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Sem provas, homem é preso por roubo e extorsão com base em foto do Facebook

Eduardo de Assis Fernandes, 44, foi preso na frente dos filhos pequenos Imagem: Arquivo Pessoal

Lola Ferreira

Colaboração para o UOL, do Rio

12/11/2020 04h00

Há três semanas, a vida do auxiliar de apoio operacional Eduardo de Assis Fernandes, de 44 anos, virou do avesso. Sem saber que era investigado, ele foi preso dentro da própria casa, enquanto preparava o jantar para os dois filhos, por suspeita de roubar e tentar extorquir uma grande quantia de dois empresários de Queimados, na Baixada Fluminense.

Ainda que tenha pedido a prisão, a própria polícia admite que não há provas contra ele. No pedido de prisão temporária, ao qual o UOL teve acesso, a única ligação de Fernandes com o crime é o reconhecimento das vítimas feito a partir de uma foto extraída do perfil dele no Facebook, de 2016.

A prisão temporária foi autorizada pela Justiça para que Fernandes não atrapalhasse as investigações. Para juristas ouvidos pelo UOL, a prisão em fase de inquérito não se aplicaria neste caso, afinal ele trabalha com carteira assinada, tem residência fixa e não possui antecedentes criminais. A família lamenta a prisão sem provas e afirma se tratar de racismo.

"Meu irmão estava cozinhando para os filhos, descalço e sem camisa. Foi preso sem nem saber o motivo, porque antes disso nunca tinha sido nem chamado para depor", diz André Assis, o mais novo dos seis irmãos de Fernandes.

A falta de conhecimento sobre as investigações é outro detalhe apontado pelos juristas para indicar que a prisão não se sustenta —sem informações, ele não pode se defender.

Ainda assim, o juiz Luiz Gustavo Vasques, da Comarca de Queimados, atendeu o pedido da Polícia Civil e emitiu decisão liberando a prisão de Fernandes.

Conclui-se que ainda há muitos passos a serem dados ao longo da investigação, sendo essencial a segregação do suspeito para a livre e desembaraçada colheita de provas.
Juiz Luis Gustavo Vasques

Sem provas

A vítima que apontou o operador como assaltante é o sócio de um supermercado de Queimados. Ele diz ter sido abordado por um homem disfarçado de mendigo, com boné caído sobre o rosto, no dia 22 de junho de 2020.

Este homem se aproximou do empresário e de um funcionário do supermercado no estacionamento do estabelecimento e levou uma bolsa com R$ 109 mil.

Depois do roubo, a vítima e seu irmão, que também é sócio do supermercado, receberam mensagens com tentativa de extorsão pelo WhatsApp, no início de agosto.

No pedido de prisão temporária, a Polícia Civil diz que os chantagistas se identificaram como integrantes do Comando Vermelho do Morro do Simão, em Queimados, e ameaçaram os irmãos. Pediram R$ 600 mil para não agredir os familiares dos dois.

Fernandes não mora no Morro do Simão nem nunca teve qualquer envolvimento com o tráfico de drogas da comunidade, segundo sua família.

A polícia decidiu averiguar ex-funcionários do supermercado. Chegou a um rapaz de 25 anos, que havia sido demitido por justa causa meses antes. Para o delegado José Afonso Mota, titular do 55º DP de Queimados, isso faz dele o articulador dos crimes por conhecer a rotina do lugar. Ele também foi preso, apesar de não haver provas que indiquem sua participação no caso.

Mota concluiu que Fernandes está envolvido no roubo devido à sua proximidade com o rapaz que trabalhou no supermercado —eles são concunhados. No documento, o delegado conta, de forma isolada e desconectada do roubo, que um cunhado do ex-funcionário foi morto por traficantes, e o corpo só foi liberado após intervenção dele.

Em uma das diligências, um dos empresários apontou Fernandes como autor do roubo ao ver a sua foto na lista dos amigos na página do Facebook do rapaz preso. O delegado Mota cita uma "surpresa das vítimas" ao ver a foto.

O juiz Vasques também emitiu mandado de busca e apreensão nas casas dos dois suspeitos para "apreensão de arma de fogo e outros elementos de prova". Até a publicação desta reportagem, no entanto, a arma usada pelo assaltante não foi achada. Não há no inquérito registro de que os números dos celulares usados para tentar extorquir as vítimas sejam de um dos presos.

Em resposta aos questionamentos do UOL, a Polícia Civil se limitou a confirmar que os dois foram presos temporariamente pelos crimes de roubo e extorsão com base na investigação policial.

Mérito do crime

A advogada de Fernandes, Débora Antunes, explicou à reportagem que o processo ainda não está em fase de provar a inocência de seu cliente. Ainda assim, o estilo de vida dele e a falta de bens materiais são indicativos de que ele não obteve R$ 100 mil em quaisquer circunstâncias, de acordo com ela. Por isso, a estratégia agora é pedir a revogação da prisão temporária.

"Eu quero que ele responda em liberdade. Tem os requisitos para isso, e as investigações podem continuar. Não cabe ainda eu juntar as provas, mas provar que não há motivos para ele ser preso durante as investigações."

Enquanto isso, a família aguarda a liberdade de Fernandes. Jorge, outro irmão que conversou com a reportagem, está em tratamento para um câncer, e entre as sessões de quimioterapia precisa lidar com o drama da prisão do irmão. Junto de André, ele explica que Fernandes sempre foi um irmão presente e, durante o tratamento, tem apoiado a família.

Não faz sentido alguém acordar de madrugada para ganhar R$ 150 após roubar R$ 100 mil. Meu irmão é um homem amoroso, trabalhador. Ele está preso porque é negro, alto, tem cavanhaque e barba grisalha. Mas isso poderia ser eu, se estivesse naquele Facebook, porque somos parecidos.
André Assis, irmão de Fernandes

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