Josias de Souza

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Opinião

Picaretagem orçamentária trava a proposta de ajuste de Haddad

Fernando Haddad cultiva dois desejos conflitantes. Sob o impacto da lufada conservadora soprada pelas urnas municipais, disse à repórter Mônica Bergamo que falta à esquerda uma utopia capaz de deter o avanço da extrema direita distópica. Simultaneamente, o ministro petista da Fazenda molha o paletó para demonstrar que não há utopia possível sem um orçamento realista.

Neste domingo, com o dólar a pino —R$ 5,869 na cotação de sexta-feira—, Haddad cancelou a viagem que faria à Europa. Ficaria fora do país durante toda a semana. Um contrassenso, pois precisa obter o aval de Lula para o seu pacote de ajuste fiscal nos próximos dias. Do contrário, os cortes ficarão em segundo plano, pois o chefe será absorvido por outras duas prioridades encaixotadas no calendário de novembro: a reunião do G20 e a visita do presidente chinês Xi Jinping.

No gogó, o governo sustenta que foram superadas as divergências internas. Na prática, remanescem dúvidas quanto ao tamanho da disposição de Lula para cortar e o desejo da Casa Civil de Rui Costa de salvar os investimentos do PAC. Há, de resto, a contrariedade do PT com a tesoura da Fazenda. E o pouco caso do centrão, mais interessado na reforma ministerial e no destravamento do pagamento de emendas bloqueadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Sobra a desconfiança do chamado mercado, cuja zanga conspira contra o bom momento da economia. O PIB roda na casa dos 3%, o desemprego cai e a renda média sobe. Ao mesmo tempo, o dólar, que estava abaixo de R$ 5 no início do ano, roça os R$ 6. A inflação, que era cadente no primeiro semestre, aponta para cima. Os juros, que caíam até julho, já bateram em 10,75% ao ano e seguirão em viés de alta, travando os investimentos e desestimulando o consumo.

Nenhum petista interpretou as urnas de 2024 com mais precisão do que Haddad. Nas palavras do ministro, a esquerda brasileira "não está dialogando com um projeto de futuro". Por isso, os "palhaços" da ultra direita estão "ocupando o picadeiro". Noutros tempos, Haddad seria atacado por uma patrulha ideológica. Hoje, precisa lidar com a picaretagem orçamentária. Rala para demonstrar que, sem equilíbrio fiscal, qualquer utopia vira uma crença do cego no arco-íris.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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