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Cortado de evento gospel: quem é o pastor acusado de defender escravidão

Douglas Wilson, 70, é conhecido na vertente calvinista da igreja evangélica Imagem: Reprodução/Youtube/Christ Church

Do UOL, em São Paulo

20/01/2024 04h00

O pastor americano Douglas Wilson, 70, teve sua participação cancelada no congresso Consciência Cristã, em Campina Grande (PB). A novidade foi anunciada depois de denúncias sobre o religioso defender a escravidão em seus livros. A organização do evento disse que decisão foi tomada para preservar a integridade física do pastor.

Wilson estaria presente no evento nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro, liderando conferências com temas como "marido cristão: princípios para o relacionamento conjugal" e "como criar meninos para serem homens."

Quem é Douglas Wilson?

Um pastor de Moscow, em Idaho, Douglas Wilson é pastor na Christ Church, sediada na cidade em que ele nasceu.

Ele também é fundador da Associação de Escolas Cristãs e Clássicas, que reúne instituições de ensino com princípios bíblicos em seu método de ensino; eles têm afiliados para além dos Estados Unidos, em países como Indonésia e Nigéria.

Wilson ainda guia um seminário com três anos de duração em que os alunos se preparam para abrir novas igrejas seguindo o mesmo modelo que seu mentor.

O pastor se disse "rejeitado por todas as grandes denominações presbiterianas conservadoras", depois de fundar a Confederação das Igrejas Evangélicas Reformadas,

Ele também é conhecido pela sua editora, a Canon Press, que só publica livros da vertente teológica de Wilson; segundo a Universidade de Idaho, a empresa fatura ao menos US$ 1 milhão ao ano (R$ 4,9 milhões).

Wilson critica forma que escravidão acabou nos EUA

A discussão é tema do livro "Black and Tan", publicado pelo pastor em 2005; trechos estão disponíveis no site "The Gospel Coalition".

Nele, Wilson afirma que a Bíblia rejeita a ideia do sequestro de pessoas, mas que ter escravizados, em si, não era ruim.

Segundo o pastor, essas regras de libertação e repatriação dos escravizados à sua própria terra eram ignoradas pelos donos de escravos do Sul dos Estados Unidos, que também iam contra as passagens da Bíblia que condenam o sequestro dessas pessoas para trabalhos forçados.

Wilson afirma também que "a grande maioria desses escravos já tinham sido escravizados na África e que "a restauração desses escravos à sua condição inicial era fisicamente impossível."

"Muitos dos escravos do Sul eram descendentes de homens e mulheres que já tinham sido trazidos por gerações anteriores", diz o religioso.

Apesar de afirmar que "com certeza, não deseja a volta da escravidão", o pastor afirma que ela foi extinta nos Estados Unidos de maneira inapropriada, por meio de protestos com uso de violência, o que iria contra os princípios cristãos.

A escravidão nos Estados Unidos foi extinta em 1865, após a Guerra da Secessão. Na época, os estados do Norte eram abolicionistas, por terem interesse no crescimento do mercado consumidor e em obter mão de obra barata. Os sulistas defendiam a livre adoção do escravismo por lucrarem com os preços altos dos escravos.

A eleição de Abraham Lincoln, representante do Norte, fez com que os estados do Sul criassem um movimento separatista, temendo medidas contra a escravidão. A oposição entre os dois lados deu início à guerra, em que os estados do Norte, donos de indústrias de armamentos muito mais modernas, saiu vitorioso e manteve a união das 50 unidades federativas.

O Norte contou com o apoio de 25 Estados e de uma população de 22 milhões de habitantes, já o Sul teve o suporte de apenas 11 Estados e de uma população de nove milhões de habitantes, sendo quatro milhões de escravos, que também acabaram convocados para a guerra. Ao final, cerca de 600 mil pessoas morreram.

Wilson condena o racismo

O pastor afirma que a "base racial" da escravidão norte-americana é uma "complicação adicional" da prática e que os cristãos devem denunciar, por princípio bíblico, todo tipo de racismo.

"Deus criou a raça humana com Adão e Eva e todos nós viemos deles e somos, portanto, primos. (...) Narcisismo racial e animosidade racial não podem ser encontrados nas Escrituras."

Ele afirma que o ódio racial é uma forma de rebelião contra Deus. Mas, ao mesmo tempo, o abolicionismo radical, que lutou pela abolição da escravidão por meio da violência, também.

"Essas práticas devem ser combatidas fortemente, porque a palavra de Deus é oposta a elas."

Congresso e pastor se defendem

Os organizadores do Consciência Cristã confirmaram que cancelaram a presença do pastor "após polêmicas levantadas por interpretações de suas falas sobre o tema sensível da escravidão no contexto americano."

Eles afirmam que a decisão foi tomada para preservar a integridade física do religioso e de todos os participantes do evento — que deve receber 100 mil pessoas.

A nota afirma ainda que houve "incitação a crimes de ódio" contra Wilson e pediu que os fiéis leiam sua defesa.

"Esperamos que a verdade circule livremente em nosso meio, e que os veículos de comunicação deem ao Pastor Wilson o espaço necessário para que possa também falar e dar sua versão sobre os fatos. Esperamos que o Brasil possa seguir sendo um país aberto à fé e ao respeito a todas as manifestações religiosas, incluindo o cristianismo de tradição reformada."

Wilson publicou uma carta ao povo brasileiro em que nega ser defensor da escravidão.

Ele reforça que "os cristãos não são apenas instruídos a combater os males sociais", mas também "como" combatê-los, destacando, mais uma vez, que não aprova guerras ou batalhas físicas para "subverter uma instituição como a escravidão".

"Matamos 600.000 homens e, em muitos aspectos, essa guerra resultou em uma ferida que nunca cicatrizou de verdade. Portanto, minha posição não é a de um defensor da escravidão. (...) Meu argumento nunca foi que a escravidão era necessária, mas sim que a carnificina não era necessária."

Ele ainda afirma que luta para libertar "escravos do pecado" por meio do Evangelho.

"Se a acusação de que amo a escravidão for usada por Deus para levar qualquer um de vocês a entrar em contato com o evangelho da libertação e se algum escravo do pecado for liberto por meio desse evangelho da livre graça e do perdão, isso seria o que eu chamaria de uma doce ironia. E terá valido muito a pena."

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