'Perdi meu braço no ônibus, indo ao trabalho, e foi como filme de terror'
Ana Beatriz Oliveira, de Campinas (SP), teve o braço direito decepado em um acidente de ônibus em novembro de 2019, aos 18 anos. Quatro anos depois, decidiu compartilhar sua rotina nas redes sociais. Ao UOL, ela contou como tudo aconteceu.
'Traseira do ônibus bateu em poste'
"Estava no ônibus indo para o trabalho, com meu braço apoiado na borracha preta da janela. Foi quando a traseira do ônibus colidiu com um poste. No impacto, o vidro da parte de baixo da janela quebrou inteiro, a pressão estourou o vidro.
Lembro de tudo como se fosse um filme de terror. Assim que teve a pancada, começou a esguichar sangue sem parar. Foram cinco segundos de adrenalina e depois veio uma dor que nunca imaginei passar na vida e não consigo descrever.
Consegui descer do ônibus e veio um rapaz me socorrer, um anjo da guarda: ele estancou meu sangue, ficou conversando comigo até o socorro chegar, enquanto eu via meu braço caído no chão, do lado de fora. Não desmaiei em nenhum momento.
Três noites sem dormir
Foram 17 dias internada e duas cirurgias. A dor era insuportável, fiquei três noites sem dormir e à base de tramadol [opióide que bloqueia a transmissão de estímulos de dor]. Tentaram reimplantar meu braço, mas não deu certo devido à contaminação do ônibus.
Não cheguei a fazer fisioterapia porque, meses após o meu acidente, teve início a pandemia e o isolamento social. Tive de me virar sozinha, treinar para aprender a escrever com a mão esquerda, cozinhar, limpar a casa, fazer exercícios físicos na academia.
'Disseram que estava com braço para fora'
O que mais me marcou foram as notícias falsas: disseram que estava com o braço para fora do ônibus, como se o que aconteceu tivesse sido responsabilidade minha.
A janela tem dois vidros, o de baixo (que não abre) e o de cima (que abre), mas nem daria altura para eu estar com o braço apoiado ali. A parte que foi destruída é a de baixo, do vidro que não abre.
Jamais faria isso [colocar o braço pra fora do ônibus], mas até hoje ouço comentários como 'por que você colocou o braço pra fora?' ou 'bem feito, colocou o braço pra fora e queria ganhar o quê?'. E o pior que é o 'essa daí quer ficar milionária'.
Fiquei completamente sem chão no começo porque daria tudo para ter meu braço de volta e nenhum dinheiro do mundo vai fazê-lo voltar, mas sei da minha verdade e já não ligo mais para comentários ofensivo.
Fui forte demais por ter superado essa dor, então nada pode me fazer sentir mal hoje em dia.
Aprendendo com o irmão
Tenho um irmão mais velho com distrofia muscular de Duchenne, uma doença descoberta quando ele tinha cinco anos e caía e se machucava muito na escola. Ela vai atrofiando todos os músculos com o tempo e não tem cura.
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Quero receberEle é o amor da minha vida, mais do que tudo nesse mundo, e eu sempre ajudei minha mãe nos cuidados com ele. Trocava, dava banho, medicava, fazia tudo, e ainda trabalhava e fazia o ensino médio na época.
Sempre fui o "braço direito" quando ela precisava sair, mas depois do meu acidente, isso mudou. Não consigo mais ajudá-la.
Minha maior inspiração na vida é o meu irmão. Ele não tem movimento algum no corpo, então por que eu, por não ter um braço, vou reclamar? E assim fui levando, um dia após o outro.
Às vezes, me perguntava por que isso aconteceu comigo. Em outras, acordava e tudo pareceria ser um pesadelo, me sentia totalmente estranha, colocava as roupas e não me reconhecia. Mas foi tudo uma questão de me aceitar.
'Quero motivar outras pessoas'
Meu sonho sempre foi ter minha própria empresa, me casar, construir uma família. Também sempre gostei de esportes, praticava ginástica rítmica antes do acidente e até hoje não consegui me readaptar a essa atividade.
Atualmente, trabalho como vendedora em um shopping, mas tenho vontade de dar aula, e um dos meus maiores sonhos é ter minha própria academia para motivar outras pessoas."
Respostas
A Emdec (Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas), que gerencia o transporte na cidade, lamentou a ocorrência e disse que a apuração é realizada pela Polícia Civil.
A Emdec aciona as empresas concessionárias e operadores do sistema de transporte público coletivo municipal para que prestem esclarecimentos sobre os fatos ocorridos.
A empresa disse ainda que os ônibus e os motoristas não são da Emdec, mas de empresas concessionárias e operadores. "E todos os motoristas recebem treinamentos periódicos sobre direção segura e preventiva, coordenados pelas empresas concessionárias e operadores, com conteúdos subsidiados pela Emdec."
Há um programa de formação dos motoristas que tem o objetivo de reduzir o número de óbitos e sinistros (acidentes) envolvendo ônibus. Por meio dos treinamentos e campanhas de segurança viária realizados, a Emdec busca conscientizar os motoristas sobre a responsabilidade de conduzir vidas e a importância de dirigir com cautela e respeitando as leis de trânsito.
Emdec, em nota
O UOL procurou a empresa dona do ônibus em questão, mas não obteve retorno. A reportagem também buscou a Secretaria de Segurança Pública, para informações sobre investigações do caso de Ana Beatriz, e aguarda retorno.
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