Mergulhadores da cocaína: nova tática do tráfico produz lucro e mortes
A participação de mergulhadores profissionais para auxiliar o tráfico de drogas internacional surpreende especialistas, que consideram a tática uma nova modalidade dentro organizações criminosas. A estratégia é cheia de riscos e, segundo a PF, já acabou até em morte.
Quatro suspeitos foram alvos de mandados de prisão preventiva da Polícia Federal em uma operação realizada na manhã de quarta-feira (24), sendo que dois eram mergulhadores. Eles integravam o grupo criminoso e eram responsáveis por ocultar a droga nos cascos dos navios. Mais de 1.470 kg de cloridrato de cocaína foram apreendidos e tinham como destino o continente europeu.
Como os mergulhadores agem
Caixa do mar. O transporte ilegal das drogas é feito na parte traseira das embarcações, que em sua grande maioria têm duas "caixas de mar", uma na lateral e outra na parte de baixo.
Existe um sistema dentro dessas caixas com bombas que sugam água do mar. Ela serve para resfriar os motores.
Mergulho e amarração. Quando há caixa com a bomba desligada, esses mergulhadores descem, abrem as grades, amarram os pacotes de cocaína com cordas e cabos, fecham, e fogem em seguida.
Durante esse processo, muitos acabam até morrendo, de acordo com a Polícia Federal — que não deu detalhes de quantas pessoas teriam morrido neste tipo de ação, nem quando.
Mergulhadores do tráfico escondem cocaína em navios de carga
'Método inovador'
Há quase 15 anos, a professora Carolina Grillo, coordenadora do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense) do Rio de Janeiro, estuda o Comando Vermelho e sua forma de atuação. O uso de mergulhadores e a forma como essas drogas estavam sendo transportadas é uma nova aposta das organizações criminosas:
"As formas mais comuns são transportar as drogas pelos aeroportos, veleiros e dentro de contêineres, mas transportar nos cascos das embarcações e com o auxílio de mergulhadores, parece ser um método inovador. Eles criam esquemas com essas pessoas, com funcionários e agentes de fiscalização desse porto para que esse transporte possa operar", explica a professora ao UOL.
A Polícia Federal investiga o grupo desde agosto de 2021, quando teve acesso a uma gravação com câmera térmica no Porto do Rio. Um mergulhador e um homem foram presos. O grupo é apontado por ter ligação com o Comando Vermelho, mas a professora explica que essas facções poderiam estar trabalhando em parceria, devido ao nível de complexidade da operação.
"Nesse nível de escala internacional, que tenha contatos com a Europa, são redes operadas principalmente por grupos estrangeiros ou de famílias de classe média alta que operam essas redes do Brasil e que possuem conexões com mais de uma facção para viabilizar isso, como o PCC", diz Carolina.
A professora acredita que essas drogas são oriundas da Colômbia e do Peru. Elas passam pelo Brasil, que é um entreposto importante, antes de seguir para a Europa: "As margens de lucro são muito maiores no exterior, então esses grupos precisam ter contatos fortes para essa revenda e se tiver algum contato que se responsabilize para fazer esse transporte dentro do país, já é uma vantagem para eles".
Lucro no atacado
Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), Bruno Paes Manso explica que o tráfico dos anos 1980 e dos anos 2000 está muito ligado ao varejo da droga, a venda nas cidades. Com o desenvolvimento nos últimos 40 anos de tráfico, esses grupos, tanto o PCC quanto o CV, perceberam que o maior lucro estava ligado a essa venda para o exterior, então o Brasil passou a ser um caminho de distribuição, uma espécie de "corredor das drogas".
"Essa exportação da droga faz com que esses grupos se tornem mais especializados, envolve cada vez mais dinheiro e seduz cada vez mais profissionais de diferentes áreas. Só que agora o dinheiro é o dólar. Fica mais interessante", explicou o pesquisador ao UOL.
O uso de mergulhadores também foi uma novidade para o professor, que nunca tinha visto esse modo de atuação. Ele cita um relatório da UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) que mostra que o quilo da cocaína fora do Brasil chega a US$ 80 mil (R$ 400 mil) e no mercado interno, dentro do país, US$ 8 mil (R$ 40 mil).
"Eles vão descobrindo maneiras de fazer essas ofertas, de burlar o sistema. A droga na comunidade envolve muita violência e muita notícia, afeta o cotidiano na cidade e é o que chama mais atenção, mas o que envolve o dinheiro grosso, é o tráfico internacional, que envolve doleiros, advogados, offshores, ou seja, o buraco é mais em cima", diz o pesquisador.
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