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Boate Kiss: 'Fui caindo e me despedindo da minha família', diz sobrevivente

Delvani Brondani Rosso, de 29 anos, sobreviveu ao incêndio na boate Kiss - Hygino Vasconcellos/UOL
Delvani Brondani Rosso, de 29 anos, sobreviveu ao incêndio na boate Kiss Imagem: Hygino Vasconcellos/UOL

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

05/12/2021 17h40Atualizada em 05/12/2021 20h55

O relato do sobrevivente da boate Kiss Delvani Brondani Rosso, de 29 anos, causou comoção entre o público que acompanha hoje o julgamento dos quatros réus acusados pelo incêndio na casa noturna, ocorrido em 2013, em Santa Maria (RS).

Ele contou que havia muitas pessoas no local e, ao perceber que não conseguiria sair, começou a se despedir da sua família. Ao todo 242 pessoas morreram e 636 ficaram feridas na tragédia.

"Eu lembro que quando eu comecei a inalar [a fumaça] e começou a ficar mais intenso, meus joelhos começaram a ficar fracos e eu fui perdendo a força nesse momento", disse o sobrevivente, que interrompeu a fala ao ficar bastante emocionado.

Delvani Brondani Rosso desmaiou em meio a incêndio e foi retirado pelo irmão - Reprodução/TJ-RS - Reprodução/TJ-RS
Delvani Brondani Rosso desmaiou em meio a incêndio e foi retirado pelo irmão
Imagem: Reprodução/TJ-RS

"Fui caindo e me despedindo da minha família, dos meus amigos e pedindo perdão por alguma coisa que tivesse feito. E eu caí no chão, estava sentido me queimar, fui me debruçando, colocando as mãos no rosto e desmaiei", continuou.

Diversos pais e sobreviventes que estavam acompanhando o depoimento começaram a chorar. Alguns se abraçaram e passaram a receber água de voluntários. Cerca de dez pessoas deixaram o salão aos prantos.

Rosso estava acompanhado do irmão na boate. Foi ele quem o resgatou após o desmaio.

Depoimento de Delvani Rosso, sobrevivente da tragédia na Kiss, emocionou tribunal - Hygino Vasconcellos/UOL - Hygino Vasconcellos/UOL
Depoimento de Delvani Rosso, sobrevivente da tragédia na Kiss, emocionou tribunal
Imagem: Hygino Vasconcellos/UOL

"Meu irmão viu o começo do princípio de incêndio e conseguiu sair. Ele começou a entrar e buscar as pessoas e puxá-las. Meu irmão me contou que tirou a camisa, fez um filtro, atou, e entrou rastejando por baixo da fumaça e puxava as pessoas. Me disse que os homens, ele puxava pelo cinto, e as meninas, pelos cabelos, porque se pegasse pelo braço, tirava a pele das pessoas. Então foi um jeito que achou para puxar sem arrancar a pele de ninguém. Eu fui uma das pessoas puxadas", explicou.

O jovem lembra que acordou na calçada. "Meu corpo estava em estado de choque, acordei já gritando, urrando de dor, com os braços torcidos e gritando 'socorro, socorro, me ajudem'. A cada vez que eu gritava, parecia que me fincava uma faca na minha garganta."

Ele ficou dois meses internado, sendo um mês em coma. "Eu desaprendi a caminhar, emagreci 20 kg e tive que reaprender a fazer tudo, a falar, a me alimentar. No hospital meu sonho era tomar um copo de água e não conseguia."

O sobrevivente foi inicialmente atendido em Santa Maria, mas depois transferido para o HPS (Hospital de Pronto Socorro).

Doralina Peres. ex-funcionária da Kiss que trabalhava como segurança da boate Kiss - Tj/RS - Tj/RS
Doralina Peres. ex-funcionária da Kiss que trabalhava como segurança da boate Kiss
Imagem: Tj/RS

'Muito grito, muita confusão'

Após cerca de 40 minutos do depoimento dele, foi a vez de ser ouvida a ex-funcionária da Kiss Doralina Peres. Ela trabalhava como segurança na casa noturna no dia do incêndio e tentou chegar ao palco - onde começaram as chamas - mas não conseguiu.

"Eu não lembro de muita coisa, só lembro que na hora (era) muito grito, muita confusão, e eu queria voltar para o fundo achando que era briga, só que eu não conseguia voltar para trás, o pessoal começou a me empurrar e eu desmaiei", explicou a mulher, que trabalhava havia cerca de dois anos na Kiss.

A sobrevivente foi retirada por um ex-colega e foi levada às pressas para o hospital, onde ficou internada por mais de 20 dias. Ela teve queimaduras na pele e problemas pulmonares.

O julgamento

Quase nove anos após a tragédia, quatro réus são julgados por 242 homicídios simples e por 636 tentativas de assassinato — os números levam em conta, respectivamente, os mortos e feridos no incêndio. Devido ao tempo de duração e estrutura envolvida, o júri é considerado o maior da história do judiciário gaúcho.