Descendentes de povos originários enfrentam invisibilidade e resistem em SP
Emerson de Oliveira Souza é uma exceção. Professor, se diferencia da maioria dos 151 mil docentes do ensino público por ser um dos únicos indígenas a dar aulas em um colégio de periferia da capital paulista.
Ele leciona no distrito de Cidade Tiradentes, a 42 km do centro de São Paulo, na zona leste.
Da etnia guarani nhandeva, ele percebe como a própria sala de aula perpetua a falta de conhecimento sobre os povos originários.
Aos 47 anos e prestes a concluir seu mestrado pela USP (Universidade de São Paulo), defende que os fatos deveriam ser ensinados também pela perspectiva indígena.
A gente não conhece a história. É como se entrássemos na escola para continuar o trabalho das caravelas portuguesas.
Emerson de Oliveira Souza, professor e indígena da etnia guarani nhandeva
O caminho da educação formal não foi fácil para ele. "Mas sou privilegiado por ter terminado os estudos", conta.
Na universidade, não somos indígenas, somos pobres da periferia.
Emerson de Oliveira Souza, professor
Ainda na infância, Israel Raimundo dos Santos, 43, também vivenciou equívocos do currículo escolar. Durante o ensino fundamental, "aprendeu" que a etnia tupinambá, da qual sua família faz parte, era considerada extinta.
Confuso, questionou sua mãe sobre o que havia lido na apostila. "Ela apontou para outras pessoas da rua, nossos parentes, e mostrou que eles também eram tupinambás. Ainda somos tupinambás", afirma.
Orgulho ancestral
A origem da informação equivocada remonta aos primórdios da colonização. Em 1680, missionários jesuítas fundaram uma aldeia indígena em Olivença, na Bahia.
Após a expulsão deles, em 1756, a aldeia passou a ser chamada de vila e, a partir do século 20, os indígenas foram forçados a migrar para a zona rural. Órgãos oficiais da Bahia, como jornais e cartórios, os chamavam de "caboclos" ou "pardos".
Com medo, os tupinambás ficaram reclusos, mas conseguiram preservaram tradições, como a produção de artesanato e a divisão territorial.
Em 1982, a comunidade começou a se organizar para recuperar direitos e, em 2001, os tupinambás de Olivença foram reconhecidos pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
O orgulho dos ancestrais ganhou cada vez mais espaço na vida de Israel, que se tornou Sassá Tupinambá: "Prefiro que me chamem assim".
O processo de construção e consolidação de sua identidade durante quatro décadas trouxe frutos evidentes para as próximas gerações: seus filhos se chamam Iandara, Ywyra e Taigwara e levam Tupinambá no sobrenome.
Entre os indígenas residentes na metrópole de 12 milhões de habitantes e incontáveis arranha-céus, as realidades são múltiplas, como a ocupação dos pankararus em conjuntos habitacionais populares do Real Parque, na região do Morumbi, na zona sul de São Paulo.
Há, também, aqueles que lutam para manter os modos de vida em aldeias. Os guaranis mby'as e guaranis nhandevas vivem, respectivamente, nas Terras Indígenas Jaraguá, na zona norte, e Tenondé Porã, no extremo sul.
A primeira TI, onde vivem 700 pessoas em seis aldeias —ou tekohas, em guarani—, ficou conhecida por ser a menor área indígena do Brasil, com 1,73 hectare (área inferior a dois campos oficiais de futebol), homologada em 1987.
Em 2015, o território teve 532 hectares adicionais reconhecidos pelo governo federal e vive sob pressão para que os limites sejam revisados. Em 2017, o Ministério da Justiça anulou uma portaria que delimitava a reserva. A medida foi revertida pelo MPF (Ministério Público Federal). A área aguarda homologação.
O espaço reduzido no Jaraguá resultou na incidência de doenças entre a população, agravadas pela falta de saneamento básico.
Em janeiro de 2020, a construtora Tenda derrubou mais de 500 árvores de mata atlântica nativa em um terreno de quase 9.000 metros quadrados vizinho à TI Jaraguá, comprado da prefeitura, para construir 11 torres para 2.000 famílias de baixa renda. Segundo a construtora, o projeto prevê a preservação de 50% da área.
No entanto, indígenas alegam que não foram realizadas a consulta prévia, nem o estudo de impacto socioambiental.
Em abril do ano passado, uma decisão da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo proibiu a continuidade das obras. Em nota enviada à Mongabay em janeiro de 2020, a empresa afirma que "a companhia obteve todas as licenças necessárias para cumprir a totalidade dos ritos legais".
Moradora da aldeia Tekoha Ytu, no Jaraguá, Sônia Barbosa, ou Ara Mirim, como foi batizada na cultura indígena, é ativista e difusora da cultura de seu povo por meio de palestras.
Nas eleições municipais de 2020, Sônia integrou a chapa coletiva Jaraguá É Guarani, que obteve 10.580 votos. "Falam que a nossa comunidade é urbana. A gente vê como resistência. A aldeia existia muito antes do bairro e a urbanização chegou até nós", diz.
Além da luta pela demarcação do território, a prioridade é preservar a cultura guarani. "Temos a nossa casa de reza, fazemos os nossos cantos e as nossas danças", relata.
Por morarem em aldeias, há políticas públicas específicas para a população indígena, como o atendimento à saúde e o acesso a escolas. Na zona urbana, eles se misturam ao restante da população. "Já ouvi uma professora chamar o meu filho de índio preguiçoso", afirma Sassá.
Para Souza, há uma questão estrutural de invisibilização. "Costumo dizer que tem os isolados da Amazônia e os isolados da cidade. Ninguém os conhece, não se sabe onde eles estão e não se discute essa presença."
* Este projeto recebeu financiamento do programa de jornalismo de dados e direitos fundiários do Pulitzer Center on Crisis Reporting. Leia a íntegra da reportagem originalmente publicada no site da Mongabay.
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