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Elektra e Bibi Perigosa: como mulheres disputam espaço no tráfico de drogas

Bibi Perigosa, Elektra Majestade e Hello Kitty acumularam funções no crime - Arte/UOL
Bibi Perigosa, Elektra Majestade e Hello Kitty acumularam funções no crime Imagem: Arte/UOL

Do UOL, em São Paulo

30/04/2023 04h00

As recentes prisões de Andreza Cristina Lima Leitão, conhecida como Bibi Perigosa, e de Suliane Abitabile Arantes, a Elektra Majestade, mostram como essas mulheres acumulam funções no crime e enfrentam preconceitos dentro das próprias facções que integram.

Bibi Perigosa

Andreza Cristina Leitão, uma das articuladoras dos ataques no Rio Grande do Norte em março, ficou conhecida como "Bibi Perigosa" e "Andreza, Patroa". Ela foi detida no dia 2 de abril, em frente a um shopping em Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro.

Andreza herdou a liderança do tráfico após a morte do marido, Elinaldo César da Silva, conhecido como "Sardinha". Ele foi assassinado em setembro de 2016. A partir de então, ela assumiu os negócios ao lado do irmão, José Alexandre Lima Leitão, o "Espiga", segundo as investigações.

Condenada a dez anos de prisão por tráfico de drogas e organização criminosa, ela estaria havia três anos no Rio usando o nome de Rafaela Carvalho. Andreza comandava pontos de comércio de drogas em Natal e teria buscado abrigo em comunidades comandadas pelo Comando Vermelho.

A polícia do RN tem percebido maior participação de mulheres em organizações criminosas do estado nos últimos cinco anos. Segundo o delegado Luciano Augusto Pereira, elas atuam na estrutura logística de roubo a bancos, na lavagem de dinheiro e administram recursos financeiros de facções.

Mulher conhecida como "Bibi Perigosa" ao embarcar para o Rio Grande do Norte - Divulgação/Seap-RJ - Divulgação/Seap-RJ
Mulher conhecida como "Bibi Perigosa" ao embarcar algemada para o Rio Grande do Norte
Imagem: Divulgação/Seap-RJ

Mais mulheres passaram a ser identificadas e detidas em ações do novo cangaço — grupos fortemente armados que explodem bancos e executam roubos milionários em cidades menores. O delegado afirma que elas participam do resgate dos companheiros, guardam armas e restauram as cédulas roubadas.

Andreza ficou conhecida como uma das mulheres com mais poder no Sindicato do Crime, organização criminosa que aterrorizou o RN em março. A liderança dela era reconhecida, apesar de ser companheira e irmã de homens da cúpula da organização.

O UOL não conseguiu localizar a defesa de Andreza Cristina Leitão. O espaço está aberto caso haja manifestação.

Ao cometerem o mesmo tipo de crime que um homem, essas mulheres rompem com aquilo que é esperado para uma mulher e passam a ser vistas como extremamente perigosas. Para os homens, há uma aceitação desse tipo de crime.
Rosângela Gonçalves, socióloga que pesquisou o encarceramento de mulheres em SP e o PCC

Elektra Majestade

Suliane Abitabile Arantes, a Elektra, considerada pela polícia a "mulher mais perigosa" do PCC - Reprodução/Polícia Civil do DF - Reprodução/Polícia Civil do DF
Suliane Abitabile Arantes, a Elektra, considerada pela polícia a "mulher mais perigosa" do PCC
Imagem: Reprodução/Polícia Civil do DF

Suliane Abitabile Arantes é apontada pela Polícia Civil do Distrito Federal como responsável pelo cadastro de integrantes do PCC. Ela é acusada de posse ilegal de arma e associação a organização criminosa e foi presa no dia 4 de março na zona leste paulistana.

Elektra era a "planilheira" dos estados e países no PCC. Ela comandava a célula que cuida do cadastro e das planilhas com todos os dados, incluindo os nomes de padrinhos dos novos batizados na maior organização criminosa do país.

Ela teria informações sobre registro de cadastro dos integrantes do PCC que recebiam drogas da facção. Com ela, foram apreendidas planilhas com a contabilidade do tráfico de drogas da organização criminosa, segundo investigações.

Em São Paulo, a presença das mulheres nas atividades criminais também se intensificou. Isso porque as funções no tráfico possibilitam que elas continuem cuidando dos filhos, da casa e fazendo a gestão do lar, afirma Rosângela Gonçalves.

O UOL não conseguiu localizar a defesa de Suliane Abitabile Arantes. O espaço está aberto caso haja manifestação.

Há um tipo específico de mulher que alcança posições de liderança no PCC. Mulheres lésbicas e trans são impedidas de chegar a um lugar de destaque. Elektra é uma das que consegue acessar essa posição porque performa a feminilidade. Isso demonstra a valorização da heterossexualidade na organização.
Rosângela Gonçalves, socióloga e pós-doutoranda

Hello Kitty

Rayane da Silveira, a Hello Kitty, quando frequentava a igreja e empunhando arma após retornar ao crime - Reprodução/Arquivo Pessoal - Reprodução/Arquivo Pessoal
Rayane da Silveira, a Hello Kitty, quando frequentava a igreja e empunhando arma após retornar ao crime
Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Rayane Nazareth Cardozo da Silveira ficou conhecida como Hello Kitty. Ela morreu em uma operação no Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, em 2021.

Ela atuava como gerente do tráfico em uma comunidade de São Gonçalo, segundo a polícia. O apelido teria surgido pelo fato de ser "menina" e "meiga" quando começou no crime. Ela passou um período afastada do crime, cantando em um templo evangélico.

Segundo a Polícia Civil do Rio, Rayane praticava crimes com um namorado. Ela chegou a traficar pela facção ADA (Amigos dos Amigos), mas depois mudou para o Comando Vermelho, onde era considerada pessoa de confiança do chefe.

Os "papéis de gênero" no crime

Apesar da maior participação no tráfico, as mulheres ainda exercem funções marcadas por "papéis de gênero" — conjunto de ações e comportamentos associados à masculinidade ou à feminilidade.

Muitas entram no crime em função da participação dos companheiros, diz o delegado Pereira, do RN. Mas, a partir do momento em que se envolvem no tráfico, lutam pela autonomia para permanecer.

O reconhecimento no crime vem quando são comparadas a figuras masculinas. "Figuras femininas acabam conhecidas como 'Marcola de Saia'. A referência é comumente um padrão masculino", afirma a socióloga Gonçalves.

O aumento da participação em algumas atividades ainda esbarra na falta de poder na tomada de decisões. Nos julgamentos do PCC para definir punições, os chamados 'tribunais do crime', as mulheres não têm poder decisório, por exemplo.

Muitas se tornaram lideranças somente quando homens da cúpula do PCC foram encaminhados para o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), no sistema prisional paulista.

O batismo de mulheres no PCC começou a partir da primeira megarrebelião nos presídios de São Paulo, em 2001. Antes disso, porém, elas já desempenhavam funções na organização.

Subordinadas a comandos masculinos

As bases das organizações criminosas são constituídas a partir de atributos relacionados à masculinidade. "Mulheres que ocupam posições de liderança já exercem alguma resistência às normas do PCC", diz Gonçalves.

Elas precisam provar que têm mais atributos do que os homens para serem aceitas entre os líderes. "Talvez por isso estejam caindo e recaindo mais nas malhas do sistema prisional."

Essas mulheres sofrem represálias dentro e fora do tráfico. Mais punidas pela polícia e pela Justiça, elas também são mais abandonadas por familiares quando estão no cárcere, segundo a socióloga.