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'Influência e donos de morros': quem é o líder do Comando Vermelho?

Homem carrega bananas perto de pichação da facção criminosa Comando Vermelho no Amazonas - Caio Guatelli/UOL
Homem carrega bananas perto de pichação da facção criminosa Comando Vermelho no Amazonas Imagem: Caio Guatelli/UOL

Abinoan Santiago

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

18/07/2023 04h00Atualizada em 18/07/2023 05h32

Em disputa contra PCC (Primeiro Comando da Capital) pelo controle do tráfico de drogas nos estados desde 2017, o CV (Comando Vermelho) tem o Rio de Janeiro, onde surgiu, como seu principal ativo. A facção é o maior grupo armado local e detém o controle de 24,2% dos bairros da capital carioca, o triplo da sua rival, o Terceiro Comando (8,1%).

Os dados são de um estudo inédito publicado no fim de 2022 pelo Geni-UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense) e Instituto Fogo Cruzado. Com tantos bairros do Rio sob o controle do CV e com presença em pelo menos 11 estados, quem é que lidera tudo isso?

O que se sabe sobre as lideranças do CV

Diferentemente de outras facções, o CV tem a característica de ser menos hierárquico, composto por "donos do morro" — a expressão é usada para designar os chefes do tráfico de drogas na região. Ou seja, não tem um líder, mas um conjunto de lideranças que comandam territórios e que se aliam entre si.

De acordo com Carolina Grillo, pesquisadora do Geni-UFF, a pirâmide do CV existe apenas em escala local. No Rio, cada uma das comunidades dominada pela facção tem um "dono do morro". Na Rocinha, por exemplo, segundo a Polícia Civil, é John Wallace Viana, o Johnny Bravo. No Complexo do Alemão, antes chefiado por Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, hoje é por Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, e assim por diante. O mesmo ocorre nos estados.

Na pirâmide, abaixo do "dono do morro" existem: o "frente" ou "responsável" do morro, depois os "gerentes" e, na base, os "soldados" e "vapores", segundo Grillo.

Se não há hierarquia nem um líder, então, como as decisões do CV são tomadas? Carolina Grillo, que se dedica a estudos de grupos armados, em especial o Comando Vermelho, explica que, apesar de não existir autoridade acima do "dono do morro", há líderes com mais influência do que outros. Isso depende do território sob suas mãos.

O Comando Vermelho não é uma organização que possui um chefe. O dono do tráfico em uma favela pequena tem menos influência em decisões coletivas do que donos em favelas grandes ou de várias favelas. Mas eles precisam formar alianças com outros donos de morro, inclusive para se fortalecer mutuamente e juntos reprimir as tentativas de "golpe de estado" por parte de seus subordinados. Carolina Grillo, pesquisadora do Geni-UFF

Qual o tamanho do CV no Rio?

Criado em 1979 no presídio de Ilha Grande, o CV era inicialmente formado por assaltantes e presos políticos. Surgiu como um movimento para cobrar melhorias na cadeia. Contudo, com a transferência dos presos políticos, os demais passaram a usar a sua experiência ilícita para mirar o mercado de drogas.

"Isso se deu em virtude de mudanças no mercado internacional de drogas que colocaram o Rio de Janeiro e São Paulo na rota da cocaína destinada à Europa, aumentando a oferta de cocaína e tornando-a mais acessível. As relações formadas no interior do presídio permitiram que assaltantes investissem o capital acumulado com roubos no mercado de cocaína, que aqueceu as atividades econômicas das antigas 'bocas de fumo' que eram antes pouco lucrativas e vendiam apenas maconha", esclarece Carolina Grillo.

O CV, com isso, passou a dominar os morros do Rio ao longo das décadas. O cenário começou a mudar somente a partir do avanço das milícias em meados da primeira década dos anos 2000. A facção atualmente não é mais soberana, conforme mostram os dados coletados pelo Geni-UFF.

Bairros sob o domínio de grupos armados no Rio

  • Milícias: 25,5% dos bairros, abrangendo 57,5% da superfície territorial da cidade
  • CV: 24,2% dos bairros, abrangendo 11,4% da superfície territorial da cidade
  • Terceiro Comando: 8,1% dos bairros, abrangendo 3,7% da superfície territorial da cidade
  • Amigos dos Amigos: 1,9% dos bairros, abrangendo 0,3% da superfície territorial da cidade

População sob o domínio de grupos armados no Rio

  • Milícia: 2.178.620 habitantes (33,1%)
  • CV: 1.198.691 habitantes (18,2 %);
  • Terceiro Comando: 337.298 habitantes (5,1 %);
  • Amigos dos Amigos: 48.218 habitantes (0,7%).
  • Quase metade da população carioca, 2.659.597 de habitantes (41,4%), reside em territórios ainda disputados pelas organizações criminosas.