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Garimpo, prostituição e pistas: como agem PCC e CV na Terra Yanomami

PRF apreende armamentos de grosso calibre utilizados por membros de facções em terra Yanomami - Divulgação PRF
PRF apreende armamentos de grosso calibre utilizados por membros de facções em terra Yanomami Imagem: Divulgação PRF

Do UOL, em São Paulo

16/05/2023 04h00

Ao menos 14 pessoas foram mortas desde o fim de abril na Terra Yanomami, em Roraima. Os conflitos envolveram forças de segurança, indígenas, garimpeiros e as organizações criminosas PCC e Comando Vermelho —que tentam expandir negócios na região.

Como agem as facções na Terra Indígena Yanomami

Os grupos criminosos utilizam a estrutura logística da extração ilegal do ouro, administram casas de prostituição e pontos de comércio de drogas no garimpo, segundo as investigações. O lucro com essas atividades faz esse grupo de garimpeiros faccionados resistir à saída do local.

O PCC tem uma atuação hegemônica em Roraima. Já o Comando Vermelho atua de forma 'discreta' e com operações concentradas nos municípios de Mucajaí e Alto Alegre. Segundo o sociólogo e pesquisador Rodrigo Chagas, a facção paulista conta com "prestadores de serviços" que não precisam ser necessariamente "batizados" —ou seja, entrar de fato para a organização.

Existem hoje entre 40 e 50 foragidos vinculados a facções em território de garimpo, estimam fontes ligadas à segurança pública de Roraima. Antes das operações do governo federal para a saída dos garimpeiros havia ao menos cem garimpeiros vinculados ao PCC.

As armas longas e pistolas encontradas durante as operações da PRF em território yanomami também são consideradas indícios da atuação de organizações criminosas.

Garimpeiros usam armas para caçar e se defender, mas não usam fuzis. Há indícios de que quem está resistindo seja o pessoal faccionado que tem mais a perder com os negócios.
Rodrigo Chagas, da Universidade Federal de Roraima e do Fórum de Segurança Pública

Onde ocorrem os conflitos - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

O 'narcogarimpo' sob domínio do PCC

Além da atuação no garimpo, os negócios da facção paulista incluem o controle de "biqueiras" na capital Boa Vista. Segundo Chagas, o PCC vende drogas para garimpeiros e comercializa o skank, uma espécie de maconha colombiana sofisticada, para dentro do país, além de cocaína para o exterior.

A facção paulista exerce controle sobre as casas de prostituição e serviços próximos a portos e aeroportos do garimpo. Quando essas casas são vinculadas ao PCC costumam ser conhecidas como "currutelas queimadas".

Um integrante do PCC, conhecido pelo apelido de Escobar, é apontado como novo líder dos negócios na região do rio Uraricoera. A informação foi confirmada ao UOL por fontes ligadas à segurança pública no estado.

Ele assumiu depois da morte de Sandro Moraes de Carvalho, 29, conhecido como Presidente, durante operação policial em 30 de abril. Outros três garimpeiros foram assassinados no mesmo dia.

A atuação da organização paulista teve início em Roraima em 2014, diz Chagas. O CV chegou poucos anos antes.

A disputa mais acirrada [entre as facções] depende de um salve que, muitas vezes, vem de dentro das penitenciárias. Nas regiões em que uma facção domina, a outra não vai. Existe uma 'paz armada', o conflito aberto não é interessante economicamente.
Rodrigo Chagas, sociólogo e pesquisador

PCC controla o comércio de drogas em Boa Vista, capital de Roraima - Arquivo pessoal/Rodrigo Chagas - Arquivo pessoal/Rodrigo Chagas
PCC controla o comércio de drogas em Boa Vista, capital de Roraima
Imagem: Arquivo pessoal/Rodrigo Chagas

CV disputa controle sobre pistas de pouso

As ações do CV se concentram no transporte aéreo de drogas para Amazonas e Venezuela.

Há um grupo de integrantes suspeitos de integrar o CV que opera pistas de pouso em fazendas de Mucajaí e Alto Alegre — há inscrições com a sigla nos locais.

Contudo, a presença do CV no estado vem se enfraquecendo. Hoje, integram a facção pessoas que têm um "histórico" na organização —por isso, não podem se vincular ao PCC.

O CV chegou em Roraima por meio da transferência de presos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC) para penitenciárias de Rondônia entre 2012 e 2013. Alguns detentos se filiaram ao CV quando voltaram para Roraima.

Nas áreas em que há maior concentração do CV há, segundo Chagas, uma redução dos conflitos entre narcotraficantes e garimpeiros.

Comando Vermelho disputa espaço com PCC na Terra Indígena Yanomami - Arquivo pessoal/Rodrigo Chagas - Arquivo pessoal/Rodrigo Chagas
Comando Vermelho deixa sigla para indicar atuação em áreas da Terra Indígena Yanomami
Imagem: Arquivo pessoal/Rodrigo Chagas

Entenda o caso

"Percebemos uma diminuição drástica nos alertas de garimpo ilegal, mas os garimpeiros que ficaram são os que demonstram maior periculosidade", afirmou ao UOL Beatriz Matos, diretora do Departamento de Proteção Territorial de Povos Isolados e de Recente Contato do Ministério dos Povos Indígenas.

A onda de confrontos no fim de abril foi a quarta na Terra Indígena Yanomami desde o início das operações do governo federal, em fevereiro. Segundo a PRF, a possibilidade de conflitos era esperada e novos episódios de violência ainda podem ocorrer.

O UOL procurou o governo de Roraima e a Secretaria da Segurança Pública, mas foi informado que "a Polícia Civil não atua em Território Yanomami". A reportagem também procurou a Polícia Federal em Roraima, mas o órgão disse que "não comenta investigações em andamento".

Tendemos a entender que a maioria [dos garimpeiros] que buscava alternativas econômicas já se retirou. Podemos presumir que aqueles que se recusam a sair são os mais resistentes e têm mais o que perder.
Beatriz Matos, do Ministério dos Povos Indígenas