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Estudante de medicina denuncia colega de curso por racismo, em São Paulo

Na imagem, Thiago Fuzatti junto à mãe, Márcia Fuzatti, que se revolvou com tratamento dispensado ao filho - Arquivo Pessoal
Na imagem, Thiago Fuzatti junto à mãe, Márcia Fuzatti, que se revolvou com tratamento dispensado ao filho Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

27/08/2021 19h31

O estudante de medicina Thiago Fuzatti, de 23 anos, denunciou à polícia um colega de curso que o teria impedido de entrar em um elevador da Universidade São Judas Tadeu, em Cubatão, no litoral de São Paulo. O universitário afirma que, segundo o agressor, ele teria sido proibido de entrar por ser, além de negro, "sujo e fedido".

A agressão verbal foi testemunhada por outros colegas do estudante, que o acompanharam até a delegacia para registrar um boletim de ocorrência por racismo. Ele seria vítima de perseguição por parte do suposto agressor desde que ambos ingressaram na universidade, em 2019.

O caso ocorreu na manhã de ontem, na volta do intervalo entre as aulas. O universitário estava acompanhado de outros estudantes quando tentou entrar no elevador e foi impedido pelo rapaz. "Ele disse que eu não podia entrar porque eu era sujo e fedido. Eu segurei a porta do elevador e exigi que ele me pedisse desculpas. Mas ele ficou rindo. Minutos depois, ele saiu e caminhou para as escadas, dizendo: 'você é sujo mesmo, seu preto'".

Fuzatti contou ao UOL que o rapaz que o ofendeu é branco, loiro, rico e tem uma namorada influencer de olhos azuis. Ele cursa o mesmo semestre que ele, mas em turmas diferentes. Eles participam, porém, de algumas aulas na mesma classe, o que torna as coisas ainda mais difíceis.

"Ele faz o tipo 'heterotop'. É fortão, faz crossfit, é metido a machão, ofende colegas nossas que são gordinhas, diz que não adianta pobre tomar Coronavac porque nunca vai pegar avião, coisas desse tipo. Espero que a Justiça seja feita. Ele gosta de fazer os outros sofrerem, então que sinta na pele como é isso", resumiu.

Essa não é a primeira vez que o estudante é vítima das agressões do colega. O rapaz supostamente o acusaria regularmente de só estar cursando medicina por conta do programa de cotas raciais. Há seis meses, chegou a perguntar para a namorada da vítima como ela podia namorá-lo, afinal, ele seria, além de negro, "sujo".

"Ele não estuda por cotas raciais, eu pago integralmente as mensalidades", afirmou ao UOL a mãe de Thiago, a advogada Márcia Fuzatti, que soube do ocorrido quando o filho telefonou para ela, chorando, ontem pela manhã, contando o que aconteceu. "Meu filho é um aluno excelente. Ele é muito dedicado, suas notas sempre são altas. E esse rapaz vive dizendo que ele cola nas provas, que ele não pode ser inteligente, o que é uma mentira".

O UOL tentou contato com o universitário que teria agredido o colega de classe em busca de respostas, por telefone e mensagens de texto, mas, até o momento, ele ou um defensor apontado não retornaram as tentativas da reportagem. O espaço segue aberto para atualizações, tão logo esclarecimentos sejam prestados.

Prisão preventiva em vista?

Márcia procurou um amigo, advogado criminalista, que abriu um processo para pedir a prisão preventiva do estudante de medicina que teria agredido Thiago.

No boletim de ocorrência, lavrado pelo delegado Fábio Guerra, da 1ª DP de Cubatão, a natureza do crime aparece como "preconceito de raça ou de cor", citando a lei 7716/89, que dispõe sobre os crimes de racismo. Em seu artigo 11º, ela determina pena de um a três anos e reclusão a quem "impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos".

"A sociedade não aceita mais esse tipo de conduta. É imprescindível o combate ao preconceito, ainda mais na situação atual que vive o País", afirmou a mãe do estudante, lembrando da emoção que sentiu ao saber da reação dos colegas de faculdade do filho em relação ao ocorrido.

Segundo Thiago, que também é vice-presidente da Liga de Medicina Esportiva da universidade, eles se recusaram a permanecer na classe com o suposto agressor e o enviaram, assim como fizeram vários professores e funcionários, dezenas de mensagens de solidariedade.

Thiago - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Thiago começou o curso de medicina em 2019 e, desde então, lidava com piadas e xingamentos do agressor
Imagem: Arquivo Pessoal

Contra a impunidade

"Espero que ele pense duas vezes antes de ser prepotente e arrogante com outras pessoas novamente. Isso não é por mim, porque tenho cabeça boa e, na real, não me atinge. Mas quando ele toma atitudes como essa, está atingindo toda uma comunidade. Que sirva de lição para o resto da vida", afirmou o universitário.

Amiga pessoal de Thiago, a vice-presidente do Centro Acadêmico da Universidade São Judas, Ana Luíza Bernardes, se diz estarrecida com o acontecido. Ela foi uma das pessoas que acompanharam o estudante até a delegacia para formalizar a queixa.

"Ele é uma pessoa incrível, com o coração muito bom, não merecia passar pelo que passou. E eu tenho certeza que a mobilização dos alunos contra o agressor foi o que o motivou a dar prosseguimento à denúncia. Quem não se manifesta a favor de quem sofre a injúria, acaba dando forças ao opressor".

Por meio de nota, a Universidade São Judas Tadeu declarou que repudia qualquer atitude discriminatória realizada contra qualquer pessoa, dentro ou fora da comunidade acadêmica. Sobre o fato ocorrido, a instituição informa que realizou o acolhimento imediato ao estudante e instaurou uma sindicância para apurar os fatos e tomar as providências cabíveis.