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Fazendeiro nega abandono de búfalos em Brotas (SP): 'Amo animais'

Proprietário da fazenda Água Sumida diz que apenas búfalas idosas estão morrendo e que ele não as abandonou - Reprodução/ONG ARA
Proprietário da fazenda Água Sumida diz que apenas búfalas idosas estão morrendo e que ele não as abandonou Imagem: Reprodução/ONG ARA

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

01/12/2021 11h39Atualizada em 01/12/2021 21h21

O fazendeiro Luiz Augusto Pinheiro de Souza, multado em aproximadamente R$ 4 milhões por crimes ambientais e maus tratos na fazenda Água Sumida, em Brotas (SP), decidiu falar sobre a situação dos mais de 1.000 búfalos que estão sob os cuidados de ONGs e voluntários há duas semanas. Segundo ele, as entidades partem de "premissas falsas" ao acusarem-no de abandonar os animais à morte. "Amo animais", diz ele, que afirma que seu erro foi não ter abatido os espécimes que ficaram idosos. Os ativistas refutam as alegações.

Souza responde a um inquérito conduzido pela Polícia Civil de Brotas para apurar se ele cometeu os crimes de maus tratos, poluição ambiental e associação criminosa. Ao UOL, ele afirmou que a a magreza das búfalas é considerada uma característica do tipo de gado leiteiro que cria.

Luiz Augusto Pinheiro de Souza - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
O fazendeiro afirma que não abandonou os animais e que as acusações contra ele partem de premissas falsas
Imagem: Reprodução/TV Globo

Baseado nessa alegação, o fazendeiro acredita que as premissas dos voluntários que estão em sua fazenda não são verdadeiras e que as fêmeas criadas como leiteiras são naturalmente mais magras que as criadas para o corte, para o fornecimento de carne.

As búfalas e vacas para leite são muito magras, pois convertem em leite a proteína produzida pelo rúmen [uma das partes do estômago do ruminante]. São magras, com um úbere [conjunto de tetas] enorme. Já as vacas e búfalas para corte convertem a proteína em carne, massa muscular e não em leite. Assim, o animal de leite sempre vai ser magro. Os visitantes estão olhando nossas búfalas de alta produção leiteira esperando que sejam carnudas, como as de corte.

Um estudo da Embrapa coordenado por Rui Machado, Rafaela Francini Correa, Rogério Taveira Barbosa e Marco Aurélio Bergamaschi explica que existe um sistema de medição do escore corporal do gado leiteiro. Segundo os veterinários voluntários que estão atendendo os animais, o escore das búfalas está entre 1 (muito magras) e 2 (magras), numa escala até 5, o que é baixo para o tipo de criação.

Em virtude da "grande demanda e repercussão" do caso, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) enviou representantes até a fazenda para fazer um diagnóstico e reconhecimento de situação emergencial. Leonardo Maggio de Castro, presidente da Comissão de Resgate Técnico Animal e Medicina Veterinária de Desastres do CRMV-SP, afirmou ao UOL que um escore corporal entre 1 e 2 geralmente não é adequado em qualquer período do ciclo produtivo.

"Ainda há um agravante pelo fato delas (as búfalas) provavelmente não estarem em produção leiteira, portanto, em situações de manejo adequado, deveriam estar com um escore melhor", explica Castro. "Em linhas gerais, fêmeas no período de secagem e pré-parto, quando bem manejadas, devem estar com escore corporal entre 3 e 4, numa escala de 1 a 5. A diminuição do escore geralmente acontece até atingir o pico de lactação, não devendo ser menor que 2 a 2,5 e o reestabelecimento deve ser atingido até o final da lactação".

Desolação

Voluntários que atendem os animais desde que o caso veio à tona, após uma denúncia anônima, alegam que o cenário é de desolação, com animais desnutridos. Foi montada uma espécie de hospital de campanha no local.

Os animais foram encontrados desnutridos e com problemas renais e no fígado, além de apresentarem escaras pelo corpo - Reprodução/ONG ARA - Reprodução/ONG ARA
Os animais foram encontrados desnutridos e com problemas renais e no fígado, além de apresentarem escaras pelo corpo
Imagem: Reprodução/ONG ARA

Numa ação rápida, a ONG ARA (Amor e Respeito Animal) obteve um auto de depósito dos animais, lavrado pelo delegado que cuida do caso. Na sexta-feira (26), um segundo pedido de tutela antecipada, deferido pela Primeira Vara da Justiça da Comarca de Brotas, determinou que 50 pessoas podem estar no local e a tutela foi concedida à ONG em urgência. O pecuarista está proibido de suspender energia elétrica e obstruir ou impedir a utilização da água dos poços.

No sábado (27), especialistas em Patologia da USP (Universidade de São Paulo) e Unesp (Universidade do Estado de São Paulo) foram ao local realizar exames necroscópicos nos cadáveres.

"Houve dificuldade em localizar o órgão fiscalizador que seria responsável pelo caso, nas três esferas de poder", afirmou Vânia Plaza Nunes, coordenadora do Grupo de Resgate de Animais em Desastre, uma força-tarefa do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, do qual é diretora técnica.

Tivemos problema para enterrar os animais mortos. Os órgãos municipais, estaduais e federais foram atenciosos mas pareciam pouco dispostos a assumir a responsabilidade pela ocorrência. Outra dificuldade tem sido descobrir a área total da fazenda.

Gado foi encontrado na fazenda com o peso abaixo do recomendado pela medicina veterinária - Reprodução/ONG ARA - Reprodução/ONG ARA
Gado foi encontrado na fazenda com o peso abaixo do recomendado pela medicina veterinária
Imagem: Reprodução/ONG ARA

O pecuarista

Filho de nordestinos, o pecuarista conta que o pai migrou para capital paulista aos 17 anos. Para custear os estudos, trabalhava como vendedor de manteiga. Depois comprou as terras passadas para o filho após sua morte.

A fazenda sempre foi produtiva, há 50 anos. Era gado nelore e, de 10 anos para cá, cuidamos de búfalas leiteiras. Há 4 anos, uma parte da fazenda foi arrendada para soja. As áreas em que os búfalos ficam têm muitas árvores e não servem para soja. É um absurdo dizer que os abandonei para plantar soja. Estava reformando o pasto para plantar capim. Os búfalos não estão morrendo. Tem um ou outro mais fraquinho. Tem outros interesses por trás, que justificam dizer que tem 1.000 morrendo.

Na sua versão, Souza diz que os voluntários podem ter se alarmado com algo que acontece em qualquer fazenda: a decadência e a morte de animais velhos. Segundo ele, grande parte de suas búfalas são idosas.

O meu erro foi não tê-las abatido quando ficaram velhas. Então, morrem naturalmente, por senilidade, picada de cobra... Como todo ser vivo. A fazenda sempre teve muito gado. Logo, morre muito também, mas está dentro da porcentagem aceita pela Casa da Agricultura. Uma porcentagem vai continuar morrendo.

O UOL buscou informações junto à Coordenadoria de Defesa Agropecuária de Araraquara, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e que coordena as atividades da Casa da Agricultura da região de Brotas. Segundo o órgão, as competências da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, com exceção das relativas à inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal, estão previstas no Decreto Estadual nº 45.781/2001 e não contempla questões pertinentes ao bem-estar animal.

Com relação a informações sobre o escore corporal dos animais, o órgão aponta, por meio de nota, que essa questão "tem caráter zootécnico e, assim como o bem-estar animal, não são de competência desta Coordenadoria".

O secretário municipal de Agricultura de Brotas, Douglas de Freitas, afirmou que não existe legislação que defina percentual "aceitável" para mortes de animais em fazendas.

"Após consulta ao EDA (Escritório de Defesa Agropecuária), fomos informados que não há legislação que rege índice de tolerância para número de mortes em relação ao total do rebanho em uma propriedade. Para analisar essa questão, usam-se os índices zootécnicos, que refletem em números o desempenho da produção. Quanto ao Índice de Mortalidade Geral, este mostra a porcentagem de animais que morreram em relação ao número de animais da fazenda em um período. Tal índice pode ajudar a identificar problemas sanitários", disse ele.

O UOL solicitou informações sobre os registros dos profissionais em medicina veterinária e zootecnia que teriam que assumir a responsabilidade técnica na fazenda Água Sumida ao Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo, mas até o fechamento desta matéria, não houve resposta.

Sem água e sem comida

O fazendeiro refutou as alegações de que os animais foram achados sem comida e sem água e diz que existe na fazenda um sistema que armazena mais de 20 mil litros de água. A ausência de água teria sido a primeira das transgressões do pecuarista.

A fazenda conta com um sistema capaz de armazenar e distribuir mais de 20 mil litros de água, segundo o pecuarista - Arquivo Pessoal/Luiz Augusto Pinheiro de Souza - Arquivo Pessoal/Luiz Augusto Pinheiro de Souza
A fazenda conta com um sistema capaz de armazenar e distribuir mais de 20 mil litros de água, segundo o pecuarista
Imagem: Arquivo Pessoal/Luiz Augusto Pinheiro de Souza

"A primeira multa foi por não ter água no local, mas temos imagens da estrutura de mais de 20 mil litros de água. Sabendo que as vacas eram velhas e não haviam maus tratos, não me preocupei, pois pensei que comprovaria tudo em ação própria. Só que na mídia virou esta bola de neve, baseada em premissas falsas", disse ele.

Sobre a multa por maus tratos, ele alega ser de responsabilidade da ONG. "Ela que está na gestão. A ONG as tirou de um pasto grande e trouxe para este local, para ficar mais perto, mas sem pasto. A ONG está nos trazendo multa por maus tratos. Neste deslocamento, umas se machucaram e perdemos algumas nas matas."

Cemitério de animais

Souza diz que ainda não sabe se vai continuar tocando as atividades, pois teria problemas para abater as búfalas velhas, para não morrerem na fazenda.

Acho judiação abater um animal porque está velho, sendo que te serviu a vida toda. Amo animais. Quando meu pai faleceu, saí de São Paulo para morar na fazenda. A búfala, em especial, é o máximo. Dócil, inteligente, fraternal. Alimenta o bezerro dela e de outras búfalas.

Detalhe de três das mais de 150 carcaças de búfalo encontradas sob a terra na fazenda, segundo ONG - Arquivo Pessoal/Fernando Garcia/@1pic4younow - Arquivo Pessoal/Fernando Garcia/@1pic4younow
Detalhe de três das mais de 150 carcaças de búfalo encontradas sob a terra na fazenda, segundo ONG
Imagem: Arquivo Pessoal/Fernando Garcia/@1pic4younow

Uma das multas diz respeito a poluição ambiental, por conta de uma vala irregular encontrada pela polícia com ao menos 29 carcaças. O fazendeiro afirma que confundiram o local com um "cemitério de animais". "Fotografaram o cemitério e divulgaram sem dizer que é um cemitério."

A advogada Antília da Monteira Reis, que representa a ONG ARA, diz que existem fotos, vídeos, laudos e documentos que comprovam crime ambiental.

Já foram desenterradas mais de 150 carcaças, e encontramos mais de 300 plaquinhas de identificação de outros animais mortos. Isso vai além do que os veterinários identificam como um índice de fatalidade aceitável e exigida da Agropecuária, que é de 3% do rebanho. Sem contar que já foram confirmados, desde que chegamos, 27 óbitos de animais. Outros 22 corpos foram encontrados 'no quintal'. Só aí já temos um terço do rebanho morto.

Ela também rebateu a afirmação de que as búfalas eram velhas ou estariam magras por serem leiteiras. Antília diz que grande parte delas possui 3 anos de idade (um búfalo vive até os 15 anos, aproximadamente) e estão em magreza extrema, mesmo para uma fêmea lactante.

Advogada da ONG ARA revela que foram encontradas mais de 300 etiquetas de identificação de bois já mortos - Arquivo Pessoal/Fernando Garcia/@1pic4younow - Arquivo Pessoal/Fernando Garcia/@1pic4younow
Advogada da ONG ARA revela que foram encontradas mais de 300 etiquetas de identificação de bois já mortos
Imagem: Arquivo Pessoal/Fernando Garcia/@1pic4younow

Trata-se de uma fazenda de extração de leite em que as fêmeas sequer estão produzindo leite. O instituto de criminalística esteve aqui e conferiu que não havia água e nem comida suficientes. Os animais estão com problemas no fígado por ficarem tanto tempo sem água e comida. A maioria não consegue andar.

Cercas elétricas impediam hidratação

Quanto à alegação de que a fazenda possui água, a advogada afirma que, apesar da abundância hídrica, os bichos eram impedidos de ter acesso.

A maior sordidez desse caso é que a fazenda tem lugar para armazenar água, tem nascentes, e os animais eram confinados com cercas elétricas, deixados para morrer a metros das nascentes.

Imagem do outro módulo do sistema de abastecimento de água da fazenda que segundo o pecuarista, seria capaz de atender os animais - Arquivo Pessoal/Luiz Augusto Pinheiro de Souza - Arquivo Pessoal/Luiz Augusto Pinheiro de Souza
Imagem do outro módulo do sistema de abastecimento de água da fazenda que segundo o pecuarista, seria capaz de atender os animais
Imagem: Arquivo Pessoal/Luiz Augusto Pinheiro de Souza

Ela diz ainda que uma fez uma varredura com drones nas fazendas vizinhas e não constatou gado com as condições debilitantes dos animais da Água Sumida.

Sobre as doações, a advogada reitera que uma auditoria cuida das verbas arrecadadas.

Elas estão sendo revertidas integralmente na operação de salvamento. Tentar dizer que deveríamos ser responsabilizados pela multa por maus tratos só pode ser piada. Os ativistas estão gastando de R$ 10 mil a R$ 12 mil por dia para alimentar os animais, sem contar gastos com medicamentos, insumos e vitaminas.

Estado presta assistência a ONG

A Coordenadoria de Defesa Agropecuária de Araraquara, que cuida da região de Brotas, afirma que "tem prestado toda assistência à ONG ARA. As orientações e sugestões ofertadas foram: vacinação dos animais e separação por idade".

Por recomendação do órgão e da Cetesb, os ativistas iniciaram o enterro dos animais mortos. Hoje pela manhã, equipes de voluntários trabalhavam na tarefa. A orientação é de que as carcaças sejam enterradas longe de mananciais e das APPs (Áreas de Preservação Permanente).

O órgão lembra ainda que a Lei Federal nº 9.605/1998 prevê sanções penais e administrativas àqueles que pratiquem condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Como ajudar

Para contribuir com o trabalho que vem sendo realizado pelos voluntários na fazenda Água Sumida, podem ser encaminhadas doações por pix - CNPJ 14.732.153/0001-38. Mais informações podem ser obtidas em ajudeara@gmail.com e no Instagram.