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Mensagens apontam que PMs do RJ matavam suspeitos que não pagavam propina

Policiais também usavam materiais desviados para pagarem informantes; PM avalia expulsão de envolvidos, no qual seis estão presos e outros dois respondem em liberdade - Reprodução/Wikimedia Commons
Policiais também usavam materiais desviados para pagarem informantes; PM avalia expulsão de envolvidos, no qual seis estão presos e outros dois respondem em liberdade Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons

Do UOL, em São Paulo

22/08/2022 11h51Atualizada em 22/08/2022 11h51

Mensagens do celular do PM Adelmo Guerini, apreendido na operação Gogue Magogue em 2020, mostram que os policiais negociavam propinas para libertarem criminosos que haviam capturado na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. As conversas, obtidas pelo jornal O Globo, e a investigação da Polícia Civil mostram que Guerini e os colegas faziam incursões policiais que tinham o "nítido objetivo de matar traficantes que não realizavam o pagamento de propina".

Em uma ocasião, ele encaminhou a um amigo, o também PM Wiliam de Souza Noronha, fotos de um homem morto, com uma marca de tiro nas costas, seguidas do comentário: "Aí compadre, menos um. Bala no rabo deles", comemora Noronha ao ver as imagens.

O próprio Guerini afirma que o criminoso foi morto por se recusar a pagar propina. "Porque esse falou se a barca quiser $ [dinheiro] vem buscar".

De acordo com o jornal carioca, o policial relatou que os traficantes já haviam procurado os policiais para tentar fechar um acordo de pagamento de propina após o homicídio.

"Já querem papo, agora já falamos que vamos só matar". Noronha aconselha o amigo a fazer mais operações na favela para aumentar o valor acordado com os criminosos. "Se fizer mais ocorrência aí, vai aumentar o papo".

Negligência, desvio de dinheiro e material apreendido

Em conversas com o sargento Oly Biage, Guerini havia sido transferido recentemente ao 21º BPM (Batalhão da Polícia Militar) e questionou como era a rotina da região.

"Só é fraco $ [dinheiro]. Pegar alguém é merreca", respondeu Biage, referindo-se às propinas negociadas pelos policiais para libertar criminosos que haviam capturado, segundo o MPRJ (Ministério Público do Rio). O PM diz que "o coronel quer caixão", fazendo alusão ao tenente-coronel André Araújo, que também estava chegando ao batalhão.

Na primeira semana de serviço no novo quartel, Guerini e seus companheiros de patrulha, de acordo com a investigação do MPRJ, mataram um homem e desviaram R$ 2,7 mil apreendidos com ele. O desvio desse valor foi constatado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) que verificaram que as mensagens do policial com Biage não batiam com o registro de ocorrência do homicídio.

Segundo O Globo, no dia 6 de fevereiro, o PM encaminhou a Biage duas fotos de uma ocorrência em São João de Meriti: em uma delas, havia um homem morto com uma marca de tiro no peito; na outra, uma pistola apoiada em um banco. Em seguida, ele contou que a equipe apreendeu uma "mesa de drogas" e escreveu que "tinha 2.7", seguido de um "$", referindo-se a quantidade de dinheiro encontrada por ele.

O sargento Biage parabeniza o colega pela ocorrência com a dica de que ele iria "gostar" da favela da Linha. "Isso aí, moleque, isso aí! Outra favela boa que você vai gostar: Favela da Linha, mané. Boa de trabalhar também, entendeu? A gente falava que lá era o shopping, mané. Quando queria fazer um saque rápido, ia lá".

O dinheiro não foi entregue na delegacia e os PMs alegaram que só encontraram drogas e uma pistola com Felipe da Silva Ross, morto na ação policial. O MPRJ denunciou Guerini e mais 12 policiais por desviarem R$ 2.700 em "proveito próprio".

No mesmo dia, o adolescente Luiz Antônio de Souza Ferreira da Silva, 14, estava voltando para casa, na Vila Ruth, depois de uma consulta com uma psicóloga quando foi baleado na perna pela patrulha de Guerini, que entrou atirando na favela em confronto com traficantes da região por volta das 16h, segundo relatos de moradores ao jornal O Globo, quando as ruas ainda estavam cheias de crianças.

O jovem estava em processo de adoção após sua mãe morrer vítima de um câncer há dois anos. Tamires dos Santos Silva, 23, que acompanhou Luiz Antônio na consulta e queria adotá-lo, acusou os PMs de negar socorro ao jovem. "Eu não vi de onde veio o tiro. Mas logo depois que ele foi atingido, passou um carro normal, sem identificação, com PMs fardados dentro. Pedi ajuda para eles. Mas eles não se importaram. Quem me ajudou foram os moradores em volta".

Em conversas com os colegas, Guerini mencionou que entre fevereiro e abril de 2020 participou de quatro operações letais, sendo acusado de desviar parte do material apreendido em duas delas. Nas outras duas, a situação é pior: as mensagens revelam que os suspeitos foram mortos por não terem pago propina aos policiais.

As mensagens também revelaram que o policial desviava material apreendido em operações para usar como pagamento do "serviço" de informantes. No dia 27 de fevereiro de 2020, Cláudio Gonçalves Neto, o Kalunga, identificado pelo Gaeco como informante, passou a Guerini dados sobre uma boca de fumo numa favela de São João de Meriti.

Em áudio, Kalunga descreveu que os criminosos "estão de casacão", de "jaqueta escura" e que "o de bonezinho preto, do outro lado, tá com radinho na mão e deve tá de arma também". Horas depois, Guerini o informou que "deu bom!!" e o informante o agradeceu pelo celular "novinho" após a operação. O registro de ocorrência do homicídio mostra que, naquele dia, os agentes só entregaram uma pistola na DHBF (Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense).

Questionada pelo UOL, a PM disse que a CGPM (Corregedoria Geral da Polícia Militar) instaurou um inquérito para verificar as denúncias apontadas pelo Ministério Público no contexto da "Operação Mercenários" e há procedimentos para verificar a permanência ou exclusão dos policiais citados, dentre os quais seis seguem presos e dois respondem em liberdade.