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Turistas de navios com casos de covid relatam negligência e insegurança

Pessoas sem máscaras de proteção contra a covid-19 à noite no navio Costa Diadema - Divulgação
Pessoas sem máscaras de proteção contra a covid-19 à noite no navio Costa Diadema Imagem: Divulgação

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

31/12/2021 04h00

Turistas de navios de cruzeiro que contabilizam dezenas de pessoas diagnosticadas com covid-19 relataram à reportagem o que classificaram como negligência e insegurança pela falta de informações.

Um deles é o pesquisador Dennis Fujita, do Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas de São Paulo, que está com a noiva a bordo do navio Costa Diadema, da empresa Costa Cruzeiros. O navio atracou na manhã desta quinta-feira (30) no porto de Salvador, na Bahia, com 68 casos positivos de covid-19 confirmados nas últimas 24 horas, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Há 56 tripulantes e 12 passageiros infectados.

Situação é "desesperadora"

Fujita relata um clima de insegurança sobre os novos rumos da viagem. Inicialmente, diz o pesquisador, a empresa avisou que, devido a protocolos da Anvisa, o tempo de parada em Salvador seria reduzido. No entanto, não houve liberação para desembarque na capital baiana. Das 12h até 17h30, conta Fujita, nenhum tripulante informou o que aconteceria com os passageiros.

Mais cedo, a Anvisa informou, em nota, que não autorizou a operação do navio em Salvador. Portanto, o embarque e o desembarque de viajantes estão proibidos até que seja finalizada uma investigação em andamento.

A determinação de quarentena ou até mesmo da suspensão das atividades do cruzeiro não está descartada pela agência.

Segundo Fujita, a situação dentro do navio é "desesperadora".

"Está todo mundo aqui confabulando sobre o que vai acontecer. Se vai ter quarentena, se vai voltar para o porto de Santos", afirmou. "O que mais deixa a gente preocupado é que não temos informações."

O Costa Diadema chegou do porto de Santos, em São Paulo, e teria Ilhéus, na Bahia, como o próximo destino. Agora, Fujita diz que ninguém mais sabe o que vai acontecer. Ao todo, são 3.836 pessoas no navio —1.320 tripulantes e 2.516 passageiros, segundo a Anvisa.

Na segunda (27), o Costa Diadema já havia ancorado em Santos com a confirmação de 13 casos de covid-19, sendo dez passageiros e três tripulantes.

Fujita afirmou que protocolos de distanciamento social e de uso de máscara estão sendo negligenciados por parte dos viajantes. Segundo ele, os protocolos de segurança da Anvisa são transmitidos no circuito interno de televisão e os funcionários do cruzeiro costumam usar as máscaras de proteção corretamente, mas, nas festas promovidas a bordo, a empresa não cobra o uso por parte dos passageiros.

"Nas festas, a gente percebe que a empresa deixa livre."

O UOL entrou em contato com a assessoria da Costa Cruzeiros e aguarda retorno.

Demora na testagem e no isolamento

A analista de sistemas Priscila Coelho esteve na semana passada, com mais 19 integrantes da família, a bordo do navio MSC Splendida, pertencente à MSC Cruzeiros. Junto a alguns parentes, ela foi diagnosticada com covid-19 durante a viagem e também relata descuidos e negligência da companhia.

Passageira tirou fotos de pessoas andando em corredor de cabines destinadas a pessoas em isolamento por causa da covid-19 no navio MSC Splendida - Divulgação - Divulgação
Passageira tirou fotos de pessoas andando em corredor de cabines destinadas a pessoas em isolamento por causa da covid-19 no navio MSC Splendida
Imagem: Divulgação

Priscila embarcou no MSC Splendida em 19 de dezembro, no porto de Santos.

Já nos primeiros dias, diz ter notado que as mesas no restaurante em que era servido o jantar estavam bem próximas umas às outras e houve situações em que grupos ou famílias diferentes tiveram de sentar juntos para comer.

O tio de Priscila e sua mulher foram diagnosticados com covid-19 no dia de Natal (25).

Assim que soube, por volta das 11h, Priscila conta que ligou para o centro médico do navio solicitando que testes fossem aplicados nela e no restante da família, já que estavam constantemente em contato próximo —um teste de Priscila a bordo no dia 22 deu negativo.

O isolamento determinado pela tripulação em uma outra cabine só começou por volta das 16h, contou.

Perto das 22h, ela e o marido foram informados de que teriam que trocar de cabine novamente, disse. O teste para verificar se estavam ou não com covid-19 foi realizado somente em torno das 23h, relatou. O resultado dela e de 12 pessoas de sua família deu positivo.

Embora tenham sido informados de que o desembarque no dia seguinte aconteceria por volta das 11h, assim que houvesse liberação da Anvisa, a saída só aconteceu perto das 19h, diz Priscila.

Ao longo desse período, ela disse que não houve acompanhamento médico adequado —havia pessoas com dores no corpo, dor de garganta e febre, incluindo um bebê de 1 ano—, nem informações concretas sobre o destino dos infectados. Houve problemas ainda com refeições e fornecimento de água, afirmou.

"Todo o suporte precário que tivemos foi porque ficamos todos ligando incansavelmente para a recepção fazendo inúmeras reclamações."

Segundo Priscila, passageiros sem covid-19 desembarcaram normalmente, como previsto, e os turistas da próxima viagem começaram a embarcar enquanto seu grupo ainda estava em isolamento dentro do navio. Por conta disso, afirmou, várias pessoas que tinham acabado de embarcar circulavam pelo corredor em que estavam as cabines com os infectados.

Priscila ainda contou que um tio dela disse ter visto funcionários da manutenção do navio sem máscaras e malas de turistas no local.

"Portanto, vimos aqui que a 'restrição' que a MSC estava fazendo não estava sendo eficaz. Essa área cheia de pessoas com covid não estava sendo monitorada da forma correta, pois pessoas no novo embarque estavam caminhando por lá. Nós avisamos a recepção várias vezes também, mas eles afirmavam que era uma área restrita e continuaram não tomando providência nenhuma", relatou Priscila.

"Em torno das 17h, já finalizado o embarque total da próxima viagem, nós continuávamos com o mesmo posicionamento da MSC de que 'não temos informações ainda, estamos aguardando a liberação da Anvisa'. Já estávamos todos super estressados, sem saber o que aconteceria com a gente, sem saber se conseguiríamos ir para casa naquele dia ou se o navio seguiria viagem com a gente lá. Eram muitas dúvidas e desespero."

O desembarque, por volta das 19h, foi corrido e, em princípio haveria a mistura de pessoas infectadas com não infectadas em vans destinadas para levá-los para casa, contou. Após reclamações, disse, os grupos foram separados corretamente.

Tanto Priscila quanto Fujita afirmaram que, conforme previsto pela Anvisa, o comprovante de vacinação completo foi exigido para o embarque no início das viagens. Os imunizantes não impedem que alguém seja infectado pelo novo coronavírus, mas ajuda a amenizar a gravidade da doença.

Novos casos de covid no MSC Splendida

O navio MSC Splendida atracou em Santos nesta quarta (29) após a identificação de novos casos positivos de covid-19 a bordo, de acordo com a Anvisa. Ao todo, 78 pessoas estão com a doença —51 tripulantes e 27 passageiros. Além disso, foram identificadas 54 pessoas que tiveram contato com casos positivos de covid-19.

A possibilidade de quarentena ou suspensão das atividades também se aplica ao MSC Splendida, informou a Anvisa.

A agência informou que todas as 132 pessoas puderam desembarcar seguindo regras determinadas e o plano de operacionalização elaborado pelo município de Santos e pelo estado de São Paulo, como o transporte dos viajantes em veículos específicos. O monitoramento dos que desembarcaram deve ser realizado pelos Centros de Informações Estratégicas em Saúde das localidades de destino, diz o órgão.

Novos desembarques ou embarques estão incertos. O MSC Splendida, que leva cerca de 4 mil pessoas a bordo, deve permanecer atracado em Santos até o fim da análise dos dados epidemiológicos pelas autoridades de saúde.

O UOL também entrou em contato com a assessoria da MSC Cruzeiros e aguarda retorno.

Mais relato de supostos problemas em outro navio da MSC

A reportagem também recebeu relato do parente de um tripulante de outro navio da MSC, o MSC Seaside. Segundo o familiar, que prefere não ter o nome divulgado para evitar retaliações, "a situação é muito mais alarmante do que parece".

"Os funcionários que tiveram contato com positivados, sejam eles passageiros ou tripulantes, não estão sendo colocados em quarentena de 7 a 15 dias. Estão sendo testados e, se negativo, estão trabalhando normalmente, mesmo sendo de conhecimento de todos que pode levar dias até que o PCR reflita positivamente, por isso a necessidade de quarentena."

De acordo com o relato, parte dos passageiros não está respeitando o uso de máscaras e os integrantes da tripulação são convocados para reuniões e treinamentos em salas lotadas, às vezes sem assentos para todos e sem respeito ao distanciamento social.