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Moradora de condomínio de luxo proíbe entrada de entregador negro em GO

Galtiery Rodrigues

Colaboração para o UOL, de Goiânia

27/10/2020 14h07Atualizada em 28/10/2020 20h53

Uma pessoa dentro de um condomínio de luxo de Goiânia não liberou a entrada de um entregador de aplicativo, alegando que ele era negro e que só aceitaria se fosse um entregador branco. "Eu não vou permitir esse macaco", escreveu ela em troca de mensagens com a gerente da hamburgueria onde ela havia feito o pedido.

O caso ocorreu na noite de domingo (25), por volta das 23h. O endereço da mulher estava incompleto no aplicativo, indicando apenas o condomínio, mas sem número de quadra e lote. Ao solicitar mais informações para que o entregador conseguisse informar na portaria e efetuar a entrega, a gerente do estabelecimento, Ana Carolina Gomes, 18, foi surpreendida com as mensagens enviadas.

"Esse preto não vai entrar no meu condomínio", enviou a suposta moradora. A conversa foi feita pelo chat do aplicativo. Ana estava conversando com a cliente pelo computador e, ao mesmo tempo, estava com o entregador, Elson Oliveira Santos, pelo telefone. Ele aguardava os dados para fazer a entrega.

"Eu fiquei atônita, olhando para a tela do computador, sem saber o que fazer, porque estava com o Elson no telefone. Eu disse para ele voltar, não fazer a entrega, porque tinha acontecido um crime de ódio contra ele", relatou Ana Carolina ao UOL, que disse ainda que entregador percebeu que ela ficou calada por alguns segundos e perguntou se tinha acontecido alguma coisa.

O dono da hamburgueria, Éder Leandro Rocha, explicou que eles não sabiam ao certo como contar para Elson o que tinha sido dito, realmente, pela mulher. "Ele ficou perguntando o motivo do cancelamento. Contamos para ele, mas foi muito ruim. Ele ficou acabado o resto da noite". O entregador ainda conseguiu fazer mais duas entregas depois do ocorrido.

'De um jeito ou de outro, dói'

Elson é maranhense, tem 39 anos, mora em Goiânia há 16 e trabalha como entregador há mais de uma década. A reação imediata foi de indignação e de dor. "De um jeito ou de outro, dói. Fico pensando nas minhas filhas me vendo passar por isso e pensando que elas podem passar por isso também", disse ele ao UOL.

No exercício da função, foi a primeira vez que ele enfrentou uma situação de racismo. Ele relatou que ficou entre 10 e 15 minutos parado na portaria do condomínio, aguardando os dados completos para efetuar a entrega. Chegou a falar com o porteiro, mas foi informado de que só pelo nome da moradora não seria possível descobrir o endereço, pois existem mais pessoas com o mesmo nome no local.

"Dói saber que existem pessoas assim. Existem muitas pessoas burras na vida", disse ele. O entregador disse ter recebido muitas mensagens de apoio desde que tudo veio à tona e chegou a fazer um vídeo agradecendo as pessoas que se colocaram do lado dele. "Fiz as outras entregas normalmente, mas sempre com aquela indignação dentro de mim".

Investigação

Elson, o dono e a gerente da hamburgueria vão hoje à tarde registrar a ocorrência na Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC), em Goiânia. A ideia, a princípio, é rastrear e confirmar a identidade da suposta moradora do condomínio de luxo e, em seguida, entrar com a queixa por crime de racismo.

Como o endereço estava incompleto, apenas com o nome da mulher, o dono da hamburgueria, Éder Rocha, ponderou que é importante certificar o nome e o endereço corretos da pessoa para tornar efetiva a queixa posterior por racismo. O aplicativo já foi informado e a investigação fará o rastreamento dos dados.

Foi por isso, segundo Éder, que o nome da pessoa registrado no aplicativo não foi divulgado por eles, para evitar qualquer julgamento errado. Ana Carolina printou toda a conversa e os registros do pedido. Os arquivos serão disponibilizados para a investigação.

Dados não são de morador do condomínio

Após ser oficiado pela Polícia Civil, o condomínio onde residiria a moradora que teria cometido o crime de racismo contra o entregador fez busca nos dados internos e concluiu que as informações registradas pela pessoa no aplicativo, como nome e número de CPF, não correspondem ao de nenhum morador ou visitante do local.

Em entrevista coletiva, a delegada à frente do caso, Sabrina Leles, disse que aguardava a resposta do condomínio e do aplicativo para prosseguir com a investigação. Em análise inicial, segundo ela, foi verificado que o número de CPF registrado não batia com o nome apresentado.

"De acordo com os poucos bancos de dados que a polícia tem acesso, é possível verificar que as informações são divergentes, mas a conclusão só será possível depois da investigação", ponderou.

O condomínio enviou hoje a resposta ao ofício da Polícia Civil. Em nota, a administração do local explica que o nome da pessoa suspeita, identificada pela polícia, não consta no cadastro de moradores, visitantes, prestadores de serviço ou frequentadores, assim como o número do CPF.

O residencial se dispôs a entregar imagens das câmeras de segurança da portaria durante o período que foi cometido o crime e também as gravações realizadas entre a portaria e os moradores do local.

Racismo x injúria racial

A Lei de Racismo, de 1989, engloba "os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". O crime ocorre quando há uma discriminação generalizada contra um coletivo de pessoas. Exemplo disso seria impedir um grupo de acessar um local em decorrência da sua raça, etnia ou religião.

O autor de crime de racismo pode ter uma punição de um a cinco anos de prisão. Trata-se de crime inafiançável e não prescreve. Ou seja: no caso de quem está sendo julgado, não é possível pagar fiança; para a vítima, não há prazo para denunciar.

Já a injúria racial, como o caso em Valinhos está sendo investigado, consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem a fim de atacar a dignidade de alguém de forma individual. Um exemplo de injúria racial é xingar um negro de forma pejorativa utilizando uma palavra relacionada à raça.