'Abraça o papo': Lesk intimidou moradores em áudio após pacto com CV; ouça
Um áudio atribuído pela Polícia Civil do Rio de Janeiro a Philip Motta Pereira, o Lesk, mostra como ele ameaçou milicianos rivais e intimidou comerciantes da Gardênia Azul, na zona oeste carioca, após firmar uma aliança no começo do ano com o Comando Vermelho.
Documentos da investigação obtidos com exclusividade pelo UOL indicam que ele vetou pagamentos de taxas a rivais, trocou o fornecimento de internet e ainda "batizou" as drogas vendidas na comunidade com o seu apelido. Ele foi morto em um "tribunal do crime" por suspeita de ter ordenado a ação que resultou no assassinato de três médicos na madrugada de quinta-feira (5) em um quiosque na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.
'Não é pra pagar'
No áudio, Lesk proíbe qualquer tipo de pagamento de taxas a milicianos rivais e intimidou os moradores. Em seguida, faz ameaças de morte aos inimigos e diz que a sua quadrilha está na região mesmo diante da presença policial, em uma tentativa de demonstração de poder.
Relacionadas
Um dos alvos das ameaças foi o policial militar Anderson Gonçalves de Oliveira, morto por três criminosos com fuzis na região apenas duas semanas após o vazamento da mensagem. Conhecido como Andinho, ele estava de costas quando foi surpreendido pelos atiradores no corredor de um prédio. O crime foi atribuído à disputa por território entre grupos criminosos rivais.
Um áudio aí para a população do Gardênia. Quem tá falando aqui é o Lesk, entendeu? Então, tá proibido de pagar luz ou comércio pra qualquer miliciano aí no desespero a mando do Playboy, desse Andinho safado aí, que nós vai [sic] arrancar a cara dele fora, que é um c* fodido e ex-polícia, entendeu?
Não tá aí dentro os 'polícia' [sic]? Esses arrombado não tá [sic] aí dentro? (...). Já que o Estado tá aí dentro, vocês vê [sic] qual é o Estado. Nós tá [sic] aí dentro também. Chamaram o Trem Bala aqui, nós vai [sic] na direção, entendeu? Então, não é pra pagar (...). Eu tô livrando o Gardênia desses câncer aí, que está há décadas (...) sugando o dinheiro de vocês, correto? Então, abraça o papo.
Áudio de Lesk após aliança com o CV na Gardênia Azul
Vídeos e fotos anexadas à investigação indicam a presença do Comando Vermelho e de criminosos com fuzis da chamada "Tropa do Urso", como é conhecido o grupo armado do traficante Edgar Alves de Andrade, o Doca, um dos líderes da facção criminosa nas ruas.
Com a tomada do território, Lesk passou a chefiar o tráfico na região e "batizar" as drogas usando um novo apelido: CR7. Com isso, as drogas passaram a ser embaladas com a foto em alusão ao jogador de futebol português Cristiano Ronaldo, o CR7.
Com a "nova gestão do crime", os moradores também ficam sem sinal de internet e são obrigados a trocar de provedor, seguindo orientações do tráfico. Para conquistar a confiança na região, Lesk usa o argumento de que seria "cria" da comunidade, como são chamados na gíria os criminosos que são oriundos da área.
O "general" e a caçada aos rivais
A participação de lideranças do CV na aliança com a milícia do Rio já era investigada pela Polícia Civil do Rio, apontam documentos obtidos com exclusividade pelo UOL. Os investigadores rastrearam uma troca de mensagens entre Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, e um criminoso com a missão de ocupar territórios na zona oeste entre fevereiro e maio deste ano.
A ação é descrita como "caçada" aos rivais em mensagens enviadas a Abelha, chamado de "general" pelo suspeito de chefiar as buscas. No diálogo, o chefe do CV recebe fotos de jovens sentados no chão no que parece ser uma abordagem feita pelos criminosos.
Nas buscas, há informações em referência ao assassinato de rivais. "Morto 01 do Fubá [em referência ao líder de grupo rival que atuava na favela em Cascadura, subúrbio do Rio]", escreve o criminoso, que recebe elogios do chefe. "Meu mn [meu mano, na gíria] representa nós", responde Abelha, elogiando a ação.
Em outra mensagem, o criminoso encaminha a Abelha um vídeo mostrando outra ação. "Chacrinha pai", diz, citando a ação na favela na Praça Seca, zona oeste, palco de confrontos entre facções rivais nos últimos anos. E, mais uma vez, recebe elogios: "Vc é foda".
Também há imagens de armamento pesado usado pela quadrilha. Em um dos fuzis, está escrito "PB vive". É uma referência a Pablo Rabello, filho de Abelha, morto em uma troca de tiros com a polícia em 2019 no Complexo da Penha, reduto do Comando Vermelho.
O nome de Abelha está salvo no celular como Chefe Mel, de acordo com print da troca de mensagens anexada ao inquérito da Polícia Civil.
Nas mensagens, Abelha informa ter feito o pagamento de R$ 1.000 ao suspeito de chefiar a ação e a outro comparsa dele. "Deixei mil lá pra vc e vou deixar mil para ele", escreve o chefe do Comando Vermelho.
Em seguida, o criminoso pede orientação. "Aqui eu conheço a maioria das áreas. Então onde o senhor fala [sic] pra eu entrar eu vou entrar".
Abelha responde citando outro chefão da facção criminosa nas ruas. "Vou conversar com o Doca aqui e te chamo". Doca é o apelido de Edgar Alves de Andrade, também conhecido como Urso. Assim como Abelha, ele integra a cúpula do Comando Vermelho nas ruas.