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Repórter sofre ameaças após vídeo inventar falsos enterros pela covid

Juliana Arreguy e Thaís Augusto

Do UOL, em São Paulo

01/04/2021 15h54Atualizada em 20/07/2022 20h19

Uma repórter da TV Vitória, afiliada da Record no Espírito Santo, foi ameaçada após a divulgação de um vídeo que falsamente acusa a emissora de simular enterros por covid-19 no Brasil. A gravação mostra os bastidores de uma reportagem sobre o trabalho de coveiros na pandemia, e as covas que aparecem no vídeo já estavam abertas antes de a equipe jornalística chegar ao local.

As imagens são narradas por um homem que não aparece em frente às câmeras e acusa "manipulação" de dados no Cemitério Municipal da Barra do Jucu, em Vila Velha (ES). O vídeo, que circula desde ontem (31) nas redes sociais, mostra uma coveira sendo filmada pela TV enquanto joga terra sobre uma sepultura vazia.

"Agora vai fechar o buraco simulando que está enterrando", disse o homem. "Eu 'tô' filmando tudo. No dia que botarem na TV, vou postar e falar que é mentira. Tem nem corpo aqui", continuou ele, apontando que o cemitério estava vazio. "Ninguém está sendo enterrado aqui."

A repórter Marla Bermudes, de 33 anos, contou ao UOL que chegou ao local para fazer a reportagem e antes mesmo de começar a gravar já foi xingada pelo homem, que filmava tudo da janela de um prédio vizinho ao cemitério enquanto segurava uma latinha de cerveja.

Quando chegamos lá já encontramos cinco covas abertas. A prática é já deixar as covas abertas para as vítimas de covid-19, eles não abrem na hora do enterro. Já deixam antes. Esse cemitério é pequeno e começou a receber vítimas de covid essa semana, por isso são poucas covas.
Marla Bermudes, repórter da TV Vitória

A profissional disse que a coveira jogou terra sobre a sepultura para que a TV produzisse "imagens de cobertura" —como são chamadas gravações feitas pelas televisões para ilustrar reportagens em vídeo.

"Mostramos a imagem para ilustrar a rotina [da coveira]. O cidadão começou com a xingar a gente com a câmera desligada. Isso não aparece no vídeo. Ele me xingou de vagabunda, piranha, xingou o cinegrafista de safado", relatou a jornalista.

Deputada compartilha vídeo e repórter sofre ameaças

O vídeo, gravado na terça-feira (30), viralizou nas redes sociais e ganhou ainda mais fôlego em perfis de direita após ser compartilhado pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que tem mais de 1,8 milhão de seguidores no Instagram.

Marla disse que começou a receber ofensas e ameaças pouco após a reportagem ir ao ar. "Fiquei bem chateada e tive de excluir minha conta do Facebook e colocar o Instagram no privado", contou. Ela também vem recebendo mensagens agressivas pelo WhatsApp.

Com 13 anos de experiência no jornalismo, a repórter lamentou o negacionismo em torno da pandemia de covid-19 e disse se arriscar diariamente no trabalho. Seu maior receio é contaminar a mãe ou o marido, ambos dos grupos de risco, e mesmo o filho pequeno.

Acho absurdo uma representante do povo compartilhar uma coisa sem o mínimo de checagem. Ela tem muitos seguidores, atingiu uma proporção enorme. O vídeo foi feito por um cara que estava bebendo na sacada da casa dele, mas isso não aparece.
Marla Bermudes, repórter da TV Vitória

Superintendente de conteúdo da Rede Vitória, Alexandre Carvalho declarou que a empresa tomará as "medidas cabíveis" contra quem disseminou a falsa notícia de que a TV estava simulando enterros.

A Rede Vitória vai tomar medidas judiciais contra quem criou e contra quem compartilhou o vídeo
Alexandre Carvalho, superintendente de conteúdo da Rede Vitória

"Em nenhum momento a gente está simulando um enterro. A matéria sequer fala da quantidade de mortos no Espírito Santo, e sim mostra o trabalho do profissional que está na linha de frente. O homem [responsável pelo vídeo] ficou duas horas ofendendo a gente e criou uma narrativa de que estávamos simulando um enterro", disse Alexandre.

O UOL assistiu à reportagem produzida pela TV Vitória. O material jornalístico em momento algum disse mostrar imagens de enterros e, inclusive, explicou que as covas que aparecem na matéria já estavam abertas.

A TV também entrevistou uma coveira sobre a rotina de trabalho em meio à pandemia e relatou os procedimentos de segurança adotados para evitar o contágio de quem trabalha no serviço funerário.

Procurada pelo UOL, a deputada Carla Zambelli afirmou "não ter feito nenhuma fake news" e alegou ter "opinado" sobre a publicação. "Se o UOL retornar ao post e ler com atenção, verá que tão somente emitimos uma opinião a respeito de uma filmagem dentro de um cemitério, onde acreditamos não ser estúdio de gravação. Essa foi a única opinião. Desde quando opinar tornou-se mentira?", diz o texto da nota.

"Quando entendermos ser necessário compartilhar um pensamento com a população, iremos fazê-lo. Fica a critério dos internautas concordarem ou não. Infelizmente, a própria imprensa — que é também formadora de opinião — se esforça para tentar calar pensamentos divergentes. São em afirmações e desvirtuações como estas onde moram a censura e mordaça", completa o texto.

Confira a íntegra da nota oficial da Rede Vitória sobre o ocorrido:

"A Rede Vitória de Comunicação preza pela transparência — por convicção. É em nome deste valor que esclarecemos.

Circula nas redes sociais um vídeo em que uma equipe do nosso jornalismo é acusada de simular enterros. A reportagem trata, na verdade, do trabalho exercido por uma das categorias profissionais mais impactadas neste momento grave de pandemia — os coveiros. A pauta surge a partir de uma denúncia do sindicato que representa esses profissionais, que os mesmos estariam trabalhando em condições não ideais, sem os devidos equipamento de segurança individual. Para compor a reportagem, nossos repórteres registravam o passo-a-passo do trabalho. Ou seja, produziam imagens representativas para compor uma reportagem televisiva. O vídeo gravado descontextualiza o momento, deturpa o fato e cria uma narrativa mentirosa.

Os profissionais envolvidos estão sendo atacados nas redes sociais, de maneira covarde. A Rede Vitória tomará todas as medidas cabíveis, seja fortalecendo a transparência, seja via judicial contra a produção e o compartilhamento do ataque virtual criminoso."