Brotas: Abandono de búfalos gera multa de R$3,5 mi; ONG tenta salvar bichos
O inquérito policial que está sendo conduzido em Brotas, no interior de São Paulo, para apurar responsabilidades pelos maus tratos aos 1.056 búfalos e 72 cavalos e éguas da fazenda Água Sumida deve ser entregue ao Ministério Público Estadual na próxima semana. Somados, os crimes podem render 500 anos de prisão aos responsáveis. As multas aplicadas pela Polícia Ambiental já chegam a R$ 3,5 milhões. Voluntários que auxiliam os animais alertam que o pior está por vir: a população de búfalos irá quase dobrar em pouco tempo, já que cerca de 90% dos bichos abandonados são fêmeas prenhas.
O cenário encontrado na fazenda pelas equipes de veterinários, ambientalistas e representantes de ONGs é de caos. Os animais foram confinados a uma área restrita e seca, sem água e sem comida. Muitos não conseguiam nem erguer o corpo, dado o grau de desnutrição e desidratação.
Ao menos 22 búfalos já morreram e outras 29 carcaças foram encontradas pela polícia em uma grande vala, sob a superfície da terra. Para sobreviver, alguns animais estavam roendo troncos de árvores, na tentativa de obter algum nutriente.
Cerca de 20 pessoas, entre representantes de ONGs, médicos veterinários e voluntários estão se revezando para cuidar dos animais sobreviventes. No caso dos búfalos, as fêmeas, maioria, estão prestes a dar à luz novos bezerros.
"Em pouco tempo, o número de animais instalados aqui irá dobrar. Isso é muito preocupante", declarou ao UOL a publicitária e ativista Larissa Maluf, que chegou à fazenda no dia 8 de novembro. "Somos 20 voluntários, mas só 10 podem entrar na fazenda por conta de uma limitação judicial. Montamos um hospital de campanha, conseguido pela ONG Amor e Respeito Animal (ARA), que está tratando dos 15 casos mais graves. Mas só podemos cuidar desses casos considerados graves".
Larissa conta que, quando chegou à fazenda, encontrou os animais confinados em uma área sem pasto e sem água. A prefeitura de Brotas, segundo ela, está colaborando no fornecimento de água para que sejam criadas piscinas artificiais para os animais suportarem o clima seco e o calor excessivo que vem assolando a região.
São necessários diariamente 11 mil litros de água e 10 toneladas de alimentos, como feno e farelo de milho, para alimentar os animais. Por dia, são gastos entre R$ 5 mil e 6 mil, obtidos com doações colhidas por ONGs que se propuseram a abraçar a causa. Até o momento, mais de R$ 100 mil já foram obtidos para a compra de alimentos.
Responsável pelo hospital de campanha, o médico veterinário Maurice Gomes Vidal informou que os problemas mais sérios que acometem os bichos são a caquexia severa (magreza excessiva, fraqueza), falência dos rins e do fígado, escaras de decúbito (feridas pelo corpo), bicheira e comprometimento pulmonar.
"Quem gerenciava a fazenda disse que os animais estavam velhos e, por isso, foram deixados para morrer. Porém, o animal mais velho que encontrei tinha 12 anos de idade. Para se ter uma ideia, um búfalo vive de 25 a 30 anos. Contamos com a ajuda das pessoas agora para que possamos obter mais unidades de soro vitaminado e medicamentos antitóxicos, de forma a regularmos as funções renais e hepáticas".
Coordenador da ONG ARA, Nelson Alex Parente afirmou que, graças a um auto de depósito lavrado pelo delegado que cuida do caso, a entidade se tornou depositária de todos os animais. Ele chegou a pedir a transferência dos búfalos para fora da fazenda, mas a Justiça ainda não concedeu a permissão.
"Nós não estamos nessa guerra para que daqui a dois, três meses, quando esses animais estiverem recuperados, irem parar no frigorífico", afirmou Parente. Nós estamos lutando por sua libertação. Por tudo o que esses animais passaram, o mínimo que pode ser feito é a Justiça me dar essa tutela definitiva. Que consigamos uma propriedade onde possamos acomodar todos e dar dignidade ao resto de vida deles. Para isso, vamos lutar com todas as forças".
"Nunca, em 20 anos de Polícia Civil, vi um caso como esse", declarou o delegado Douglas Brandão Amaral, que conduz as investigações. "No sábado, uma equipe de Patologia Animal da USP (Universidade de São Paulo) irá à fazenda para analisar as carcaças, com o objetivo de atestar que as causas das mortes foram mesmo o abandono e os maus tratos".
O delegado lembrou que a polícia emitiu ordens de prisão em flagrante em duas oportunidades. Na primeira, o proprietário da fazenda, Luiz Augusto Pinheiro de Souza, chegou a ser preso, acusado de maus-tratos, mas foi libertado após pagar fiança. Na segunda, o administrador e o segurança também foram detidos e libertados após pagamento de fiança e com a condição de não poderem mais retornar à fazenda.
Responsabilidades
Segundo o delegado, o proprietário, o administrador e o segurança da fazenda devem responder pelos crimes de maus tratos, poluição ambiental e associação criminosa. Para cada animal abandonado, a pena prevista vai de 3 meses a um ano de reclusão. Além disso, Amaral revelou ao UOL que, em buscas realizadas na área, os policiais encontraram valas sob a superfície, onde foram achadas diversas carcaças de animais.
"Essa atitude fere o artigo 54 da Lei Ambiental (9605/98), que trata sobre poluição", explica. "A disposição final de animais mortos segue regras que precisam ser obedecidas e o que encontramos foi o total descumprimento dessas regras. Assim, a pena pode ainda ser acrescida em até 4 anos de prisão, mais multa".
Segundo o artigo citado pelo delegado, "para quem causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, a pena de reclusão é de 1 a 4 anos".
Além disso, o fazendeiro, o administrador e o responsável pela segurança do local serão indiciados por associação criminosa. A pena é de 1 a 3 anos de reclusão.
"Nossa expectativa é de que o Ministério Público promulgue um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para que uma área da fazenda seja destinada somente para os cuidados desses animais abandonados, sob as expensas do proprietário e sob o monitoramento de uma entidade pública. Algum órgão ligado a uma universidade, por exemplo. A perda de bens, no caso, os animais de sua propriedade, deve ser uma das consequências que resultarão do inquérito que estamos finalizando".
A PM Ambiental, que esteve pela primeira vez na fazenda no dia 6 de novembro e já havia aplicado multa de R$ 2,13 milhões por maus-tratos, com o agravante pelo resultado de morte, aplicou mais uma penalidade no valor total de R$ 1,4 milhão em multas administrativas.
O advogado de defesa do proprietário da fazenda, Célio Barbará da Silva, informou ao UOL que não poderia se manifestar sobre o caso no momento. O espaço segue aberto para atualizações.
"O caso corre em segredo de Justiça. Tão logo tenhamos autorização para falar sobre a situação, nos pronunciaremos a respeito", afirmou.
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