Marielle: Difícil acesso impediu homicídio na casa da vereadora, diz Lessa
O ex-policial Ronnie Lessa, que confessou ter matado Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, afirmou em delação premiada que ele e o x-PM Edimilson de Oliveira, o Macalé, assassinado em 2021, cogitaram matar a vereadora em sua residência, no Rio de Janeiro.
O que aconteceu
Lessa afirmou que tentativa de matar Marielle começou em setembro de 2017. Na ocasião, os envolvidos no crime já tinham carro, armamento e telefones.
Vereadora já era monitorada. O ex-PM explicou que a dupla já tinha o endereço de Marielle. Mas detalhou que local não era ideal. "A gente tentava que fosse feito a partir dali, tentamos algumas vezes em vão dar prosseguimento ao fato e só que sem sucesso".
O atirador lembrou que a área onde ela morava era de difícil acesso. "Não tem como parar, é o cruzamento, 32 tem policiais andando na calçada, pois ali existe um policiamento na calçada, então quer dizer, era um lugar difícil de monitorar", disse.
Ronnie Lessa explicou o prédio não tinha estacionamento, por isso, a vereadora não guardava o carro no local. "A pessoa que mora naquele prédio não tem como guardar o carro ali, ou ela tem um carro guardado em uma garagem, ou estacionamento qualquer longe dali, ou não tem carro. Então isso acabou tornando a coisa um pouco difícil. Se tornou difícil porque não dava para parar. O único lugar que poderia parar tinha um policial parado de serviço".
Na delação, Lessa detalhou que diante das dificuldades, ele e Macalé passaram a monitorar outros locais para o crime. "Levou com que a gente procurasse outros meios, quais seriam outros meios, procurar a vida dela em si, nós tínhamos a informação de um bar que ela frequentava, nós conseguimos, localizar esse bar, que é na Praça da Bandeira, ali próximo, só que também outro lugar de difícil. Ou você tá no bar ou ficava fazendo o quarteirão; realmente, era uma missão que se tornou difícil, estava se tornando inviável".
Em dezembro de 2017, Lessa disse que a dupla estava "cansada" das tentativas falhas. Eles decidiram procurar os mandantes do crime. "A gente não chegava a lugar nenhum, a gente estava rodando em círculos, em vão, então nós fomos até os mandantes e propusemos que fosse mudada a estratégia que tinha sido montada".
Marielle e Anderson foram mortos na saída dela de um evento na Casa das Pretas, na Lapa, bairro do Rio de Janeiro. O crime ocorreu em março de 2018.
Nesta sexta-feira (7), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, retirou o sigilo da delação de Ronnie Lessa. Moraes também autorizou a transferência dele para Tremembé, no interior de São Paulo.
Ex-policial militar está preso desde 2019. Atualmente, Lessa está na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). A arma usada no crime nunca foi encontrada.
Proposta milionária para matar Marielle envolveu criação de milícia
Lessa afirmou que receberia US$ 10 milhões pelo assassinato, além de passar a ter o comando da milícia. Segundo ele, a exploração do negócio criminoso renderia mais de US$ 20 milhões. A declaração foi feita em delação premiada.
Lessa, que admitiu ter matado a vereadora, contou que ficou impactado com a proposta dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão. Segundo o ex-PM, os lotes foram oferecidos a ele e ao ex-PM Edimilson de Oliveira, o Macalé, assassinado em 2021. "Era muito dinheiro envolvido. Na época, daria mais de US$ 20 milhões. A gente não está falando de pouco dinheiro (...) Ninguém recebe uma proposta de receber US$ 10 milhões simplesmente para matar uma pessoa. Uma coisa impactante realmente."
Ele não citou quando o empreendimento teria início, mas disse que seria um dos donos. "A gente ia criar uma milícia nova. Então ali teria a exploração de 'gatonet', a exploração de kombis, venda de gás... A questão valiosa é depois. A manutenção da milícia que vai trazer voto."
Na delação, ele confessou o crime e contou que faria parte de uma "sociedade" com os Brazão. "Então, na verdade, eu não fui contratado para matar Marielle, como um assassino de aluguel. Eu fui chamado para uma sociedade". Os planos de implantação da nova milícia se dariam no loteamento oferecido em Jacarepaguá, zona oeste do Rio.
Segundo Lessa, Marielle era considerada "uma pedra no caminho". "Ela teria convocado algumas reuniões com várias lideranças comunitárias, se eu não me engano, no bairro de Vargem Grande ou Vargem Pequena [zona oeste carioca], justamente para falar sobre esse assunto, para que não houvesse adesão a novos loteamentos da milícia. Isso foi o que o Domingos [Brazão] passou para a gente. Que a Marielle vai atrapalhar e para isso ela tem que sair do caminho."
Lessa disse que se reuniu com os mentores do crime três vezes, duas antes do assassinato e uma depois do crime. "O Domingos fala mais e o Chiquinho concorda. E o local escuro, propício ao encontro. Um encontro secreto porque a situação pedia uma coisa dessa, isso seria muito mais inteligente do que sentar numa churrascaria". A PF registrou no relatório da investigação não ter encontrado provas desses encontros que, segundo Lessa, se deram em uma rua da Barra da Tijuca (zona oeste).
O atirador também citou o delegado Rivaldo Barbosa como um dos autores intelectuais do crime. Também preso, Barbosa foi apontado como "peça-chave" na consumação dos homicídios de Marielle e Anderson Gomes. Segundo Lessa, o delegado teria cuidado para que os suspeitos não fossem incomodados pelo inquérito aberto para investigar o crime.
Delegado assumiu chefia da Polícia Civil do Rio um dia antes do assassinato de Marielle. O relatório da PF apontou que Rivaldo teria recebido R$ 400 mil para atrapalhar as investigações do caso.
Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão teriam avisado Barbosa sobre o plano de mandar matar Marielle. Segundo a denúncia da PGR, o delegado usou seu cargo de chefe de Polícia Civil "para oferecer a garantia necessária aos autores intelectuais do crime de que todos permaneceriam impunes".
Marcelo Freixo chegou a ser cogitado como alvo
Na delação, Lessa afirmou que Marielle não teria sido a primeira escolha dos irmãos Brazão, e sim o ex-deputado Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur. O ex-PM contou que conseguiu mudar a ideia dos irmãos. Eles descartaram o assassinato de Freixo porque ele "gozava de grande projeção política". "Eliminá-lo poderia gerar grande repercussão", disse Lessa.
A PF conseguiu comprovar que Lessa fez pesquisas online sobre políticos ligados ao PSOL, incluindo Freixo. Atualmente no PT, Freixo era à época uma das lideranças do PSOL.
A denúncia oferecida contra os irmãos insere o crime em um contexto de embates políticos com o PSOL. O histórico de embates com o partido é antigo, narra a denúncia. Em 2008, no relatório final da CPI das Milícias, presidida por Freixo no Legislativo fluminense, os irmãos Brazão foram apontados como beneficiários do "curral eleitoral" formado por pressão da milícia de Oswaldo Cruz (zona norte).
O que dizem as defesas
Os Brazão negam autoria do crime. Domingos Brazão e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, que também está preso, negam participação nos assassinatos.
Os advogados de Domingos Brazão disseram ao Fantástico que não existem elementos que sustentem a versão de Lessa. Argumentaram ainda que não há provas da narrativa apresentada.
A defesa de Chiquinho afirmou que a delação de Lessa "é uma desesperada criação mental na busca por benefícios, e que são muitas as contradições, fragilidades e inverdades".
Rivaldo Barbosa também nega envolvimento no crime. Ele foi preso por suspeita de colaborar com os mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco.
A defesa do delegado destacou que ele nunca teve contato com os irmãos Brazão. Disse ainda que não há registro de recebimento de valores provenientes de atos ilícitos. Os advogados também criticaram a atuação da PF ao pontuar que o relatório da investigação se baseia só nas palavras de Ronnie Lessa.
Defesa diz que Rivaldo não oferece risco à ordem pública. Ao UOL, o advogado Marcelo Ferreira disse que o delegado deveria ter o direito de responder ao processo em liberdade e que ele não tem a intenção de se esquivar da lei.