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Pesquisadores criam entidade para investigar 'privilégio branco' no Brasil

Pesquisadores querem debater o "privilégio branco" no Brasil. - Simon Plestenjak/UOL
Pesquisadores querem debater o 'privilégio branco' no Brasil. Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Shagaly Ferreira

Colaboração para o UOL, de Santo Amaro (BA)

11/06/2022 04h00

Até agora, a questão racial no Brasil tem sido analisada a partir da desigualdade social que atinge pretos e pardos. Um grupo de pesquisadores pretende fazer o contrário. "Vamos olhar para o lado que constrói as dominações raciais dentro da sociedade", conta o sociólogo Thales Vieira, 34, coordenador executivo do recém-criado Observatório da Branquitude.

Lançada nesta sexta-feira (10), a entidade pretende discutir assuntos relacionados à raça, sim, explica o pesquisador. Mas fará isso partindo do conceito de branquitude, ou seja, da ideologia que determina a identidade atribuída a pessoas brancas e as estruturas de poder que destinam privilégios a elas em detrimento da população não-branca.

Thales Vieira, coordenador-executivo do Observatório da Branquitude. - Valda Nogueira - Valda Nogueira
Thales Vieira, coordenador-executivo do Observatório da Branquitude.
Imagem: Valda Nogueira

Entre os primeiros levantamentos da nova entidade está a pesquisa "Revisão sistemática de literatura sobre branquitude", que identificou a produção de 174 estudos acadêmicos entre 2018 e 2022 sobre branquitude no país no Brasil, montante que concentrou 69% de todas as publicações nesta temática dos últimos 20 anos.

Tal cenário pode ser explicado pela ascensão da extrema-direita no Brasil, muito relacionada à questão da supremacia branca, explica Vieira. Uma segunda hipótese, pontua, tem relação com a mobilização em torno do assassinato de George Floyd, homem negro norte-americano morto por um policial branco nos Estados Unidos em 2020.

Apesar do cenário de ebulição nos estudos, Vieira entende que tratar de relações raciais pelo viés da branquitude ainda é um movimento espinhoso por abalar lugares de conforto historicamente enraizados na sociedade. "Mas o debate está em franco crescimento e nós nos colocamos como fruto disso", diz.

Há um problema de viés no racismo brasileiro em que a gente só costuma ver um lado, que é o lado prejudicado dentro dessas relações. Para nós, centralizar essa discussão na branquitude é olhar para o lado que constrói as dominações raciais dentro da sociedade
Thales Vieira, coordenador executivo do Observatório da Branquitude

O pesquisador em estudos étnicos da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Vinícius Zacarias. - Thiago Rosari - Thiago Rosari
O pesquisador em estudos étnicos da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Vinícius Zacarias.
Imagem: Thiago Rosari

Branquitude x pessoas brancas

O pesquisador em estudos étnicos da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Vinícius Zacarias vê de forma positiva a iniciativa do Observatório para se evitar produzir incoerências na maneira como se combate o problema do racismo no país. Além disso, ter dados compilados sobre o assunto pode dar subsídio para produção de ações efetivas de mudanças na sociedade. "Precisamos conhecer a realidade nacional para poder, enfim, criar políticas públicas e privadas para tentar construir um país que seja realmente democrático e diverso", diz.

Ele ainda ressalta que é necessário salientar que "branquitude" e "pessoas brancas", embora sejam relacionadas, são noções distintas.

Branquitude diz respeito à ideologia de dominação que privilegia pessoas brancas. Isso é uma ideologia, e todos estão sujeitos a ela, sejam negros, que são violentados, sejam brancos que são beneficiados. Já as pessoas brancas são indivíduos que podem agir contra essa ideologia, embora estejam em lugar de privilégio
Vinícius Zacarias, pesquisador em estudos étnicos da UFBA

Lançamento

Cida Bento, colunista da Folha de São Paulo. - Divulgação - Divulgação
Cida Bento, colunista da Folha de São Paulo.
Imagem: Divulgação

O Observatório da Branquitude começou a ser formado em setembro de 2021 e é financiado pelo Instituto Ibirapitanga. Além de Vieira, fazem parte da equipe Diogo Santos, 33 anos, coordenador de comunicação, e Carol Canegal, 42 anos, coordenadora de pesquisa. Para diversificar o debate sobre a branquitude, a equipe também pretende incorporar pessoas de variadas localidades do Brasil nos próximos três anos.

O lançamento da iniciativa e da pesquisa foi realizado no Rio de Janeiro e contou com a participação da pesquisadora, psicóloga e colunista da Folha de São Paulo, Cida Bento, autora do livro "Pacto da Branquitude". Segundo ela, que também é conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), o aumento das discussões e pesquisas sobre o tema podem contribuir para a construção de instituições mais equânimes e "sociedades mais democráticas".

Parte do material lançado nesta sexta estará disponível para consulta em um site institucional do Observatório, com previsão de lançamento para a próxima semana. Todo o conteúdo mapeado até agora pela organização fará parte da biblioteca virtual Guerreiro Ramos, cujo nome homenageia o sociólogo baiano Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), um dos intelectuais de referência para os estudos da branquitude no Brasil, com a obra "Introdução Crítica à Sociologia Brasileira". Outros levantamentos na área da economia e da educação fazem parte do planejamento de futuras publicações do grupo.

"Ao colocar o dedo nessa ferida, a gente está contribuindo para uma sociedade mais justa, mais igual, inclusive para o branco", defende Thales Vieira.