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Palco virtual e machismo explicam caso Gabriel Monteiro, dizem psicólogos

31.mar.2022 - O vereador Gabriel Monteiro (PL) em sessão da Câmara Municipal do Rio - Divulgação/Flávio Marroso / CMRJ
31.mar.2022 - O vereador Gabriel Monteiro (PL) em sessão da Câmara Municipal do Rio Imagem: Divulgação/Flávio Marroso / CMRJ

Giorgia Cavicchioli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/04/2022 04h00

Um "palanque virtual" permanente —com 6,8 milhões de inscritos só no YouTube— aliado ao machismo estrutural alimentaram condutas do vereador Gabriel Monteiro (PL) denunciadas por mulheres, assessores e ex-assessores, segundo avaliam psicólogos ouvidos pelo UOL.

Para especialistas, o teor das denúncias de violência sexual —que estão sob investigação— mostram que o youtuber adotou um comportamento "acima da lei" que "não respeita o limite e o não". Essa postura, que flerta com a impunidade, também pode explicar a produção de vídeos com fortes indícios de manipulação pelo vereador, segundo profissionais de saúde consultados pela reportagem.

A intimidação das vítimas —haja vista que as denúncias vieram à tona anos depois— torna-se mais grave à medida que envolve força policial e política, alertam os psicólogos. Eles comentaram as denúncias contra Monteiro com base nos casos publicados na imprensa.

Os relatos de ao menos três mulheres à TV Globo apresentam uma mesma forma de ação —um início de relação sexual consentida que termina em estupro.

A defesa do vereador nega que ele tenha cometido qualquer crime. Por meio de nota, Monteiro desqualificou as acusações dizendo que elas não têm nomes, datas ou indícios de materialidade.

A reportagem do UOL submeteu as análises dos psicólogos ao advogado Sandro Figueiredo, mas ele não se manifestou. Se o fizer, o posicionamento será incluído nesta reportagem.

Política como pano de fundo

O ex-PM, que integrou o MBL (Movimento Brasil Livre), foi o terceiro vereador mais votado do Rio de Janeiro e se aliou a bolsonaristas.

Para o psicólogo Bruno Correia da Mota, mestre em psicologia pela UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), a exposição nas redes sociais —com viés sensacionalista— tem como pano de fundo a conjuntura política e a sede por espetáculo.

"O que se sustenta é o palanque virtual. É uma sociedade do espetáculo que se sustenta em uma superfície moralista para conseguir votos. (...) Ele usa uma máscara para atrair um público, e não tem como sustentar isso, o que vai gerando essa figura acima do bem e do mal, moralista", afirma.

Mota analisa que se trata de uma forma de fazer política que constrói um "mito do herói" —figura que, segundo o psicólogo, salvará a sociedade, mas ignora a lei e se entende como impune.

"Uma coisa é a performance midiática e outra é o que se passa nos bastidores. Quando você vê os vídeos dele, parece que é uma série de ação. É um teatro que ele constrói", diz o psicólogo, que é coordenador regional da Articulação Nacional de Psicólogas/os Negras/os e Pesquisadoras/es.

Para ele, Monteiro é o protagonista de uma narrativa forjada por ele próprio.

Gabriel Monteiro orienta criança em gravação de vídeo divulgada em suas redes - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Gabriel Monteiro orienta criança em gravação de vídeo divulgada em suas redes
Imagem: Reprodução/TV Globo

Reportagem da TV Globo também mostrou que vídeos produzidos para seu canal do YouTube têm indícios de fraude e manipulação. O UOL calculou que a Câmara Municipal gastou ao menos R$ 871 mil com funcionários do gabinete de Gabriel Monteiro que produziam vídeos.

É um tipo de personalidade que vê o outro como uma parte dele, então, não se respeita o limite e o não. É como se o outro estivesse errado, o outro é ruim, o que também se assemelha ao comportamento narcisista. Parece uma criança mimada, que tem uma narrativa persecutória."
Bruno Correia da Mota, psicólogo

O vereador tem acusado ex-assessores de um complô para fazer falsas denúncias contra ele.

"Esses depoimentos são das mesmas pessoas que eu acabei de dizer que estão em conluio direto, com provas categóricas, com o zero dois da máfia do reboque", afirmou na última quinta-feira (7) na porta da 42ª DP (Recreio) que abriu inquérito sobre vídeo de sexo de Monteiro com uma menor de idade.

Sobre o novo vídeo em que beija uma criança, o vereador reiterou ser vítima de uma campanha "desumana" com o intuito de "destruir" sua vida. Segundo ele, o vídeo foi editado para "gerar deturpações".

"Depois do 'não', é tudo violência"

Ao analisar as denúncias de estupro contra Monteiro, o psicólogo Antônio da Conceição Montes comenta que há dificuldade por parte de homens brasileiros, de modo geral, em aceitar que uma mulher possa mudar de ideia no meio do sexo ou a caminho de um motel.

Com especialidade na área de violência doméstica, maus-tratos e abuso sexual, Montes aponta que, de maneira equivocada, muitos homens acreditam que, se a mulher diz "não", ela está se fazendo de difícil e que o papel deles é finalizar a relação sexual a qualquer custo.

A psicóloga Tayara Maronesi reforça que as denúncias envolvendo Monteiro evidenciam o machismo estrutural da sociedade brasileira.

A busca de Gabriel por menores de idade, o fato de filmar as relações e mostrar para outras pessoas, seria uma forma de se afirmar como quem tem o poder e domínio? O que sabemos até então sobre as vítimas é que ele as submeteu a sofrimento sexual, psicológico e físico."
Tayara Maronesi, psicóloga

Para a especialista em saúde sexual feminina, independentemente de a relação sexual ter começado com consentimento, "depois do 'não' é tudo violência".

Tayara exemplifica: "gravar vídeos, não usar camisinha, sentir dor ou estar desconfortável e querer parar a relação sexual, etc." —ou seja, ações relatadas pelas mulheres que denunciaram o ex-PM.

O psicanalista e psicólogo clínico Pierre de Souza Monteiro também pontua que as denúncias têm como pano de fundo uma cultura autoritária e machista contra as mulheres.

O coordenador da Comissão Regional de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro observa ainda que, quando isso envolve força policial e política —simbolizada na figura de Monteiro—, o medo das vítimas é amplificado.

Risco de cassação de mandato

Desde que o vídeo com a adolescente de 15 anos vazou, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) obteve na Justiça liminar para retirar as imagens do ar. Na última sexta-feira (8), Monteiro foi denunciado à Justiça por ter gravado a relação sexual com a menor de idade.

"Já foi divulgado na imprensa o depoimento dela, não existe nenhuma ilegalidade", disse o vereador na semana passada sem, contudo, negar que tenha o hábito de manter relações sexuais com menores de idade (veja o vídeo abaixo).

O Conselho de Ética da Câmara do Rio de Janeiro, que abriu processo disciplinar que pode culminar na cassação do mandato do vereador, decidiu ontem incluir na análise a denúncia sobre o vazamento do vídeo íntimo e imagens que mostram ele acariciando e beijando uma criança.

O vereador nega ter usado assessores para fins privados, como a produção de vídeos para seu canal no YouTube. "Eles foram pagos de maneira privada, e eu tenho toda prova. Registro bancário, eu tenho isso", disse Monteiro na semana passada, sem contudo apresentar os documentos.