'Com fotos, não virou história de pescador': ele viu nevasca em pleno RJ
O alpinista Jobson Pereira, de 57 anos, viveu algo raríssimo no Brasil: escalar uma montanha cheia de neve no... Rio de Janeiro. Em 9 de junho de 1985, feriado de Corpus Christi, uma frente fria atingiu o Brasil, deixando os morros do Parque Nacional de Itatiaia, em Resende (RJ), tomados de neve, algo impensável para um país tropical.
Nunca imaginei ver neve aos 18 anos. Nunca tinha visto neve na vida, fiquei igual criança.
Jobson Pereira
As fotos da nevasca viralizaram nos últimos dias nas redes sociais, deixando as pessoas em dúvidas se realmente o fenômeno aconteceu. Pereira, que mora em Resende, foi testemunha da nevasca e se lembra com orgulho de ter vivido o momento no local.
Segundo Pereira, a nevasca começou na noite daquele dia 9 e acabou só no dia seguinte. Foram 12 horas de neve sem parar, o suficiente para deixar a paisagem branca em pleno estado do Rio de Janeiro.
A neve atingiu a partir da altura do Abrigo Rebouças, que fica a 2.350 metros acima do nível do mar. A temperatura era de apenas 6 graus negativos. Na cidade de Resende e no pé do morro, não houve neve.
Foto comprova o caso
"Com as fotos não tem nem como dizer que a história é de pescador, né?", brincou.
As fotos daqueles dias rodaram o Brasil em jornais impressos. A edição de 11 de junho, do jornal O Globo, foi às bancas com testemunhas que também presenciaram a neve no Abrigo Rebouças.
Em um dos relatos, um turista paulista se mostrava preocupado com o emprego. "Meu patrão não vai acreditar", afirmou a testemunha, que não conseguiu descer o morro em razão das vias interditadas pela neve e carros com o combustível congelado.
'Vi a neve no quintal de casa'
Pereira lembra que tinha escalado o Itatiaia um dia antes da neve. Após chegar em casa, em Resende, recebeu um chamado para ajudar no resgate de dois montanhistas que estavam presos na montanha.
O retorno ao morro para o resgate ocorreu apenas de calça jeans, um sapato kichute —popular nos anos 1970 e 1980— e jaqueta. "Não tinha roupa apropriada para a neve, eu moro no Rio de Janeiro."
Na entrada do parque foi quando a gente viu que a noite estava com nevasca. A gente não sabia que estava nevando lá. Eu só fui saber lá, quando cheguei.
Jobson Pereira
Newsletter
PRA COMEÇAR O DIA
Comece o dia bem informado sobre os fatos mais importantes do momento. Edição diária de segunda a sexta.
Quero receberPereira diz que a surpresa com a nevasca fez a equipe de resgate improvisar equipamentos e aprender "na marra" como escalar uma montanha coberta por gelo.
A neve estava tapando os buracos entre as pedras, tínhamos que fazer degraus de neve para subir e tudo era uma precaução.
Jobson Pereira
O resgate, no fim das contas, não precisou ser feito. Os montanhistas sumidos, na verdade, estavam escondidos no morro para fugir da nevasca. Mas a viagem, para Pereira, não foi em vão. Até hoje ele agradece pela ligação.
"Você se sente meio que abençoado, ainda mais por ter visto duas nevascas", conta.
A segunda nevasca a que Pereira se refere foi a de 1988 —a última registrada no parque e bem menos intensa. A de 1985 é considerada a mais volumosa, pois cobriu grande parte da região mais alta do parque.
Na de 1985, tive sentimentos inexplicáveis que guardo até hoje na memória. Meus amigos escaladores do Rio precisavam sair do país para ver neve enquanto eu tive a oportunidade de ter neve no quintal de casa.
Jobson Pereira
Por que neve é rara no Brasil?
A neve é um aglomerado de cristais de gelo que se formam dentro de uma nuvem, explica o Ciram (Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina). Eles são brancos, hexagonais e surgem pelo aglomerado de vapor d'água suspenso na atmosfera.
É necessária uma série de fatores para a neve ocorrer. As principais são uma massa de ar frio, altitude elevada, umidade e formação de nuvens. Além disso, no caminho entre a nuvem e o solo, é preciso que a temperatura esteja abaixo de zero grau para o cristal não derreter. É essa combinação de fatores que faz a ocorrência do fenômeno tão rara no Brasil, até mesmo em áreas de serra do Sul.
Deixe seu comentário