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Boate Kiss: 'Ficamos embaixo de um monte de gente', diz irmão de músico

Márcio André de Jesus dos Santos teve que arrastar irmão para fora da boate Kiss - Juliano Verardi/TJ-RS/Divulgação
Márcio André de Jesus dos Santos teve que arrastar irmão para fora da boate Kiss Imagem: Juliano Verardi/TJ-RS/Divulgação

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

06/12/2021 19h10Atualizada em 07/12/2021 11h33

O motorista Márcio André de Jesus dos Santos, 45, disse que seguranças tentaram arrastar carros que estavam estacionados em frente à boate Kiss para auxiliar na saída dos frequentadores, na noite de 27 de janeiro de 2013. E que "ficou suprimido por um monte de gente" no espaço entre os veículos e a porta da casa noturna.

Ele integrava a banda Gurizada Fandangueira e é irmão de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista do grupo e um dos quatro réus acusados pelo incêndio na casa noturna, que estão sendo julgados em Porto Alegre desde última quarta-feira (1º).

O sobrevivente salientou que, no início da apresentação da banda, foram acionados os fogos de artifício instalados no chão. Após o grupo tocar cinco músicas, o irmão colocou uma luva e pegou um artefato com as mãos, de onde saíram os fogos pirotécnicos.

"Eu e o baterista, parece que a gente viu alguma coisa pingar. Olhei para cima e era um princípio de fogo, como um CD, de uns dez centímetros [de largura] mais ou menos."

Segundo ele, os integrantes que estavam na ao palco não viram o princípio de incêndio. "Com a baqueta eu cutuquei o Marcelo e disse: 'Para aí que está acontecendo algo errado aqui'. E parou a música. A sensação que eu tive é uma sensação de impotência. (...) De olhar para tudo que é lado e querer uma solução para o problema."

Um funcionário chegou a alcançar um extintor para o vocalista da banda, que tentou manusear o objeto, sendo auxiliado por uma outra pessoa. Porém, não surtiu efeito.

"Um dos rapazes disse: 'Vamos sair que não tem mais o que fazer'. Nisso muita gente já estava saindo, e a gente começou a sair tipo em fila indiana, marchando conforme o fluxo porque não tinha como correr. Quem diz que saiu correndo, isso aí não é verdade. Todo mundo saiu caminhando, rapidão, porque tinha que sair o fluxo que estava na frente para tu poder chegar lá aonde era para chegar. E nisso foi entrando gente no meio."

No caminho, encontrou o irmão, desorientado. "Foi ficando escuro e foi entrando gente, gente na frente, e ele ficou mais para a frente. Quando eu olhei, o Marcelo já vinha voltando pelo lado contrário, foi se virando. E eu peguei ele pela camisa, peguei pelo braço e ele estava bem bobo, não sabia para que lado ir."

O motorista conseguiu chegar até a porta, arrastando o irmão.

Ele meio que foi desmaiando, levantando, e peguei ele pela mão. Ele é um homem forte e pesado. Consegui levar pelos fundilhos das calças. Quando eu cheguei à porta, era como receber uma onda nas tuas costas quando está distraído no mar. E nós ficamos embaixo de um monte de gente. E até tinha um segurança que estava na calçada, tentando arrastar aqueles carros, para o pessoal explodir para fora. Era muito desespero, muita tristeza aquilo ali.
Márcio André de Jesus dos Santos, integrante da banda

"Aqueles seguranças estavam tentando tirar as pessoas para fora, arrancar aquele táxi dali, todo tempo. Até ele (Everton, um dos seguranças) tentou me puxar debaixo, daí eu falei: 'Tu tem que puxar as pessoas de cima', eu gritava para ele. 'Tu vai me quebrar aqui embaixo', eu dizia", conta.

O motorista afirmou que "não queria matar ninguém" e que estava trabalhando. E disse que o uso de fogos de artifício pela banda era de conhecimento do sócio da Kiss, Elissandro Spohr..

"Se eu dizer para os pais que estão aqui que eu entendo a dor deles, eu vou estar mentindo. Eu entendo da nossa dor. Eu tenho um filho de nove anos, ele não tinha um ano quando aconteceu e a gente nunca cantou parabéns para ele porque as pessoas subjugavam nós, que se eu cantasse um parabéns para meu filho ou para finada mãe, as pessoas iam dizer: "olha lá, o pessoal da banda estão comemorando alguma coisa". Essa é a nossa realidade, a nossa dor."

O julgamento

Quase nove anos após a tragédia, quatro réus são julgados por 242 homicídios simples e por 636 tentativas de assassinato —os números levam em conta, respectivamente, os mortos e feridos no incêndio. Devido ao tempo de duração e estrutura envolvida, o júri é considerado o maior da história do Judiciário gaúcho.

Machado foi a 18ª pessoa a prestar depoimento do Tribunal do Júri, que já está no sexto dia. Com Nathália, chega a 19 depoentes até o momento. Antes dele, hoje foi ouvido hoje o empresário e ex-funcionário do local Stenio Rodrigues Fernandes, 30, que disse que presenciou uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira com uso de fogos de artifício em outro local.

O caso ocorreu em uma festa no Centro de Eventos da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) cerca de uma semana antes da tragédia.