Trump quer reciprocidade do Brasil, ameaça mais tarifas, mas quer negociar
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Numa consolidação de sua estratégia comercial, Donald Trump publicou nesta quinta-feira um plano de aumento de tarifas de importação e o estabelecimento de uma regra que cria um tratamento recíproco contra alguns de seus maiores parceiros comerciais. O Brasil é citado no memorando assinado na Casa Branca como um exemplo de país que pode ser afetado por tarifas por conta de suas taxas impostas sobre o etanol americano.
A situação do combustível e a preocupação do governo brasileiro sobre esse ponto tinham sido antecipadas com exclusividade pelo UOL no último sábado.
Segundo a Casa Branca, o Brasil cobra 18% de tarifas para o etanol dos EUA. Mas os americanos taxam o produto brasileiro em apenas 2,5%. O governo americano destaca que, como consequência dessa discrepância, "os EUA importaram US$ 200 milhões em etanol do Brasil em 2024, mas exportaram apenas US$ 52 milhões em etanol para o Brasil."
"Fazendeiros serão ajudados", disse Trump, numa alusão à possibilidade de exportação que poderão ter.
Apesar das promessas de Trump e de suas ameaças, não se trata da aplicação imediata das taxas e o anúncio sequer se refere a uma ordem executiva. Por enquanto, o presidente apenas assina um memorando instruindo seu governo a construir os próximos passos da nova política. O plano só estará pronto a partir de 1º de abril.
Questionado sobre quando poderiam começar a aplicar as tarifas, Trump repassou a pergunta para seus assessores. O recado era claro: basta os demais países "largarem suas tarifas".
Não há nem a lista de países afetados imediatamente e nem um cronograma para o início da aplicação das taxas. Isso foi interpretado por diplomatas como um sinal de que Washington está disposto a negociar com cada um dos países, individualmente.
Trump, porém, acusou a Europa de agir de forma "brutal" contra o comércio americano e criticou a Índia por suas "elevadas tarifas". Outro foco do americano foi ainda o tratamento dado pelo Canadá aos bens dos EUA e voltou a insistir que o país deveria ser anexado. Ao anunciar o pacote, Trump se referiu ao primeiro-ministro Justin Trudeau como um "governador", numa referência à autoridade de um estado norte-americano.
Taxas brasileiras ao etanol americano são criticadas
Apesar de o anúncio se limitar a um plano, a referência explícita ao Brasil foi considerada como uma preocupação dentro do governo. No caso brasileiro, o etanol é alvo potencial de um contencioso. No memorando de Trump, o produto e o protecionismo brasileiro é citado como um exemplo de algo que os americanos não aceitarão.
Outros exemplos de falta de reciprocidade:
Europa cobra impostos de 10% em carros americanos. Mas os EUA cobram apenas 2,5%
Índia cobra 100% em taxas de motocicletas dos EUA. Mas os americanos cobram apenas 2,4%
Europa barra a importação de mariscos de 48 estados norte-americanos. Mas os EUA têm um mercado aberto para UE.
No caso brasileiro, o país de fato cobra 18% para a entrada do produto americano, ponto que tem sido alvo de críticas por parte de diferentes administrações americanas.
No governo de Jair Bolsonaro, o Brasil eliminou as tarifas para o etanol americano. Mas, nos primeiros meses do governo Lula, o produto voltou a ser taxado em 18%.
Para atender a regiões dos EUA que votaram amplamente pelo republicano, a Casa Branca abraça a reivindicação dos exportadores de estados como Iowa, Nebraska, Missouri, Indiana e Kansas.
O governo Lula também considera que Trump pode usar as tarifas como instrumentos de barganha em outras áreas, ou mesmo como punição. Uma delas seria o tratamento das plataformas digitais no Brasil, alvos constantes de questionamentos por parte do STF.
O Brasil também considera que pode ser "punido" por algum tipo de relacionamento mais próximo com a China, país que define hoje a política externa de Trump. O caso do Panamá foi considerado dentro do governo brasileiro como emblemático. A pressão e ameaças sobre o Canal do Panamá tinha como único objetivo desmontar a presença chinesa na América Central.
Para negociadores brasileiros, ficou evidente nos 20 primeiros dias de governo Trump que a Casa Branca usará o comércio como arma de dissuasão e de barganha. Num discurso na sexta-feira, no Rio de Janeiro, o chanceler Mauro Vieira criticou a "intimidação unilateral" e lamentou o desmonte da OMC, órgão que teria a capacidade de frear atos ilegais por parte de Trump.
No caso brasileiro, o argumento do governo e do setor privado é de que a relação já é favorável aos americanos e que a justificativa de Trump faria pouco sentido.
Isso porque os bens americanos estão entrando no Brasil com taxas inferiores ao que é cobrado pelo país do restante dos parceiros internacionais. Uma análise do fluxo comercial entre os dois países a partir de dados oficiais revela que, se a tarifa média do Brasil ao mundo é de 11%, ela é de menos de 5% para os EUA.
48,1% das importações de bens americanos que entram no país não pagaram qualquer taxa, mais de US$ 15 bilhões. Produtos como carvão siderúrgico ou petróleo fazem parte dessa lista de produtos isentos.
Taxas de 0% a 2% também são cobradas em casos relacionados com motores e partes de produtos que, uma vez montados no Brasil, voltam a ser exportados. Dos dez produtos mais vendidos pelos EUA ao mercado nacional, oito deles contam com tarifas de menos de 3%.
Num outro levantamento da Câmara Americana de Comércio (Amcham), a constatação é ainda de que os EUA contam com um saldo positivo no comércio com o Brasil. Em uma década, o saldo favorável na balança comercial aos americanos somou US$ 100,6 bilhões. Em 2023, o déficit brasileiro foi de US$ 5,3 bilhões.
Em 2024, as exportações brasileiras para os EUA atingiram um volume recorde de US$ 40,3 bilhões em 2024. Mas as importações brasileiras provenientes dos EUA totalizaram US$ 40,6 bilhões, aumento de 6,9% em relação a 2023.
Tarifas como tática negociadora; embaixada do Brasil trabalha por diálogo
Desde que assumiu, Trump passou a usar tarifas e ameaças de medidas protecionistas para forçar parceiros comerciais a negociar. Isso foi feito com México e Canadá.
A UE já iniciou conversas nesta semana e, segundo o UOL apurou, a embaixada do Brasil na capital americana também trabalha para estabelecer um contato.
Trump coloca fim ao tratamento diferenciado entre países ricos e em desenvolvimento
Trump revelou que sua ideia era a de criar o novo mecanismo em seu primeiro mandato. Mas os planos foram abandonados diante da covid-19. Agora, ao equiparar suas tarifas ao que é aplicado contra produtos americanos, Trump também abala um sistema construído nos últimos 70 anos e que prevê que países em desenvolvimento contam com uma proteção maior em seus mercados, justamente para permitir que possam se desenvolver industrialmente.
Com a decisão de Trump, os americanos passam a cobrar de todo o mundo o mesmo que afeta seus produtos, independente do nível de desenvolvimento de um país. A aposta do governo americano é de retomar sua hegemonia industrial e competitividade recorrendo a leis criadas há um século.
A decisão da Casa Branca vem na mesma semana em que Trump estabeleceu uma tarifa de 25% ao aço e alumínio de todo o mundo, com um impacto sobre cerca de US$ 6 bilhões de exportações brasileiras. O governo Lula sinalizou, porém, que quer uma negociação, já que as tarifas apenas entram em vigor em um mês. A UE já iniciou conversas com os representantes americanos e espera chegar a um entendimento. Agora, Trump vai além e indica que estabelecerá regras para equiparar as tarifas que seus produtos recebem em mercados estrangeiros às taxas que são cobradas para os bens importados.
O anúncio ocorre no mesmo dia da chegada do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, para uma visita oficial ao presidente americano.
Ele admitiu que, no curto prazo, os preços para o consumidor local podem subir. Mas aposta que empresas vão optar por mudar suas produções para os EUA e que, "no final das contas", os preços vão cair.
O que disse Trump
Em seus comentários, Trump também indicou que o plano não se limita às taxas de aduana e o tratamento dado a um produto americano nos demais mercados vai pesar.
"Decidi, para fins de justiça, que cobrarei uma tarifa recíproca, ou seja, o que quer que os países cobrem dos Estados Unidos da América, nós cobraremos deles - nem mais, nem menos", disse Trump nas redes sociais.
Seu alerta, porém, é de que incluirá tarifas domésticas para avaliar se um país está tratando os produtos americanos de forma adequada. "Para fins desta política dos Estados Unidos, consideraremos os países que usam o sistema de IVA, que é muito mais punitivo do que uma tarifa, como sendo semelhante a uma tarifa", disse. "O envio de mercadorias, produtos ou qualquer outro nome por meio de outro país, com o objetivo de prejudicar injustamente os Estados Unidos, não será aceito", insistiu.
"Além disso, faremos provisões para subsídios fornecidos por países a fim de tirar vantagem econômica dos Estados Unidos. Da mesma forma, serão feitas provisões para Tarifas Não Monetárias e Barreiras Comerciais que alguns países cobram para manter nosso produto fora de seu domínio ou, se não o fizerem, nem mesmo permitir que as empresas dos EUA operem", alertou. Segundo ele, há como determinar com precisão o custo dessas barreiras comerciais não monetárias.
"É justo para todos, nenhum outro país pode reclamar e, em alguns casos, se um país achar que os Estados Unidos estão recebendo uma tarifa muito alta, tudo o que ele precisa fazer é reduzir ou encerrar sua tarifa contra nós. Não há tarifas se você fabricar ou construir seu produto nos Estados Unidos", disse.
"Por muitos anos, os EUA têm sido tratados injustamente por outros países, tanto amigos quanto inimigos. Esse sistema trará imediatamente a justiça e a prosperidade de volta ao sistema de comércio anteriormente complexo e injusto. Os Estados Unidos ajudaram muitos países ao longo dos anos, a um grande custo financeiro", apontou.
"Agora é hora de esses países se lembrarem disso e nos tratarem de forma justa - UM CAMPO DE JOGO NIVELADO PARA OS TRABALHADORES AMERICANOS. Eu instruí meu Secretário de Estado, Secretário de Comércio, Secretário do Tesouro e Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) a fazer todo o trabalho necessário para entregar RECIPROCIDADE ao nosso Sistema de Comércio", completou.
119 comentários
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Eri Antonio Babbini
O império nos sabotou em tudo que pode, na nossa indústria bélica, tentou sabotar nossa indústria aero espacial ( E X P L O D I N D O a base de Alcântara , com 20 dos nossos melhores cientistas ), sabotou no que pode nosso agro ( com seu protecionismo e subsídios ), sabotou nossa indústria automobilística (quebrando a Gurgel ), vendeu um usina nuclear obsoleta, tentou acabar com nossa centrifugas de enriquecimento de urânio , usou a CIA no G O L P E de 64, Moro e lava jato para aniquilar 5 das maiores empresas de infraestrutura do país, estaleiros, e quase destruiu a Petrobras, se apoderaram a preço de banana do pré-sal, o império disseminou na década de 90, o cancro cítrico nas nossa plantações de laranja ( para tentar barrar a competição ), na mesma época disseminou a ferrugem da soja, pelo mesmos motivos... Mas felizmente temos a Embrapa com sua expertise, contornamos essas sabotagens . Destruíram , Iraque, Afeganistão, Ucrânia, G A Z A
Antonio de Souza Neto
Trump segue em sua promessa de governar os Estados Unidos segundo os interesses de sua população. Somente.
Anderson Pereira
Mas que maravilha. Bote pra torar, laranjinha! Dificulte a entrada de carne, ovos, etanol, café...dessa forma nossos lindos empresários começam a baixar o preço pra gente aqui. Ou baixam ou morrem abraçados com o estoque. Thank You!