'Abrimos as portas, mas PMs vêm para nos matar': os relatos no Guarujá
O assassinato de um policial militar seguido de ao menos 12 mortes no Guarujá, no litoral de São Paulo, deixou um rastro de sangue e medo na Vila Baiana. O UOL percorreu as vielas da favela para ouvir o relato de moradores, que dizem ter testemunhado um crime e relatam casos de abuso de autoridade.
O que aconteceu
Ao voltar do trabalho, homem viu a PM e ficou com medo. Por volta das 17h de ontem, um comboio da Polícia Militar subiu pela rua Argentina, via de acesso para a Vila Baiana. A simples presença das viaturas foi como um gatilho para um morador com mochila nas costas, que havia acabado de voltar do trabalho. Ele sentou no banco em frente a uma parada de ônibus por alguns minutos, ao lado da esposa. E disse estar com medo de voltar para a própria casa.
Marcas de sangue ainda estavam na parede de uma das vielas da favela. Ali, havia ao menos dez perfurações de tiros nas paredes e uma cápsula de bala no chão.
Eram os vestígios da morte do vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes, 30. Ele teria sido torturado e assassinado por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) na noite de sexta-feira (28), após sair de casa para comprar cigarro, segundo o relato de parentes e vizinhos.
"Ouvimos tiros. Ele só gemia de dor e implorava por ajuda", disse uma mulher de 28 anos. "Depois de uns cinco minutos, teve tiro de novo. Aí, os policiais entraram na minha casa para tirar as balas que estavam no muro. Eles ficavam perguntando se a gente tinha visto ou ouvido alguma coisa", completou ela, que pediu para não ter seu nome identificado.
"Todo homem que mora aqui agora virou suspeito"
No dia seguinte, entraram na minha casa. A sorte foi que eu cheguei em seguida com o meu filhinho no colo e disse que só tinha o meu irmão ali, que estava dormindo após voltar do trabalho. E se eu não tivesse chegado naquela hora? Eles poderiam meter o pé na porta e pegar o meu irmão no quarto.
Autônoma, 28 anos
Ouvi gritos e o desespero dele, pedindo socorro. Ele era trabalhador e não tinha arma. Tenho certeza que ele não reagiu. Ele ficava com medo quando via a polícia. A gente não consegue mais dormir em casa em paz.
Ambulante, 23 anos
"Eles estão vindo para matar"
Uma catadora de recicláveis de 51 anos contou que policiais militares invadiram a sua casa horas antes da morte de Felipe e ameaçaram matar os seus dois filhos. Ela disse ter procurado a Polícia Civil para registrar ocorrência, mas informou ter sido desaconselhada pelos investigadores, que teriam se comprometido a "advertir" os PMs.
Eles iriam matar os meus filhos na minha frente. Nós estamos abrindo as portas para eles. Mas eles estão vindo para nos matar.
Catadora de recicláveis, 51 anos
Hostilizado por ter sido condenado em 2011. A moradora é mãe de um ajudante de pedreiro de 34 anos. Ele disse ter permitido a entrada dos PMs na sua casa, mas passou a ser hostilizado após ter dito que já tinha sido condenado por uma tentativa de roubo em 2011.
Ele [policial] se alterou e disse que daria um tiro na minha cara na frente da minha filha. A situação só não piorou porque a minha mãe estava ali. Eles estão subindo o morro com ódio.
Ajudante de pedreiro, 34 anos
Qual o posicionamento das autoridades
Todas as mortes em decorrência das ações policiais estão sendo "rigorosamente investigadas", afirmou a SSP (Secretaria de Segurança Pública). As apurações estão sendo conduzidas pela Deic (Divisão Especializada de Investigações Criminais) de Santos e pela própria Polícia Militar, segundo a pasta.
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Quero receberA fim de manter a segurança na cidade do Guarujá, a polícia irá prosseguir com a Operação Escudo por, pelo menos, 30 dias, com reforço policial na região.
SSP, em nota
Uma comitiva formada pela Ouvidoria das Polícias de São Paulo, Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) acompanha o caso no Guarujá.
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