Dino: 48 horas para Sóstenes explicar lenocínio parlamentar que quer gerir
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O ministro Flávio Dino, do Supremo, deu um prazo de 48 horas para o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), explicar o "Orçamento Paralelo da Anistia". Traduzindo a palavra e seu contexto para a língua dos fatos: o deputado quer patrocinar a impunidade com dinheiro das emendas. É evidente que perdeu decoro, limite, noção. Se puser em prática o que promete, vai inaugurar a sistematização da prostituição da vontade; vai transformar as comissões presididas pelo PL em casa de exploração do lenocínio parlamentar.
Existe um acordo das comissões com o presidente da Câmara que consiste no seguinte: os partidos que as presidem destinam 30% das emendas de comissão que cabem a cada uma, e os outros 70% são distribuídos proporcionalmente entre as demais legendas pela Presidência da Casa. Sóstenes está inconformado com o fato de Hugo Motta (Republicanos-PB) ter conseguido o apoio da maioria dos líderes para adiar a votação da urgência daquela aberração a que chamam anistia.
O líder do PL resolveu chantagear Motta em cena aberta: disse que iria botar a corda no seu pescoço. Achou que era pouco. À colunista Bela Megale, de O Globo, ele afirmou:
"Se for preciso uma medida extrema, vamos desrespeitar esse acordo e passar a gerenciar 100% do valor das emendas das comissões que presidimos, dividindo o montante entre os deputados que votaram pela urgência da anistia".
O PL preside as comissões de Saúde, Segurança, Relações Exteriores, Agricultura e Turismo — um total de R$ 6,5 bilhões. Bem, se já é uma aberração que o Legislativo seja executor do Orçamento, agora o líder do partido diz que vai criar critérios próprios para a destinação do dinheiro, que é público, em desacordo com a Constituição e com a Lei Complementar 210/2024, que disciplina as emendas.
Dispõe o Artigo 4º:
§ 1º As emendas de que trata o caput deste artigo deverão identificar de forma precisa o seu objeto, vedada a designação genérica de programação que possa contemplar ações orçamentárias distintas;
§ 2º Os órgãos e unidades executores de políticas públicas publicarão em portarias dos respectivos órgãos, até 30 de setembro do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária anual, os critérios e as orientações para a execução das programações de interesse nacional ou regional, que deverão ser observados em todas as programações discricionárias do Poder Executivo.;
§ 4º A destinação das emendas de comissão para ações e serviços públicos de saúde, nos termos da Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, será de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento), observados as orientações e os critérios técnicos indicados pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde (SUS), que deverão ser considerados em todas as programações discricionárias do Poder Executivo.
Define o Artigo 5º:
Art. 5º As indicações das comissões, nos termos regimentais, terão o seguinte rito:
II - aprovadas as indicações pelas comissões, seus presidentes as farão constar de atas, que serão publicadas e encaminhadas aos órgãos executores em até 5 (cinco) dias.
E por que foi o ministro Dino a se manifestar? Porque ele é o relator no Supremo de diversas ações que dizem respeito à execução de emendas: a ADPF 854, sobre o Orçamento Secreto; as ADIs 7688 e 7695, sobre as emendas PIX, e a ADI 7697, sobre as emendas impositivas.
Como se pode perceber, a lei não estabelece que as emendas de comissão possam servir de instrumentos para chantagear o presidente da Câmara ou os parlamentares que não concordam com o PL. Tão ou mais grave: o buliçoso deputado está anunciando que pode abrir um guichê para comprar, com as emendas, a consciência de seus pares.
DESPACHO DE DINO
Em sua decisão, escreveu o ministro:
"As declarações atribuídas ao líder do PL na Câmara, Deputado Sóstenes Cavalcante, se verdadeiras, poderiam indicar que emendas de comissão estariam novamente em dissonância com a Constituição Federal e com a Lei Complementar nº 210/2024. Pertinente recordar que o Congresso Nacional, ao votar a citada Lei Complementar, decidiu que as emendas de comissão são destinadas a "ações orçamentárias de interesse nacional ou regional (artigo. 4º) e que "aprovadas as indicações pelas comissões, seus presidentes as farão constar atas" (artigo 5º, II), o que não se assemelha ao rito aparentemente descrito pelo Deputado Sóstenes Cavalcante".
Dino diz ainda que são imprescindíveis esclarecimentos sobre as seguintes declarações:
"Sóstenes afirma que a medida mais extrema que pode ser adotada é o rompimento do acordo firmado pelo presidente da Câmara com líderes sobre a divisão das emendas de comissão da Casa. O deputado diz que isso seria uma espécie de "morfina" para resolver o problema, referindo-se ao estágio final de pressão sobre Motta.
Segundo o líder do PL, o acordo prevê que as emendas de comissão sejam divididas da seguinte maneira: 30% do valor total que o colegiado têm ficam com o partido que o comanda e os outros 70% são distribuídos por Motta às outras siglas. -- Se for preciso uma medida extrema, vamos desrespeitar esse acordo e passar a gerenciar 100% do valor das emendas das comissão que presidimos, dividindo o montante entre os deputados que votaram pela urgência da anistia -- afirmou Sóstenes à coluna, destacando que o PL tem direito a cerca de R$ 6,5 bilhões em emendas de comissão."
VALE-TUDO
O deputado foi às redes com a estridência habitual:
"O Parlamento é livre.
Deputado eleito pelo povo não se curva a ameaças de ministro do STF.
Fazemos política com transparência, dentro da Casa do Povo. E a luta pela Anistia é justa, constitucional e legítima.
Não aceitaremos censura, não aceitaremos intimidação."
Então vamos ver:
- o Parlamento é livre nos limites da Constituição;
- as emendas estão previstas na Carta e são reguladas por ela e por uma lei; a sua destinação não é arbitrária;
- o líder do PL não acredita na liberdade em nome da qual fala nem a pratica: tanto é assim que está a anunciar que vai usar alguns bilhões de dinheiro público para comprar apoio a uma tese alheia à questão orçamentária e ao bem comum para punir aqueles que não se juntarem a ele;
- e há uma decisão adicional do líder do PL de gravidade exponencial: ao chantagear o presidente da Câmara, ele está, na prática, a desmoralizar a instituição.
Dino conclui:
"Após as informações a serem prestadas pelo Deputado Federal, venham os autos conclusos para a análise de novas medidas eventualmente necessárias, objetivando ao fiel cumprimento da Constituição Federal, da Lei Complementar 210/2024, das decisões do Plenário do STF e do Plano de Trabalho pactuado entre os Poderes".
CONCLUO
Que isso sirva de lição a todos os deputados que, não sendo do PL ou não se colocando como sabujos do bolsonarismo, acabaram caindo na conversa e assinando um pedido de urgência para o liberou-geral do golpismo.
O imprudente deputado e sua turma não prezam a independência de ninguém. São, digamos, fatalistas orçamentários: estão certos de que os senhores congressistas não resistem à tentação quando alguém se dispõe a comprar a sua consciência.
Não se trataria, pois, de um exercício de independência, mas de prostituição da vontade. E Sóstenes se candidata a chefiar a banca do lenocínio parlamentar.
43 comentários
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Andre Alayon
Nada do que venha do Congresso me surpreende. Depois que liberaram para os parlamentares o destino do nosso dinheiro, usá-lo para extorquir não é nada do outro mundo. Tudo normal nesse país!
Victor Hugo Dunstan
Que seja cassado!! SEM ANISTIA!!
William de Souza Toledo
Reibabaovodopt não vi vc falar nada sobre a corrupção no INSS, sobre o frei Chico , vc vai ficar calado?