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Altura, histórico e lava: por que vulcão em La Palma não é ameaça ao Brasil

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

23/09/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Novos estudos no Cumbre Vieja afastam possibilidade de tsunami
  • Característica não é de erupção explosiva, capaz de gerar ondas gigantes
  • Para alcançar altura para o fenômeno, vulcão precisa de mais 50 mil anos

A erupção do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma, está causando avanço de lava e destruição nas Ilhas Canárias (Espanha). Mas, apesar de ter sido apontado como um eventual causador de tsunami no Brasil, a possibilidade real disso ocorrer é nula.

Especialistas ouvidos pelo UOL citaram novos estudos para fazer a afirmação. Com isso, apontam uma combinação de fatores fora de uma realidade capaz de gerar ondas gigantes no outro lado do oceano Atlântico —apesar de ser território espanhol, o vulcão fica na costa noroeste africana.

A hipótese de um tsunami surgiu em 2001, quando os geólogos Steven Ward —do Instituto de Geofísica da University of Califórnia (EUA)— e Simon Day —do Departamento de Ciências Geológicas da University College, de Londres (Inglaterra)— fizeram o estudo de uma eventual explosão que lançaria uma quantidade gigante de material no mar.

Só que, para que um tsunami ocorresse, seria necessária uma erupção explosiva que jogasse no oceano 500 km³ de material.

"Isso seria o equivalente a 50 mil [estádios] Maracanãs aproximadamente. Em termos de natureza, não seria algo excepcional; mas, em termos de vulcão, sim", explica Fábio Braz Machado, membro da Sociedade Brasileira de Geologia e professor e pesquisador em petrologia ígnea da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Machado diz que, além do famoso artigo de 2001, outros artigos fizeram análise semelhante do risco, com modelos com lançamentos ao mar que variavam entre 150 km³ e 500 km³.

Vulcão de Cumbre Vieja entra em erupção, nas Ilhas Canárias (Espanha) - FORTA/via REUTERS - FORTA/via REUTERS
Vulcão de Cumbre Vieja entra em erupção, nas Ilhas Canárias (Espanha)
Imagem: FORTA/via REUTERS

Volume lançado inédito

Só que o pesquisador explica que uma erupção explosiva dessa proporção nunca foi registrada. "Os vulcões podem lançar 100 km³, ou 20% do modelo que foi proposto em 2001. Nunca tivemos um lançamento de 500 km³. Isso é o extremo", afirma.

Mas o que acontece se houver um lançamento de 100 km³? Machado diz que poderia ter um impacto por aqui, mas algo leve.

"A gente pode sentir uma ressaca, mas nada que seja perto de um tsunami", conta, citando que, em 1666, há relatos de ressaca do mar no litoral baiano causado por erupção vulcânica.

O que é erupção explosiva?

O pesquisador explica o termo. "Quando um vulcão entra em erupção, ele alivia a pressão e para durante décadas. Mas ele fica lá, solidificando, e o topo é selado novamente", diz.

"Porém, lá embaixo existe uma ligação entre o manto e a crosta terrestre. A pressão vai se acumulando até que ela consiga romper essa resistência, e aí ela vaza. Se o material de cima for muito resistente, há uma explosão. Isso ocorreu com o colapso do vulcão do monte Santa Helena (EUA), em maio de 1980, quando toda parte sul da cratera foi pelos ares. Em Pompeia [Na Itália, no ano 79], também toda cratera foi lançada", diz.

Com uma grande explosão, todo aquele material que está cobrindo o vulcão, como rochas ou materiais de outras erupções, ou mesmo gelo [se ele estiver a mais de 1.800 metros], pode ser lançado em superfície e cair em determinado local. No caso do Cumbre Vieja, se for a oeste, pode cair no oceano.
Fábio Machado, professor e pesquisador

Depois de entrar em uma erupção, ele conta que o natural é que o vulcão adormeça por alguns anos. "A pausa, entre uma erupção e outra, é de muitos anos. A erupção vai voltar a ocorrer, mas vulcões desse tipo oscilam até 300 anos sem atividade", afirma.

"A tendência é que o Cumbre Vieja se acalme. Se ele liberou a pressão principal, agora é só escoar, como se estivesse finalizando o processo."

Altura longe de causar risco

A vulcanóloga Kellin Schmidt diz que a hipótese levantada sobre uma possível explosão e colapso de parte da ilha só aconteceria se houvesse uma instabilidade, o que não existe hoje nem deve se apresentar por séculos.

"Seria necessário que o edifício vulcânico Cumbre Vieja alcançasse mais de mil metros sobre a elevação atual. Para que essa altitude seja alcançada, serão necessários mais 50 mil anos, tomando como referência a taxa média de crescimento da ilha", explica.

Formada na UnB (Universidade de Brasília), a pesquisadora mora em Madri (capital da Espanha) e hoje é responsável pelo projeto "Volcano Expedition". Ela está acompanhando de perto a erupção em La Palma e cita que ela é do tipo do estromboliana, sem riscos de explosão.

"Ou seja, de baixo índice de explosividade, em que os maiores riscos são os fluxos de lava e as emissões de gases", cita.

As últimas duas erupções do vulcão Cumbre Vieja ocorreram em 1945 e 1971, sem explosões. Ela afirma que estudos recentes apresentam condições de estabilidade do Cumbre Vieja, além de terremotos de baixa magnitude e uma erupção de baixo índice de explosividade. "Sendo assim, é muito pouco provável que aconteça um tsunami", afirma.

Conhecimento evoluiu

A professora de geologia Carla Barreto, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), diz ainda que o conhecimento na área evoluiu muito desde que foi feita aquela modelagem, em 2001.

"O trabalho ali foi um modelamento experimental. O conhecimento foi evoluindo e se percebeu que aquilo que eles escreveram já não pode ser considerado", diz.

São vários trabalhos, e o próprio monitoramento no arquipélago das Canárias mostra que o vulcão não tem características de grandes erupções explosivas. E o estudo não levava em consideração as correntes marinhas no oceano Atlântico e o tipo de erupção básica que está ocorrendo agora.
Carla Barreto, professora de geologia da UFPE

Barreto reforça que o Cumbre Vieja não apresenta características de explosão capazes de alcançar o volume usado pelo modelo para gerar tsunami.

"No histórico de erupções que já ocorreram nesse vulcão, ele sempre apresentou baixa explosividade. Esses vulcões, em geral, tendem a manter os seus níveis de explosividade. O que ocorre hoje são erupções efusivas, ou seja, o derrame de lava. Isso só gera transtornos para quem mora próximo", diz a pesquisadora, chefe do projeto "Vulcões e Viagens."

Cenário atual

Distância - Reprodução Google  - Reprodução Google
Vulcão em La Palma, na Espanha, fica a 4.400 km de São Luís
Imagem: Reprodução Google

Diante de todas essas informações atuais, os pesquisadores são unânimes em apontar que não há risco de erupção explosiva, já que a pressão que poderia causar a explosão foi liberada —como mostram as imagens de lavas saindo de dentro dele e correndo pela ilha.

"Foi a pressão que fez com a lava escorresse", afirma Fábio Machado, apontando outros lugares mais plausíveis para preocupar os brasileiros com vulcões internacionais.

"É muito mais fácil um dos 88 do Chile lançar cinzas para o Sul e Sudeste do Brasil do que uma onda alcançar o nosso litoral leste", finaliza.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o volume de material expelido por vulcões é medido em km³, e não em km². O texto foi corrigido.