Bairros mais pobres foram os mais atingidos por enchentes no RS; veja mapas
Mapas produzidos pelo Observatório das Metrópoles de Porto Alegre mostram que as áreas mais afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul foram as mais pobres. As inundações já desalojaram uma a cada 20 pessoas no estado, conforme dados da Defesa Civil estadual.
Na capital gaúcha, o Observatório das Metrópoles está vinculado à UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e é uma rede de pesquisa com núcleos em 18 cidades do país.
André Augustin, economista e especialista em planejamento urbano e pesquisador do Observatório, explica que o estudo foi elaborado cruzando dados de renda per capita do Censo Demográfico de 2010 com mapa das áreas urbanizadas alagadas pelas enchentes, produzido no dia 6 de maio pela UFRGS.
Já são mais de 538.245 pessoas desalojadas e todo o estado foi afetado de alguma forma, diz o pesquisador. Mas as regiões atingidas concentram principalmente populações de baixa renda.
"Todo mundo foi afetado pelas enchentes, nenhum gaúcho ficou fora. Por exemplo, moro muito perto do Guaíba, mas a água não chegou até minha casa porque minha rua é muito alta —apenas duas ruas abaixo já está alagado. Mas estou sem luz há mais de 10 dias; estou na casa da minha mãe, que está sem água já há quase duas semanas. Mas algumas pessoas foram afetadas mais do que outras", diz Augustin.
O pesquisador pondera que, como os detalhamentos do Censo de 2022 não estão disponíveis, os dados de renda per capita são de 12 anos atrás. Mas pontua que as dinâmicas imobiliárias da capital não tiveram alterações significativas na ultima década. "As regiões da cidade que são mais pobres ou mais ricas não mudaram tanto", diz.
Na capital gaúcha, a área norte da cidade, do Quarto Distrito à arena do Grêmio, próximo ao aeroporto, foi a mais afetada.
"O Quarto Distrito é uma região de ocupação centenária, uma antiga área industrial onde estava começando um processo de gentrificação nos últimos anos. A prefeitura fez vários investimentos que tem atraído a atenção do mercado imobiliário, mas o bairro ainda reúne uma população com menor renda."
Os bairros de classe média mais afetados, como Menino Deus e Cidade Baixa, foram onde a infraestrutura do sistema de manutenção de enchentes falhou.
"Inicialmente, Cidade Baixa, próxima ao centro, concentrava a maior população negra e pobre de Porto Alegre, onde nasceu o samba de Porto Alegre. São áreas que alagavam muito tempo atrás. Elas passaram a ser ocupadas pela classe média e classe alta, e foram feitas várias obras lá, como o Arroio Dilúvio, que passava por ali. Fazia muitas décadas que esses locais não enchiam por causa da infraestrutura que chegou assim que as populações mais ricas ocuparam aquele espaço", explica o pesquisador.
Áreas mais ricas de Porto Alegre ficaram debaixo d'água por problemas de manutenção, não por falta de estrutura. André Augustin, pesquisador do Observatório das Metrópoles
"Isso mostra que o problema não foi algo exclusivo, mas em geral. Ainda assim, pessoas mais pobres estão nas áreas que foram as primeiras a serem atingidas. E as outras, com mais estrutura, alagaram porque o sistema de proteção contra enchentes falhou."
O pesquisador também destaca as áreas nas ilhas Porto Alegre, no Guaíba. "São locais sem nenhum sistema de proteção", pontua Augustin. "Essas áreas muito próximas aos rios são as que alagam com frequência. Quase todo ano tem alguma cheia em que as pessoas têm que sair das suas casas. Elas concentram as populações mais pobres da região."
Em Canoas, o bairro Mathias Velho ficou praticamente embaixo d'água. A área, próxima ao rio dos Sinos, é uma das regiões mais pobres do município.