e R$ 1,5 bilhão para ciência e tecnologia. Já a manutenção do sistema prisional tem previsão de R$ 4,5 bilhões.

Segundo as organizações, o orçamento somado destinado áreas importantes não alcançarão o valor revertido à manutenção do sistema prisional.

Cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro defende o redirecionamento do orçamento concentrado na porta de entrada do sistema prisional para a prevenção de condições precárias de vida e para o amplo acesso a direitos.

Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, "é necessário investir na ampliação de vagas para garantir uma custódia digna dos apenados".

"Para que se efetue uma política de atendimento e reintegração social, é preciso uma atuação sistêmica, envolvendo os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo em conjunto com a sociedade civil organizada, numa atuação que é muito mais ampla que a alocação de recursos do orçamento da Pasta", justifica.

Com a terceira maior população carcerária do mundo, o Brasil vive uma realidade de encarceramento em massa, define o historiador baiano Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. São 338 detentos a cada 100 mil habitantes, índice inferior apenas aos dos Estados Unidos e da China.

"O que a gente observa é só a potencialização de uma violência social, econômica e racial que tem no encarceramento o ápice de um sistema de justiça criminal que blinda seus amigos e criminaliza os seus inimigos"
Luciana Zaffalon, representante do Justa.

Dados do encarceramento em SP

No estado de São Paulo, o número de penitenciárias saltou em 25 anos de 43 para 173. Hoje, as cadeias paulistas têm 215 mil pessoas. Os presos superam em 56,3% o número de vagas.

Segundo as organizações, 40% das prisões são ocupadas por presos provisório, ou seja, que ainda não foram condenados.

Composta por dois terços de pessoas negras, a população carcerária brasileira não para de crescer. A quantidade de presos cresceu 6% em dois anos, chegando a 750 mil pessoas no fim de 2019. Nestes dois anos, a população brasileira cresceu 2%.

O encarceramento em massa alcança a população negra desde antiga data e ele passa a ser naturalizado. Em função do racismo, não temos ainda o hábito de enxergar as pessoas encarceradas como gente."
Riccardo Cappi, criminólogo e professor da UNEB (Universidade do Estado da Bahia) e UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana)

O alerta, destacam os especialistas, é que o orçamento seja insuficiente para superar um cenário de insalubridade em celas superlotadas, imundas e sujeitas à temperaturas extremas, à falta de água e de produtos higiênicos básicos. A cada R$ 422 destinados à manutenção dos presídios, R$ 1 é gasto com os presos em São Paulo.

O governo paulista afirma ter parcerias com 5.202 instituições só no Programa de Penas e Medidas Alternativas, permitindo às pessoas que cometeram crimes de baixo potencial ofensivo a possibilidade de prestar serviço à comunidade ao invés de ficarem presas.

E acrescenta ainda que Programa de Atenção ao Egresso e Família tem ampliado suas parcerias para amparar a população carcerária, que se encontra em especial situação de vulnerabilidade social no atual momento de pandemia.