Após vacinação, Paquetá sonha com retomada mas acesso precário atrapalha
Quem já esteve na cidade do Rio de Janeiro em época de Carnaval já ouviu falar sobre Paquetá. A ideia de ir até uma ilha na companhia de batuques, fantasias e purpurinas e, chegando lá, desfrutar de um pedaço de paraíso com areia, mar e ruas de barro e suas casinhas coloridas é sedutora e atrai centenas de foliões. Para quem vive no bairro cercado pelas águas da baía de Guanabara, o dia em que o bloco sai do continente e atraca na pracinha principal é economicamente abençoado. Tanto que, ao longo do ano, a organização repete a dose: uma festa junina itinerante também costuma acontecer por ali.
Nessas datas douradas, vendedores formais e informais não raramente veem sua mercadoria acabar ainda no meio do dia. Algumas lojas têm de abaixar as portas porque não conseguem mais servir. Os restaurantes têm movimento único. E ainda que haja um movimento de moradores que se opõem à festa, a maioria não vê problema. Sem a autorização desta maioria, não seria possível.
Mas todo esse barulho está suspenso. Desde março de 2020, por causa da pandemia de covid-19, Paquetá já "perdeu" duas festas juninas e um Carnaval. A festa do padroeiro, São Roque, acontece em agosto e também deve ser suspensa pela segunda vez.
No último dia 20, a prefeitura do Rio de Janeiro deu início a um projeto de vacinação em massa na ilha. Todos os moradores adultos que ainda não tinham sido vacinados contra a covid-19 nas etapas anteriores do calendário municipal puderam receber a primeira dose.
O objetivo do estudo é observar como se comporta o coronavírus numa população totalmente vacinada, à exemplo do estudo feito pelo Instituto Butantan na cidade de Serrana (SP). Na cidade paulista, o risco de morte caiu 95% e o de internações, 86%.
O desejo do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), é repetir o feito na ilha carioca. O projeto tem apoio da Fiocruz, responsável por fabricar a vacina AstraZeneca no Brasil.
Paes já anunciou que pretende realizar um evento-teste em Paquetá quando o esquema vacinal de todos os moradores estiver completo. Os primeiros sinais anunciam que será um bloco de Carnaval, no Parque Darke de Mattos — local da imunização em massa —, e com a entrada de poucas centenas de pessoas.
A ideia é testar os efeitos do projeto, contudo, os termos do evento-teste, ou sequer a sua realização, ainda não estão confirmados. Mas moradores ouvidos pelo UOL não se opõem definitivamente à ideia, só temem pelos efeitos.
Depois dessa vacinação, provavelmente o que vai acontecer é as pessoas voltarem a frequentar [a ilha], por entenderem que é um lugar seguro. Ao mesmo tempo, será que essas pessoas que vêm estão testadas e vacinadas?"
Júlio Silva, condutor de ecotáxi na ilha de Paquetá
A crise econômica na pequena ilha
A crise atingiu em cheio o "pequeno paraíso" de cerca de 4.000 moradores. Sem turismo, as ruas pareciam cenário de filme antigo sobre cidade abandonada. Nem aos sábados ou domingos, dias em que turistas do continente costumam desfrutar da ilha, havia movimento.
Júlio mora na Ilha há quatro anos. Ele conta, durante um passeio com a reportagem no ecotáxi, que se mudou pela tranquilidade e pela chance de criar o filho, hoje com 11 anos, longe do movimento do tráfico, que lhe causava medo quando morava no continente, em Cascadura, na zona norte do Rio.
Em Paquetá, trabalha como ecotáxi e acompanha de perto o crescimento do filho, que vai e volta da escola a pé. Durante a pandemia, Julio viu muitos colegas que trabalham na ilha com dificuldade de fechar as contas após perderem o emprego. Ele também trabalha no continente como segurança, no período da noite. "Foi o que me segurou, graças a Deus", resume.
No premiado restaurante Zeca, que fica a poucos metros da estação das barcas — por onde chegam os turistas —, seis funcionários foram demitidos durante a pandemia. Além disso, o local não abre mais às segundas e terças.
"Foi a forma que a gente encontrou para não fechar as portas de vez", explica o funcionário Marcos Ávila, de 37 anos.
O Zeca é um restaurante grande, com três ambientes e uma vista para a Baía de Guanabara que costumava ser bastante disputada. Mas na pandemia o local amargou o vazio.
Morador de Paquetá há 33 anos, ele diz que acompanha de perto as mudanças que acontecem na ilha ao longo do tempo. A notícia da vacinação em massa foi um alívio para Marcos, que já percebeu uma volta tímida dos turistas à ilha nos fins de semana.
É uma garantia maior para quem vem e para quem mora aqui. Eu acho que a tendência é só melhorar. O Carnaval-teste para a gente não deve fazer tanto efeito quanto o Carnaval comum, porque vai ser dentro do parque, mas só de ter um movimento já é um bom sinal."
Marcos Ávila, 37 anos, funcionário do restaurante Zeca, na Ilha de Paquetá
Transporte atrapalha retomada plena
Ainda que turistas estejam voltando a frequentar Paquetá, não é numa quantidade que alivie completamente os trabalhadores dali. Segundo eles, um problema ainda trava o êxito econômico do local: o horário das barcas, único meio de transporte entre o centro do Rio de Janeiro e a ilha de Paquetá.
Já na ilha, os meios de transporte são os ecotáxis — uma espécie de bicicleta que leva duas pessoas —, as bicicletas comuns e os carrinhos elétricos, muito utilizados para passeios turísticos. Somente serviços públicos (polícia, bombeiros e saúde) têm autorização para veículos motorizados.
A administração do transporte marítimo é responsabilidade da CCR Barcas, concessionária que cobra R$ 6,90 pelo trecho. Nos fins de semana, a CCR disponibiliza seis horários de ida (4h, 7h, 10h, 13h, 17h e 22h) e volta (5h30, 8h30, 11h30, 14h30, 18h30, 23h30).
É exatamente este período longo entre as barcas da tarde e da noite que gera mais problemas para quem mora ali. A retomada tímida dos turistas, observada por Marcos Ávila, já aconteceu no verão. Mas a baixa capacidade de transporte das barcas de volta, diz uma trabalhadora do turismo, afastou quem tentava curtir a ilha.
A fila fica enorme, com crianças e idosos, e quando a barca lota, eles fecham. Quem não tiver entrado na de 18h30, tem que esperar até as 23h30. O que acontece? Todo mundo fica deitado na praça, chegam até a dormir. O intervalo de 5 horas é impossível."
Rafaela Fonseca, 23 anos, condutora de carro elétrico para turismo na ilha
Rafaela começou a trabalhar no carrinho elétrico em fevereiro deste ano, a exemplo da mãe. Linda Carvalho, 58 anos, já soma seis anos no trabalho local, entre o carrinho elétrico e o ecotáxi.
Durante a pandemia, Linda conta que viu a ilha vazia como nunca antes. Para segurar as contas de casa, trabalhou em vários "bicos", principalmente como faxineira.
O movimento de turistas ainda é pequeno, e por isso Linda não deixou de fazer outros trabalhos: "Ainda não está legal. E as barcas atrapalham muito. Do jeito que está, acabaram com Paquetá". Em nota, a CCR Barcas informou que os horários cumprem decisão judicial anterior à pandemia e o decreto 47.128/2020 do governo estadual.
A decisão citada pela concessionária foi um acordo após a proposta de adicionar uma parada no trecho entre Centro do Rio e Paquetá. A ideia da CCR dobraria o tempo de viagem, que atualmente é de 50 minutos.
No decreto estadual, o governo mantém os horários acordados na Justiça. A CCR não respondeu ao UOL se há intenção de diálogo com moradores para aumentar ou modificar os horários, mas afirmou que houve queda de 34% na demanda de utilização da linha, e de 30% na ocupação das embarcações.
O transporte é mais um dos elementos que ajudam a construir a ideia de que Paquetá é um paraíso. Mas, como em todo lugar, há rixa entre vizinhos e a tentativa de impor opiniões e discussões acirradas sobre posicionamentos políticos.
O fato de uma moradora dizer ao ministro da saúde, Marcelo Queiroga, que não queria ser vacinada por ele não foi unanimidade entre os habitantes, por exemplo. Os que bradam contra a vacina, apesar de serem numericamente poucos — 96% da população adulta foi vacinada —, existem também por ali.
Ainda assim, a pequena ilha tenta acordar depois de uma longa noite e sonha com mais embarcações atracando no cais da praça principal com purpurina, batuques e centenas de turistas. Esse momento, acreditam os moradores, será o "fim do pesadelo" vivido nos últimos 15 meses.
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