Brasileiros relatam caos na imigração em Portugal: 'É um limbo eterno'

Brasileiros que vivem em Portugal reclamam de dificuldade de conseguir regularizar sua situação no país, mesmo cumprindo as regras de permanência.

A demora nos processos da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima) para obter a autorização de residência, segundo eles, tem causado problemas para conseguir emprego, abrir conta no banco e até viajar.

'Medo de sair e não voltar'

O designer pernambucano Bruno Siqueira, de 38 anos, vai completar em setembro um ano em Portugal. Durante todo esse tempo, vem tentando sem sucesso uma vaga de agendamento na Aima para se regularizar. A esposa dele é médica e tem autorização de residência no país —o que daria a ele também o direito de permanecer em Portugal.

Sem documentos, ele disse que não tem conseguido emprego no país e contou que neste período perdeu dois casamentos no Brasil dos quais seria padrinho dos noivos por causa do receio de não conseguir retornar a Portugal. "Fiquei com medo de sair e não poder voltar", afirmou.

Siqueira reclama da falta de informações sobre vagas, prazos e processos da agência migratória.

A gente fica num limbo eterno. Hoje, me sinto desalentado, perdi até o estímulo de tentar resolver, mas vou continuar tentando. Bruno Siqueira

Gisele está há 2 anos em Portugal e enfrenta problemas com documentos
Gisele está há 2 anos em Portugal e enfrenta problemas com documentos Imagem: Arquivo pessoal

'O banco não quer saber'

Os relatos de problemas aumentaram desde que houve a migração do extinto Serviço de Emigração e Fronteiras (SEF) para a Aima, que passou a funcionar em outubro de 2023. A agência migratória estima que herdou cerca de 400 mil processos pendentes.

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Diante da quantidade de processos acumulados, o governo tem prorrogado as validades das autorizações de residência e dos vistos vencidos. A renovação, porém, não tem garantido o acesso a serviços públicos e privados dos imigrantes nessas condições porque alguns órgãos e empresas desconhecem a medida.

É o caso da esteticista Gisele Ramos, 44, que está há dois anos em Portugal com a autorização de residência da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). A paranaense disse que, apesar da prorrogação da validade, não conseguiu abrir conta em um banco porque no documento dela consta a validade vencida.

O banco não quer saber, quer o documento específico com a validade em dia.
Gisele Ramos

A autorização da CPLP entrou em vigor em junho de 2022 por um ano e teve a validade prorrogada duas vezes — a última foi em 30 de junho de 2024 até 30 de junho de 2025. O governo não forneceu um documento atualizado.

Gisele Ramos não conseguiu abrir conta bancária por conta de documento vencido
Gisele Ramos não conseguiu abrir conta bancária por conta de documento vencido Imagem: Arquivo pessoal

Diante da demora e da falta de informação, as pessoas com a autorização têm portado o decreto de prorrogação para comprovar a validade dos seus títulos de residência.

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O documento permite que cidadãos de países lusófonos residam em Portugal, mas não tem qualquer validade em outros países do Espaço Schengen, a zona de livre circulação entre os países europeus. Ou seja, o documento não permite viajar pela Europa.

"Eu nem tentei [viajar para outros países, além do Brasil]. É uma questão de sorte [não ser barrado]", disse.

'Não fico em empresa'

Há dois anos no país, o vendedor pernambucano José*, 35, tem a manifestação de interesse, um pedido de autorização de residência que permite viver em Portugal enquanto o processo é analisado.

Brasileiros em Portugal narram perrengue por documentos
Brasileiros em Portugal narram perrengue por documentos Imagem: Kisa_Markiza/Getty Images/iStockphoto

O vendedor explicou que a demora da agência migratória em analisar o processo o atrapalhou na busca por melhores oportunidades de emprego. "Os melhores empregos pedem o cartão de residência."

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Fui chamado para trabalhar em duas grandes empresas, que pagam melhor e nas quais eu gostaria de atuar, e não puder ficar porque não tinha o documento de residência.
José

A manifestação de interesse foi extinta pelo governo português em 4 de junho, gerando ainda mais dúvidas aos imigrantes. Apenas os que solicitaram o processo até a data da extinção terão a possibilidade de se regularizar por essa via. A análise tem demorado em média dois anos.

José disse que, apesar de finalmente ter uma marcação para setembro, está ciente de que possivelmente deverá lidar com outro problema frequente. "Estava querendo ir para o Brasil no Carnaval [de 2025], mas não sei se vou conseguir por causa da demora que está sendo a chegada do cartão de residência."

O prazo legal é de 90 dias. Mas tem sido comum os imigrantes esperarem cerca de seis meses pelo cartão de residência. Enquanto aguardam, não podem deixar o país.

A solução pode demorar

Em nota, a embaixada brasileira em Lisboa afirmou que tem reforçado junto ao governo português a importância da comunidade brasileira para a economia e o desenvolvimento de Portugal, assim como a necessidade da agilidade no tratamento dos pedidos de regularização migratória. Os brasileiros representam um terço dos 1,04 milhão de estrangeiros residentes em Portugal.

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A representação diplomática destacou ainda que o país europeu reconhece a gravidade do problema e tem dialogado com o governo brasileiro. O UOL também tentou contato com a Aima, mas não obteve resposta.

O presidente da Aima, Luís Goes Pinheiro, afirmou em 25 de junho à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República que a agência deve "resolver as pendências até junho de 2025".

*O nome completo foi omitido a pedido do entrevistado

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