Rica e tradicional: o que se sabe da família da "mulher na casa abandonada"
Quando começou a apurar informações para "A Mulher da Casa Abandonada", o jornalista Chico Felitti não imaginava que a personagem principal era de uma rica e tradicional família de São Paulo.
Neste ponto de vista, a história de Margarida Bonetti, herdeira que vive em uma mansão abandonada em Higienópolis, parece ser tranquila. Mas só parece.
A figura misteriosa, que esconde o rosto com pomada branca, é acusada de um crime cometido décadas atrás.
Ela apareceu na lista de procurados do FBI por ter mantido uma funcionária em condições análogas à escravidão nos Estados Unidos. Tudo ocorreu entre os anos de 1970 e a virada dos anos 2000.
A moradora do imóvel - que atualmente está caindo aos pedaços, bem distante dos seus dias de glória - tem uma privilegiada base familiar. Vinda de gerações de nomes influentes e que acumularam riquezas no estado de São Paulo.
Neta do Barão de Bocaina
Margarida Maria Vicente de Azevedo Bonetti é filha do médico paulistano Geraldo Vicente de Azevedo e neta de Francisco de Paula Vicente de Azevedo, um dos paulistas mais importantes do seu tempo, conhecido como o Barão de Bocaina.
Nascido na cidade de Lorena, em 8 de outubro de 1856, Francisco foi um fazendeiro, banqueiro e comerciante. O Barão de Bocaina, título que recebeu por decreto do Imperador D. Pedro II, fundou o Engenho Central de Lorena, primeiro empreendimento do gênero no Vale do Paraíba paulista.
Também foi diretor da Estrada de Ferro São Paulo-Rio de Janeiro e do Banco Comercial do Estado de São Paulo.
Francisco vinha de uma família de posses. Era o filho mais velho do Coronel José Vicente de Azevedo e Angelina Moreira Vicente de Azevedo. O pai foi assassinado numa emboscada, em 1869.
Ao começar a trabalhar, acumulou terras para a plantação de café, principal produto de exportação brasileira naquele período. Suas terras tinham grande extensão - uma delas, a colônia de Canas, deu origem ao município de Canas.
Por volta de 1880, optou por ingressar na política na cidade natal. Assim, assumiu a chefia do Partido Conservador e, posteriormente, elegeu-se vereador.
No ano seguinte, introduziu a correspondência expressa, até então desconhecida no país. Investiu em construções na cidade de Campos do Jordão, incluindo igrejas, escolas, hotéis, casas e a primeira estação climática da região.
No ano de 1901, doou ao Governo da República terrenos para as construções da Fábrica de Pólvora de Piquete, hoje Fábrica Presidente Vargas (FPV), e do Sanatório Militar na Serra da Mantiqueira em Delfim Moreira.
Após a Proclamação da República, Francisco retirou-se da vida política, dedicando-se então apenas à lavoura e ao comércio. O Barão da Bocaina faleceu em São Paulo, aos 82 anos de idade, em 17 de outubro de 1938.
Francisco casou-se com Rosa Bueno Lopes de Oliveira, com a qual teve quatro filhos: Francisco de Paula Vicente de Azevedo, Lavínia Vicente de Azevedo, José Armando Vicente de Azevedo e Geraldo Vicente de Azevedo, médico respeitado e pai de Margarida Bonetti.
Geraldo e Maria de Lurdes Vicente de Azevedo
A mulher da casa abandonada vive no imóvel que pertenceu a seu pai, o médico paulistano Geraldo Vicente de Azevedo.
Em 1955, ele foi o chefe na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e realizou a primeira videolaparoscopia, procedimento cirúrgico na região do abdômen, de forma minimamente invasiva.
Ele e sua esposa, Maria de Lourdes Danso Vicente de Azevedo, moravam no casarão que atualmente vive Margarida. Além da riqueza, o casal era conhecido na região pelas ações generosas, como distribuição de comida e roupas a moradores de rua, conforme detalhou o jornalista Chico Felitti no podcast.
Enquanto o médico faleceu em 1998, aos 91 anos, Maria de Lourdes morou com Margarida até 2011, ano de seu falecimento. Mas, antes disso, viu a herdeira ser acusada do crime e retornar às pressas para o Brasil.
Casa do Barão de Bocaina
A história do Barão de Bocaina permanece viva quando o assunto é imóvel. O fazendeiro ergueu próximo da avenida Paulista um casarão que hoje é conhecido como a Casa do Barão de Bocaina.
Ao contrário da casa de Higienópolis, o imóvel não tem aspecto de abandono. Nele, dois tios de Margarida conviveram: Francisco de Paula Vicente de Azevedo e a freira Lavínia de Azevedo.
A mulher viveu na casa até 2007, quando faleceu aos 93 anos. Como não tinha filhos, o imóvel foi dividido entre os familiares, incluindo Margarida Bonetti.
Posteriormente, foi vendida a uma construtora, mas escapou de ser demolida graças a uma ação judicial. Após uma década de abandono, virou um restaurante em 2022. A casa abandonada que abriga a mulher procurada pelo FBI passa por uma situação parecida.
Disputa por herança
Antes do retorno de Margarida, em 2000, Lourdes recebeu a visita de outros filhos, segundo relatou ao podcast o vizinho Francisco, que teve uma relação mais próxima com a família de Margarida há mais de 20 anos.
Após a morte da mãe, uma briga judicial entre os herdeiros teve início. A casa está no nome do pai da mulher da casa abandonada. Ela disputa o imóvel com outros dois irmãos.
Ao todo, são três herdeiros que disputam a divisão do dinheiro do valor da venda da casa. Os irmãos acusam Margarida de trocar a fechadura do portão e não dar a chave a mais ninguém. Segundo o jornalista, eles não têm mais contato com ela.
Com a repercussão do caso, vizinhos relataram que Margarida Bonetti tem filhos. Um deles, que mora próximo à mãe, é um professor de inglês, mas sua identidade foi preservada.
Margarida fugiu dos Estados Unidos e deixou para trás o marido Renê Bonetti, cúmplice dela no crime.
Ele foi julgado pela Justiça dos Estados Unidos e condenado a 6 anos e meio de prisão, sem direito à liberdade condicional. Também pagou US$ 100 mil de multa.
O engenheiro cumpriu a pena em uma prisão federal e hoje é diretor na Northrop Grumman Corporation, uma empresa que presta serviço à Nasa, de acordo com o que foi apurado por Chico Felitti para o podcast.
Abandono de incapaz?
Atualmente, a Polícia Civil de São Paulo investiga se houve abandono de incapaz da mulher da casa abandonada, por parte da família.
A corporação informou ao UOL que o filho e a irmã dela foram intimados na quinta-feira (7) para prestar depoimento. O inquérito apura se Margarida sofre de problemas de saúde mental.
A Polícia Civil de São Paulo informou ter aberto investigação após receber ligações da vizinhança com relatos de que residia no imóvel "uma pessoa que apresenta problemas de saúde mental e que estaria necessitando de ajuda", informou o boletim de ocorrência.
Margarida, seu filho e sua irmã não foram localizados para que pudessem se posicionar sobre o caso.
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